Atividade realizada com comunidade ribeirinha do Pará tem como foco a biodiversidade local aplicada à alimentação tradicional.
No final de maio de 2023, a equipe do projeto Sociobiodiversidade Amazônica desembarcou na Ilha das Cinzas, na região do Marajó, município de Gurupá, Pará. O motivo era promover, junto à comunidade local e à Associação de Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (ATAIC), a Semana de Ecogastronomia e Cultura Alimentar da Ilha das Cinzas. Durante três dias, agroextrativistas e agricultores da comunidade se envolveram com a equipe do projeto, membros da Associação Slow Food do Brasil (ASFB), em atividades teóricas e práticas focadas na valorização e resgate dos alimentos, plantas e tradições locais.
A Ilha das Cinzas fica na foz do rio Amazonas no estado do Pará e a única forma de acesso é de barco navegando pelo rio. Graças à reforma agrária, a comunidade da Ilha é um assentamento agroextrativista. As principais atividades econômicas e de subsistência da região são a pesca, por meio do manejo do camarão regional de água doce, e o extrativismo do açaí. Em 2011, a comunidade recebeu o prêmio da Fundação para Estudo e Pesquisa (FINEP), do governo federal, de melhor tecnologia social em reconhecimento ao trabalho de manejo do camarão regional. A adoção da pesca de manejo mudou a vida da comunidade local garantindo renda e sustentabilidade econômica unida à preservação do ecossistema local.
A atividade realizada pelo Slow Food foi conduzida por Socorro Almeida, diretora da ASFB e cozinheira responsável pela oficina. O objetivo do percurso proposto pela oficina era partir do conceito da Ecogastronomia e resgatar, desenvolver e partilhar receitas para promover a cultura alimentar do território. De forma prática consistia nas etapas de incentivar o aproveitamento integral de alimentos, estimular a troca de conhecimento resgatando receitas e os saberes tradicionais e, por fim, conscientizar os participantes acerca de novos usos alimentares de ingredientes locais visando o maior aproveitamento nutricional dos alimentos.
No primeiro dia de encontro, os participantes se encontraram na sede da ATAIC onde foram recepcionados pela equipe do projeto Sociobiodiversidade Amazônica e apresentados aos princípios do movimento Slow Food e à metodologia da oficina partindo da Ecogastronomia. Foram distribuídos materiais impressos de referência e pesquisa e apresentados os programas da Arca do Gosto e das Fortalezas Slow Food. Em seguida, houve uma rodada de apresentações, onde cada participante contou sua história e as expectativas para os dias de atividades.
Em um segundo momento, foi realizada uma dinâmica de mapeamento da cultura alimentar local, levantando alimentos e cultivos tradicionais, receitas quase esquecidas, e ainda, a sazonalidade dos alimentos. Por fim, foi solicitado a cada participantes que, no dia seguinte, levasse um elemento da cultura alimentar (plantas, receitas, alimentos, utensílios, entre outros) para a realização de uma dinâmica com todos os participantes.
No segundo dia, a atividade começou com a catalogação desses alimentos e plantas que cada pessoa trouxe de casa. Durante esse momento, foram trocados conhecimentos sobre os usos tradicionais das plantas e alimentos, o que despertou em muitos participantes memórias e o desejo de resgatar cultivos, receitas e hábitos familiares. Foram registrados usos alimentares e medicinais dos produtos e juntos foram testadas infusões para beber e outras para banhos.
Na etapa da cozinha, foi iniciada a elaboração de receitas visando o aproveitamento integral dos alimentos com receitas nutritivas, de baixo custo e uso integral dos alimentos que mesmo estando no território, muitas vezes, ficam esquecidos como o mangará, coração da bananeira, também, conhecido como umbigo da bananeira. Alguns alimentos tiveram destaque como a mandioca, o inhame e a casca do camarão local que podem ser usados de diversas formas em preparos fáceis, de alto valor nutricional e baixo custo para a população local. Um momento importante foi a lembrança da receita da Mujica, um prato tradicional da região que leva farinha fina de mandioca e o camarão regional. As pessoas mais idosas presentes na atividade se emocionaram ao relembrar esse prato que hoje é pouco consumido no dia-a-dia. A retomada do cultivo de mandioca foi também um dos desejos levantados por participantes.
No último dia de oficina, algumas preparações foram finalizadas e servidas aos participantes, como a Mujica. Receitas como o requeijão de inhame e o creme de cupuaçu com mandioca surpreenderam pelas combinações inusitadas e pelo sabor. A oficina foi avaliada como positiva pela comunidade e pela equipe do Slow Food. Houve intensa troca de conhecimento acerca do uso da fauna e flora local além de práticas tradicionais e sustentáveis que foram resgatadas e estimuladas durante os dias de atividade.
A valorização da cultura alimentar local durante todas as etapas da oficina gerou interesse por parte da comunidade de sugerir alimentos para inclusão na Arca do Gosto e, além disso, para o resgate de receitas tradicionais da região, o que levantou o tema da importância da salvaguarda da tradição, saberes e modos de fazer locais. Muitos participantes saíram da oficina motivados a retomar suas hortas e o plantio de mandioca em seus quintais.
A participação do Slow Food na Semana de Ecogastronomia e Cultura Alimentar da Ilha das Cinzas foi realizada dentro do escopo de atividades previstas pelo projeto Sociobiodiversidade Amazônica realizado pelo Slow Food Brasil. Este é realizado com apoio do projeto Bioeconomia e Cadeias de Valor, desenvolvido pela Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da parceria entre o Ministério Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, com recursos do Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha.