Escutar os povos da floresta

Evento Diálogos Amazônicos que aconteceu em Belém (PA) entre os dias 04 e 06 de agosto, teve protagonismo dos amazônidas e contribuiu com proposições concretas para a pauta da conservação da Amazônia. 

A Amazônia é o bioma mais biodiverso do planeta. Um território que avança além das fronteiras políticas de oito países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. A maior parte de sua extensão está no Norte do Brasil, o que significa que entre 2018 e 2022, sofreu mais do que nunca com aumento do desmatamento e da violência – política e ambiental. Isso fez com que a reconstrução das políticas públicas para a região amazônica fosse uma das prioridades anunciadas pelo presidente Lula no início do governo.

É impossível falar em crise climática sem considerar o que acontece em nível regional na Amazônia. Nesse ponto, governos e a iniciativa privada concordam com ambientalistas e os povos amazônidas. No entanto, a expertise de milhares de anos dos povos indígenas e, ainda, de populações ribeirinhas, agroextrativistas e quilombolas, que ocupam grande parte do território amazônico é desconsiderada pelos líderes da geopolítica global. Essas populações vivem e conservam, ou seja, utilizam da floresta em regime de cuidado e dessa forma extraem da mata sem comprometer a biodiversidade local. Nesse regime produzem alimentos de qualidade, de forma justa e sem o uso de agrotóxicos, sem colocar em risco a biodiversidade local. Se em 2023, a Amazônia ainda está de pé é porque as comunidades de lá vivem tem seu modo de vida e cultivo, baseado na lógica da natureza. Sendo assim, a forma como são produzidos alimentos pelos amazônidas é, sim, um dos caminhos para barrar a tão temida crise climática.

“Os povos que nascem e vivem na região amazônica e nos países da pan-amazônia, sabem o melhor para o território e sua manutenção. Senti que não poderia deixar de participar ativamente desse momento – os Diálogos Amazônicos – junto com inúmeros movimentos sociais. Estamos num momento grave de insegurança alimentar [e nutricional], que tende a agravar caso sejam mantidas as projeções de busca de petróleo na Foz do Rio Amazonas, o que irá impactar significamente nos maiores e mais importantes manguezais do planeta, sendo que temos inúmeras possibilidades de opções mercadológicas respeitando a floresta e os povos que nela vivem, sem mais necessidade de uso de tais combustíveis, evitando mais danos ao meio ambiente.”, alerta Socorro Almeida, cozinheira e diretora da Associação Slow Food do Brasil. O movimento Slow Food esteve presente nos Diálogos Amazônicos, uma série de palestras, assembleias e manifestações, que envolveram a sociedade civil – indígenas, quilombolas, extrativistas, camponeses e moradores da Amazônia urbana -, pesquisadores acadêmicos, movimentos sociais, ONGs e representantes do governo. O evento antecedeu a Cúpula da Amazônia, principal agenda internacional do governo brasileiro em 2023, que reuniu, nos dias 08 e 09 de agosto, autoridades de oito países que possuem parte da Amazônia em seu território. 

Socorro e Juliana durante atividade dos Slow Food no Diálogos Amazônicos.

Em teoria, a Cúpula seria o evento principal. No entanto, foi durante os Diálogos que tanto Socorro, quanto Juliana Araujo Lima, ativista do Slow Food, jornalista e cozinheira da Uru Culinária, avaliam terem sido os mais importantes.“Estar presente para ouvir as populações tradicionais; as pessoas que estão nos territórios desmatados e invadidos; que estão sofrendo com grilagem de terras e, ainda, sofrendo com mineração é fundamental. O que é que as pessoas têm para dizer? Quais são as necessidades delas? O que é que a gente pode fazer para ajudar e para contribuir? A gente tem as nossas ferramentas [Arca do gosto e Fortalezas], nossas plataformas que são internacionais; tem voluntários dispostos a traduzir o que as pessoas estão dizendo. Então, como é que a gente pode ajudar? Eu acho que é isso que é essencial: articular para que de fato as pessoas tenham acesso a todos os direitos e, para isso, elas precisam ser ouvidas. Especialmente, para terem acesso à alimentação e à vida, que elas conhecem e que faz sentido para elas.” Afirma Juliana, que sendo uma mulher branca, urbana e também amazônida entende que esse é o passo fundamental alcançado pelo evento, dar protagonismo  a quem tem soluções reais e, ao mesmo tempo, sofre com as consequências mais graves do atual cenário de degradação ambiental da região. 

O documento que resultou da Cúpula Amazônica é fraco. Não estabelece ações concretas contra o desmatamento, nem sobre a exploração de recursos naturais na região, como o caso do petróleo na foz do rio Amazonas. Socorro conclui: “ Acredito que os Diálogos trouxeram proposições construtivas no contexto dos impactos das mudanças climáticas, pensando em desafios e soluções relacionadas aos saberes Pan-Amazônicos a partir dos interesses dos povos que vivem nas amazônias, defendendo os direitos deles, contando para isso com políticas públicas comprometidas com a sustentabilidade das relações, da economia, do ambiente, da ciência e da tecnologia, projetando um futuro possível. No entanto, muito embora tenham sido apresentadas proposições bem delineadas, entregues às autoridades da Cúpula, considero que esta não produziu ações efetivas que tragam esperança com bons desdobramentos.”

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