O projeto Sociobiodiversidade Amazônica acontece desde 2022 realizando atividades de formação com comunidades tradicionais de três estados Amazônicos: Acre, Amazonas e Pará. Ao todo, foram atendidas oito comunidades rurais de agricultoras e agricultores tradicionais, localizadas em Terras Indígenas ou em outros territórios ocupados por estas populações. O projeto visa desenvolver a bioeconomia em torno das cadeias de valor de produtos da sociobiodiversidade da região.
Com o objetivo de diagnosticar, catalogar, registrar e desenvolver as cadeias de valor, foram trabalhados os principais produtos de cada comunidade. Desde a produção até a comercialização justa, que visa maior autonomia das comunidades sobre a própria produção e ajuda na permanência dos mais jovens na comunidade. Ao longo dos ciclos de atividades previstas, a equipe técnica do projeto em cada região visitou as comunidades realizando pelo menos três idas a campo diferentes. Nas visitas, a equipe técnica participou da colheita, do processamento dos produtos e do dia a dia das comunidades. Entre as atividades do projeto, destacam-se oficinas de educomunicação, planos de ação, oficinas de ecogastronomia e organização e execução, junto com agricultoras e agricultores, de projetos para a concorrência a editais do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Como finalização dos trabalhos de campo a equipe do Projeto Sociobiodiversidade Amazônica produziu relatórios que terão como resultado Protocolos de Descrição do Sistemas Agrícolas Tradicionais (SAT) de cada uma das comunidades participantes. No Acre, Jamylena Bezerra de Sousa, engenheira florestal e mestre em Gestão de Áreas Protegidas da Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisa na Amazônia (INPA), relata sua experiência ao participar pela primeira vez da pesquisa e do relatório para a construção de um protocolo de descrição de SAT. Jamylena esteve com o Slow Food nas duas comunidades que foram atendidas no Acre: Aldeia Pinuya, na TI Colônia 27 e Aldeias Barão e Ipiranga, na TI Puyanawa.
Mesmo não tendo conhecimento prévio da metodologia do protocolo descritivo de SAT, Jamylena revela não ter tido dificuldade para responder ao questionário que recebeu ao final dos trabalhos de campo. Ao longo do projeto, já haviam sido trabalhados os principais conceitos, como o de cadeias de valor, linha do tempo de produção, diagrama de vendas, entre outros, segundo o relato de Jamylena. Para ela o projeto revelou-se: “Uma oportunidade de conhecer o território como um todo, assim como o modo de vida social, cultural e alimentar dos indígenas.” E, nesse sentido, o protocolo como resultado se revela: “essencial, pois conecta a todos, mostrando que todo o processo é importante, que cada participação tem o seu valor, além de, participantes e consultores trocarem ideias do que fazer e não fazer num sistema agrícola tradicional.” Para Jamylena todo o caminho percorrido produz um grande aprendizado para as comunidades e técnicos em campo e permite uma real troca de experiências.
A técnica esteve nas duas comunidades atendidas pelo projeto no Acre: na Aldeia Pinuya e na TI Puyanawa. Ambas comunidades estão organizadas em associações de agricultores, sendo as principais atividades em cada uma ligadas à mandioca. Na Aldeia Pinuya, localizada na Terra Indígena Colônia 27, existe a Organização dos Agricultores Kaxinawá da Terra Indígena Colônia 27 (OAKAT 27) e na TI Puyanawa os agricultores estão organizados na Associação Agroextrativista Puyanawa do Barão e Ipiranga (AAPBI). Ambos os territórios são terras ocupadas há mais de 50 anos, sendo demarcadas como TI Colônia 27 em 1991, e como TI Puyanawa em 2001.
Pelo protocolo de descrição do sistema agrícola tradicional será possível entender a importância do cultivo da mandioca na alimentação, na produção e na comercialização in natura no caso da aldeia Pinuya, e da farinha de mandioca no caso dos Puyanawa. A rotina de trabalho e a vida social das comunidades se organizam a partir desses produtos, que além de servirem ao consumo próprio são comercializados em mercados locais. É interessante perceber certa semelhança cultural na tradição dos trabalhos como a valorização das etapas que incluem o trabalho masculino e a não valorização do processamento tanto da mandioca quanto da farinha, o que constituem etapas de trabalho exclusivamente feminino. Por outro lado, o registro do protocolo dá a ver que as vendas, ainda que possuam valores considerados justos, são realizadas quase que exclusivamente por intermédio de atravessadores, que nas cidades próximas, comercializam produtos da comunidade sem que nessa etapa exista a participação do produtor.
A análise dos dados coletados em campo e transformados em relatórios para a construção dos protocolos de descrição dos SAT revela ainda que há mercado para uma expansão da produção tanto da mandioca quanto, sobretudo no caso dos Puyanawa, da farinha de mandioca. Isso demonstra que o alimento é considerado de qualidade e que a cultura local valoriza esse produto a ponto de sua oferta no mercado local ser ainda aquém da demanda por ele. Jamylena revela que para a comunidade os trabalhos realizados no âmbito do projeto tiveram como ponto chave: “conhecer de fato seu principal produto, onde [os agricultores] conseguiram visualizar os gargalos, mas também as oportunidades do que o seu produto pode trazer para a comunidade.” E completa afirmando que “Cuidar da biodiversidade é isso, é cuidar da floresta e de quem cuida dela.”
O projeto Sociobiodiversidade Amazônica é realizado pela Associação Slow Food do Brasil e integra Bioeconomia e Cadeias de Valor, desenvolvido pela Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da parceria entre o Ministério Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, com recursos do Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha.
*Foto em destaque: Produção de farinha de mandioca na Aldeia Ipiranga, TI Puyanawa – foto: Naiara Bezerra da Silva e Jamylena Bezerra de Souza