Antes de chegar à mesa, cozinheiras e cozinheiros vão à fonte para compreender a origem do pescado e dos frutos do mar utilizados em seus preparos
“O peixe, nas mãos de um hábil cozinheiro, pode se tornar uma fonte inesgotável de prazeres gustativos; ele é servido inteiro, em postas cozido na água, no óleo, no vinho, quente ou frio, e sempre é bem recebido”, disse o gastrônomo Brillat-Savarin, em seu tratado A Fisiologia do Gosto, de 1825. Juan Pilotto faz jus à habilidade no trato com o pescado desde pequeno, influenciado pelo gosto do pai em ir pro mar. “Pegava uns peixes com 6, 7 anos e trazia para minha mãe limpar, comecei eu mesmo a limpar em uma época, depois eu mesmo a cozinhar o peixe”, conta o cozinheiro apaixonado por peixes e frutos do mar, que passou a conhecer mais a pesca artesanal depois de integrar o Slow Food e o Slow Fish. “Entendi que tem toda uma comunidade, muito grande, capaz de oferecer peixe bom, de qualidade e com preço justo, e que remunera diretamente pessoas e não empresas. Através disso, mudou muito minha forma de ver a cadeia de pescados no ramo da gastronomia”, conta Juan, que já chegou a trabalhar em restaurantes tradicionais e hoje possui uma empresa que produz conservas de peixes e frutos do mar, entre outras iguarias. Boa parte de seus insumos são provenientes da Colônia de Pesca Z-13 (fotos abaixo), em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), onde mora atualmente.
O contato precoce com a atividade da pesca fez com que Pilotto adquirisse conhecimentos sobre a matéria-prima que vem do mar – espécies, sazonalidade, frescor, limpeza –, e é o que a cozinheira Ana Mantegari vem almejando nos últimos meses. Ela, que cozinha um “tantinho de cada coisa”, como costuma falar, tem se empenhado em se aprofundar no universo do pescado, esse ingrediente tão abundante em Ilhabela (SP) – onde vive – e também em sua cozinha. Entre outros quitutes “descomplicados”, ela prepara pratos como ceviche e bolinho de peixe, e varia ao usar espécies como xaréu-olhudo, carapau e anchova. Para ela, é um privilégio produzir estando perto do ingrediente, “Eu posso ir ali na praia de manhã cedo e ver o que acho com a cara mais bonita, mais fresca e comprar. Diretamente da fonte, sem nenhuma exploração no meio do caminho. É muito estranho hoje abrir um atum em lata e não saber o que você está comendo, como ele foi tratado – ou mal tratado –, conservado. Esse caminho dele na indústria, dos envolvidos [na produção] em grande escala”.
Por falar em atum, é com seu “primo”, o bonito, que, na capital carioca, o Juan prepara duas de suas mais famosas conservas – o bonito no azeite de ervas e limão cravo e o bonito em caldo de legumes (fotos acima). A variedade que aqui é pouco valorizada, e muitas vezes descartada ou utilizada como isca, em países como França e Espanha é muito encontrada sob essa forma de preparo. O trabalho de convencer os consumidores de que aquele peixe tem valor, entretanto, não é de todo fácil. “Para conseguir vender meu peixe, eu tenho que conversar, explicar o que é bonito. Elas [as pessoas] acabam provando e botam fé. Estamos no Rio, com uma costa enorme, e você vai no restaurante de frente pro mar e eles servem salmão. Cabe muito a canais como o Slow Food trazer informações sobre a possibilidade de outros peixes”, fala o cozinheiro, pontuando também a falta de apoio público a comunidades tão importantes para a economia e a cultura local, “Tem uma pessoa que aprendeu a fazer aquilo com o pai e o avô. Não alimenta só uma barriga, mas uma história, uma cultura. Preserva e mantém algo que está aí por gerações. É uma forma poderosa de troca, de apoio. Uma economia mais justa e circular.”