Comida, Comunidade e Regeneração

Regeneração é o tema do Terra Madre – Salone del Gusto 2022, que tem como objetivo ressaltar o protagonismo da agricultura familiar camponesa, dos povos e comunidades tradicionais na produção de alimentos visando a segurança alimentar e nutricional e a busca por caminhos mais efetivos para agirmos diante das atuais crises sanitária e climática. 

“Acho que uma nova gastronomia que se desenha, tem sim que se preocupar com o meio-ambiente, ela tem que se preocupar de onde vêm os alimentos, como isso impacta o meio ambiente e para onde vão os resíduos.” Assim, Luizi Viana, gastrônoma, merendeira e proprietária do Moronguetá Amazônico, defende o que acredita ser o futuro da gastronomia. Luizi será uma das representantes do Brasil na 14º edição do Terra Madre – Salone del Gusto, que acontece entre os dias 22 e 26 de setembro de 2022, em Torino.  

A delegação do Brasil conta também com Bel Coelho, chef de cozinha e ativista socioambiental na luta por uma alimentação de qualidade, saudável e acessível para todos. Bel, que integra a rede de cozinheira/os do Slow Food Brasil, concorda que a forma como comemos tem grande impacto no agravamento da crise climática: “A gastronomia pode ter um papel importante nessa pauta justamente por ter grande visibilidade e se tratar de uma rede produtiva muito importante, a rede da produção de alimentos. Qualquer negócio hoje em dia deve ser pautado pela crise climática e relações sociais mais justas.” 

O posicionamento por parte dos profissionais da área, em especial, os chefs é fundamental para fortalecer a pauta de uma gastronomia mais consciente e responsável. Socorro Almeia, chef de cozinha e integrante da rede de cozinheira/os do Slow Food Brasil também é parte da delegação que representa o Brasil na Itália. Ela nos lembra que defender uma causa é um lugar de luta e de muitos desafios: “O chef ou cozinheira/o ativista tem que ter é coragem para defender o território; a preservação de memórias; o resgate do cultivo de alimentos esquecidos por causa da forte inclusão dos industrializados; as lutas político-sociais como a do fortalecimento da agricultura familiar e o combate à insegurança alimentar, especialmente no país que mais mata ativistas no mundo”.  Para Luizi, o ativismo é a regra e como uma ecogastrônoma, ela reforça outro princípio básico da/o cozinheira/o ativista: “Valorizar a cultura dos povos e suas tradições e aproximar o cozinheiro do comensal.”Por fim, Bel Coelho resume que um chef ativista hoje deve: “Divulgar e alertar a sociedade da importância de se criar consciência das cadeias produtivas para que possamos fazer escolhas sócio-ambientalmente corretas e sustentáveis”. 

O Terra Madre – Salone del Gusto volta ao formato presencial em 2022, depois de uma edição atípica em 2020, devido à pandemia da Covid-19.  Nesse ano, a expectativa é reunir ativistas, cozinheiros, gastrônomos, agricultores e produtores, pesquisadores e o público interessado do mundo inteiro para debater e construir coletivamente novas abordagens em relação aos sistemas de produção e consumo de alimentos. A pandemia revelou que as diversas crises que enfrentamos como sociedade tem origem  no sistema alimentar dominante que promove desigualdade social – o que só faz aumentar problemas como a fome – e o desperdício massivo de alimentos gerado pela forma como funciona a cadeia de distribuição e comercialização de alimentos, sobretudo, nas grandes cidades.

Diante de tantos desafios e vivendo ainda um período de muita incerteza, o tema central desta 14ª edição do Terra Madre é a regeneração, como definida pelo físico e cientista ambiental, Fritjof Capra. Em entrevista concedida a Carlo Petrini, fundador do movimento Slow Food, Capra define o conceito: “A primeira característica é que ‘a vida se organiza’ através de redes cujas estruturas e processos não se impõem externamente, mas se auto geram. No centro disso está um processo de regeneração contínua que envolve todos os níveis: do molecular ao social, incluindo, é claro, nosso sistema alimentar. (…) regeneração não significa necessariamente retornar a um estado anterior. Pode significar criar algo novo, e esta é uma descoberta importante na teoria da complexidade. Todo sistema vivo tem pontos de instabilidade, dos quais uma nova ordem pode surgir espontaneamente.”

Terra Madre 2022 – Salone del Gusto: mural em construção no Parque Dora, em Torino, local que sedia o evento este ano. Credito Divulgação

A partir do tema central da 14ª edição do Terra Madre – Salone del Gusto é urgente por parte da gastronomia e todos os profissionais envolvidos com a alimentação pensar ações que em larga escala façam diferença e que sejam de fácil execução, como observa Socorro Almeida: “No momento em que estamos com mais de 33 milhões de pessoas em alto grau de insegurança alimentar no Brasil, não dá pra pensar em não aproveitamento total de alimentos e em cardápios que de fato respeitem a sazonalidade, isso é gastronomia contemporânea, é inovação. Fazer um excelente uso dos alimentos, dos ingredientes na sua época correta de colheita e deixando o mínimo possível de lixo, ou se possível, lixo zero, é se preocupar com o planeta, com as mudanças climáticas.” A fala de Socorro atenta para os dados do último relatório da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) divulgado no início de junho de 2022 que trouxe uma atualização do cenário da fome no país. O relatório Olhe a Fome revela que, no fim de 2020, 19,1 milhões de brasileiros estavam em estado constante de fome e que em junho de 2022, o número subiu para 33,1 milhões. Nesse contexto, Socorro e outros ativistas e pesquisadores têm alertado sobre a urgência de atitudes que possam ser de fato eficazes e não apenas paliativas.

A agenda dos dias de evento em Torino visa discutir desde as escolhas diárias dos indivíduos, passando pelo esforço coletivo das comunidades e sobretudo criando condições para pressionar governos e instituições públicas e privadas a tomarem atitudes concretas. Além das conferências, debates e palestras, a programação conta com três grandes espaços que percorrem os pilares do Chamado para Ação Coletiva – a Biodiversidade, a Educação e o Advocacy/Ativismo. Para além disso, o evento proporcionará experiências como as Oficinas do Gosto e as Oficinas Regenerativas. Já os estandes com comidas tradicionais fruto de um trabalho ancorado nas culturas alimentares compõem o lado celebrativo com a volta do evento presencial. O lado virtual do Terra Madre, que começou em 2020, continuará existindo em conferências e encontros com transmissão simultânea direto de Torino para aqueles que não puderem comparecer presencialmente.   

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