Sementes Livres

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As sementes livres

As sementes carregam a essência da agricultura e levam consigo a história do alimento e das comunidades que as guardaram ao longo de seu percurso. As sementes tradicionais, locais, crioulas, da paixão, da vida, também conhecidas por tantos outros nomes, são resultado de uma seleção (natural ou feita pelo homem) em uma área geográfica delimitada. São resultados de complexos saberes agronômicos adquiridos e aprimorados com a prática e transmitidos a cada geração, pela tradição. Por tentativa e erro, foram domesticadas milhares de espécies e desenvolvidas centenas de milhares de variedades. A depender do contexto sementes podem ter um sentido muito amplo, abrangendo todas as formas pelo qual se propaga a vida na atividade agrícola: grãos, mudas, raízes, ramas e até animais. Aqui nesta seção, nos atemos às formas de propagação dos vegetais. 

Sementes de feijões e milhos. Foto: Caco Marinho

As sementes das plantas melhor adaptadas aos territórios (mais rústicas e adequadas a climas, práticas e manejos) e às utilidades locais – alimentares, espirituais, medicinais, sociais, para fibras, utensílios e artesanato – são guardadas para serem semeadas na próxima oportunidade, e assim sempre foi feito o melhoramento genético das sementes, desde os primórdios da agricultura. A conservação da biodiversidade era e ainda é mantida por guardiões que salvaguardam espécies e variedades importantes. A diversificação dessas sementes se dá também pela circulação (geralmente por distribuição ou troca, baseando-se na cooperação e na reciprocidade) dentro de e entre comunidades, o que permite a incorporação de diferentes materiais genéticos e sua permanente evolução e adaptação aos territórios e a condições ambientais e climáticas.

As sementes sempre fizeram longas viagens: quando são movimentadas, elas se adaptam gradualmente aos novos locais, interagem com a diversidade de formas de vida ali presentes, desenvolvem novas características e dão vida a novas variedades, compondo a agrobiodiversidade e essas variações permitem maiores possibilidades de resistir às adversidades ambientais e regenerar mais rapidamente em condições nas quais estão adaptadas, dispensando o uso de insumos artificiais e externos, e garantindo maior produtividade e soberania alimentar das populações.

Milhos crioulos do sul de Minas. Foto: Glenn Makuta

As sementes são para os agricultores muito mais do que uma ferramenta de produção: assim como uma língua, um conjunto de ritos ou uma tradição alimentar, elas são a expressão de uma cultura que se estruturou ao longo do tempo, e de um conhecimento profundamente enraizado no território. Por isso devem ser livres de patentes industriais, de irradiação iônica, de agrotóxicos, de engenharia genética e de contaminação transgênica. Devem ser garantidas enquanto bem comum da humanidade e jamais como propriedade intelectual de poucas empresas transnacionais que se apropriam e mercantilizam a natureza.

Agricultores devem ter assegurados o direito de selecionar, produzir, conservar e trocar, compartilhar ou vender livremente suas próprias sementes. A diversidade genética das culturas permite maior resiliência frente às mudanças ambientais e climáticas cada vez mais intensas, e uma das estratégias essenciais é a conservação das sementes no próprio campo de cultivo, pois assim as adaptações às mudanças vão sendo incorporadas a cada ciclo, criando melhores condições para enfrentar os efeitos imprevisíveis da crise climática, garantindo maior estabilidade da produção e da conservação do ambiente natural. 

Ramas de mandioca da Rede Catarinense de Engenhos. Foto: Carú Dionísio

Uma das poucas coisas capazes de garantir o nosso futuro é a tecnologia de ponta das sementes desenvolvidas há milênios pelos camponeses do mundo todo, nas quais se insere a história e o futuro da humanidade, e que devem ter garantida sua transmissão para as gerações seguintes, para que elas tenham ainda a chance de construir outros futuros. Sementes são fonte de vida e de soberania dos povos!

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O que são transgênicos (e Organismos Geneticamente Modificados – OGMs)?

Cada espécie tem uma sequência de genes característica (genoma), que expressam as funções com pequenas variações e combinações diferentes entre indivíduos da mesma espécie. Quando tratamos de espécies diferentes, observamos outras sequências expressando outras funções. 

A transgenia parte da premissa simplista de que é possível manipular a expressão de genes transferindo-os de um organismo para outro, rompendo as barreiras naturais entre elas. O DNA tem codificada todas as possibilidades do que, como, se, quando e quanto é produzida uma proteína, que é responsável pela modulação de praticamente todas as funções de um organismo.

Na agricultura e na alimentação é onde esta biotecnologia é mais amplamente utilizada, e não se compara com outras aplicações como na produção de medicamentos, pois se dá em campos de cultivos abertos, com potencial de contaminar diversas formas de vida que não são o objetivo da tecnologia. A tecnologia aprofunda a disputa de narrativa entre a noção de que a semente e o patrimônio genético que ela representa seja um bem comum da humanidade, e do outro lado, as empresas detentoras de patentes sobre propriedade intelectual que entendem que sementes são criações mercadológicas para obter lucros enquanto socializa todos os prejuízos sociais, econômicos, de saúde e ambiental.

Basicamente a tecnologia foi desenvolvida para uso nas principais commodities, principalmente soja, milho e algodão produzidas em monocultivos de larga escala para duas características básicas: tolerância à herbicida ou resistência à insetos. O primeiro serve para a planta de interesse econômico sobreviver a banhos letais de agrotóxicos como glifosato, 2,4-D e glufosinato de amônio (todos extremamente tóxicos) ou para secretar a proteína de uma bactéria existente nos solos, mas que sintetiza dezenas de milhares de vezes sua toxina, tornando a planta venenosa para insetos que atacam plantações assim como para diversas outras formas de vida que interajam com estas plantas, incluindo os polinizadores como abelhas.

A transgenia surge em nível comercial repetindo a mesma narrativa da Revolução Verde, de melhorar a produtividade e acabar com a fome do mundo, mesmo quando a fome comprovadamente não é uma limitação produtiva, mas de caráter sociopolítico. 

Para melhor entender essa questão, é suficiente analisar os dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a FAO, segundo a qual atualmente são produzidos alimentos para mais de 12 bilhões de pessoas, mais do que suficiente para saciar a população mundial. Mesmo assim, em 2019, cerca de 2 dos pouco mais de 7 bilhões de habitantes do planeta ainda sofriam de insegurança alimentar moderada ou severa. Estes dados ajudam a compreender como a solução não está no aumento de terras cultivadas ou do rendimento por hectare e sim na estruturação de um sistema alimentar completamente diferente.  

Os transgênicos afetam a saúde dos consumidores de várias formas, havendo indícios que apontam para efeitos nocivos da ingestão desses organismos no longo prazo, além de que a dependência de aplicação de grandes quantidades de herbicidas ou a secreção de inseticida pela planta transgênica já seja um grande motivo para evitá-las. E para tal precisamos ter garantido o direito de escolha por meio da rotulagem adequada.

 

A legislação brasileira obriga a rotulagem – com um T preto, inserido num triângulo amarelo, como a imagem ao lado – de alimentos com ingredientes transgênicos (pela decisão do STF em 2016, que decidiu a favor do direito do consumidor exigido pela Ação Civil Pública que define que a regra se aplique em qualquer quantidade). Há ainda os alimentos oriundos de animais alimentados com transgênicos que, segundo a legislação, também deveriam ser rotulados, mas essa regra nunca foi aplicada no país, sendo apenas possível com um sistema eficiente de rastreabilidade e com maior pressão por parte dos consumidores. 

Faz-se evidente que os OGMs não representam a solução do problema, mas apenas agrava os problemas que alega sanar, criando uma agricultura com cada vez menos gente como um modelo de desenvolvimento.

Conheça mais sobre sementes, transgênicos e novas biotecnologias no documento de posicionamento do Slow Food Brasil.

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Festa Junina Livre de Transgênicos

Na rede Slow Food Brasil, o GT Sementes Livres atua desde 2015, com a campanha Festa Junina Livre de Transgênicos (FJLT), que promove as sementes livres, denuncia os transgênicos e as investidas contra a rotulagem de alimentos que os utilizam, basicamente com milho ou soja em sua composição. A festa, que comemora a colheita do milho verde, é oportunidade de trazer ao público as denúncias e anúncios sobre as sementes. 

O que desencadeou a criação do GT e da campanha foram justamente a ameaça ao direito do consumidor de saber se um alimento é transgênico, que emergiu por conta do atual PLC 34, que está parado no Senado Federal, que desobriga a rotulagem de alimentos transgênicos.

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A FJLT é um quebra cabeça de várias partes, que traz os elementos de uma festa junina adaptada aos conteúdos de denúncia dos transgênicos e outras biotecnologias e o anúncio das sementes crioulas e sua resistência. Vários módulos compõe essa festa, podendo ser adotada parcial ou completamente, a depender das possibilidades locais. Conheça as etapas:

1 - milhos por todos os lados.jpeg

1. Para trazer a atenção do público, aproveitamos o apelo visual dos milhos crioulos para criar um cenário que suscite a curiosidade sobre a diversidade de milhos. Ele deve estar presente também nas falas ou rodas de conversa. Porém, no receituário da festa a situação é mais delicada.  Muitos locais, principalmente nos grandes centros urbanos, o acesso ao milho de verdade é muito restrito, sendo para o grande público inacessível. Por isso entendemos que nessas condições utilizar o milho acaba sendo contraprodutivo já que estimulará a demanda por milhos transgênicos após a realização da festa. A exceção são as comunidades produtoras de milhos crioulos e um ou outro meio urbano em que esse acesso é facilitado.

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2. Na ausência do milho, convocamos os criativos cozinheiros da rede para que reinventem o receituário junino a partir de outros ingredientes menos ameaçados pela engenharia genética. Pinhão, amendoim e macaxeira são alguns dos ingredientes também consagrados na festa, mas muitas PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) também se mostram com grande versatilidade para o preparo das delícias juninas. 

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3. O altar do milho deve ser montado em algum ponto estratégico da festa. É a oportunidade de resgatar a dimensão sagrada do alimento. Convoque diversas lideranças indígenas, de comunidades tradicionais e religiosas para realizar a bênção do milho.

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4. Após a bênção do milho, dá-se início à troca de sementes crioulas, prática ancestral que promove o fortalecimento de laços sociais e o intercâmbio de sementes. É interessante criar um registro para quem e para onde as sementes estão indo. A semente crioula é uma semente local e com história. O cuidado com esse registro permite que isso continue vivo.

5 FESTA

5. Obviamente que como qualquer outra festa junina, a FJLT deve ser divertida e com tudo que caracteriza a festa de São João!

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6. Por fim, mas não menos importante, alerte o público sobre a necessidade de rotulagem. Apesar de estar parado no Senado Federal, precisamos ficar atentos com o PLC34/2015 que visa eliminar a rotulagem de alimentos contendo qualquer quantidade de ingrediente transgênico, conforme obriga a legislação vigente. Esta é uma grave violação do direito do consumidor!

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Materiais

Alimento na Arca do Gosto

Farinha de milho de monjolo

A farinha de milho de monjolo é uma farinha obtida a partir do milho fermentado e pilado, separado em peneiras para ser levado ao fogo, onde forma os “bijus” (ou beijus) que caracterizam sua textura e seu sabor. É um alimento de origem indígena, amplamente utilizado no período colonial entre tropeiros e por grande parte da população em algumas regiões.

Notícias Festa Junina Livre de Transgênicos

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Festa Junina Livre de Transgênicos

O GT Sementes Livres mais uma vez traz a campanha da Festa Junina Livre de Transgênicos (FJLT) para a rede Slow Food. Esta é uma Festa que visa alertar a população para os perigos da produção e consumo de transgênicos (e outros…

Festa Junina Livre de Transgênico 2016

O período dos festejos juninos se aproxima e pelo segundo ano estamos ativamos a campanha da Festa Junina Livre de Transgênicos (FJLT), promovida pelo Grupo de Trabalho (GT) Sementes Livres, do Slow Food Brasil. O GT nasceu em 2015 das articulações em…

Notícias, Comunicados e Manifestos

Sem consulta popular, biotecnologia conhecida como gene drives pode resultar em impactos irreversíveis à saúde e meio ambiente

Nota de Posicionamento do Slow Food Brasil contra o PL 4.148/08 – PLC 34/2015

Sementes livres: tecnologia ancestral para a sobrevivência humana

OGM (transgênicos)

Sobre transgênicos (OGMs)

Manifesto dos Feijões e das Leguminosas

III Feira de Sementes dos Povos Indígenas de Roraima

VIII Feira Krahô de Sementes Tradicionais

Coluna Alimentação e Cultura

Sementes crioulas e suas guardiãs

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