Oficina da Arca do Gosto mapeia a riqueza da cultura alimentar do Xingu

Oficina da Arca do gosto com foco na cultura alimentar local na Terra Indígena Paquiçamba, no Pará, destaca os impactos da construção da Usina de Belo Monte na qualidade da alimentação dos povos indígenas.

No início de junho, a equipe do projeto Sociobiodiversidade Amazônica do Slow Food esteve na Terra Indígena (TI), Paquiçamba, do povo Juruna (Yudjá), localizada no município de Vitória do Xingu, no Pará. A principal atividade realizada foi a oficina Arca do Gosto e Sistema Agrícola Tradicional da TI Paquiçamba, sendo o foco da oficina a análise da cultura alimentar local.  

Em outubro de 2012, a região da TI Paquiçamba foi demarcada, reconhecendo a ocupação tradicional do povo Juruna (Yudjá) na região. Com essa conquista, os indígenas retomaram Volta Grande do Xingu, assim denominada porque geograficamente é nesse local que o rio Xingu faz uma grande curva no seu curso. A demarcação da TI abrange quatro cidades, entre elas, o município de Vitória do Xingu, onde estão as duas aldeias, Paquiçamba e Mïratu, que participaram das atividades do projeto. 

No primeiro dia de atividades, participantes das duas aldeias se reuniram em Mïratu, em uma dinâmica para o levantamento de tudo que produzem a partir da biodiversidade local, desde a produção agrícola, passando pela pesca e até produtos como o leite de castanha-do-pará e o tucupi. Nesse levantamento, destaca-se a golosa, fruta nativa da região, de polpa macia e sabor ácido, muito importante na alimentação local e que, na ocasião, foi indicada para a Arca do Gosto.

 Almoço coletivo durante a oficina com alimentos da sociobiodiversidade local.

Durante os dias seguintes, o entendimento do que é a qualificação em cultura alimentar e a importância da preservação do Sistema Agrícola Tradicional seguiram com o aprofundamento em número e qualidade das informações levantadas. A agricultura familiar visando a subsistência corresponde a uma parte da produção agrícola da comunidade, incluindo o plantio de mandioca, milho, açaí, abacate, manga e cupuaçu, entre outros. 

Além disso, a cultura do cacau tem se desenvolvido muito na região, mas foge à lógica de outros plantios, uma vez que foi introduzido na comunidade visando o interesse comercial. Existe investimento e incentivo por meio de parcerias público-privadas para a cultura do cacau na região da Transamazônica e Xingu, desde o início da década passada. Por esse motivo, uma das atividades propostas foi a exibição do filme Dois Riachões, Cacau e Liberdade, produzido em uma comunidade que faz parte da Fortaleza do Cacau Cabruca. O curta-metragem, realizado por Patrícia Moll e Felipe Abreu conta a história do Assentamento Dois Riachões, que por meio de um modelo de desenvolvimento comunitário conseguiu aliar a produção do cacau com a conservação da Sociobiodiversidade e da Cultura Alimentar. 

O cacau é um cultivo que tem se desenvolvidos nos últimos 10 anos na região, com finalidade comercial.

Apesar da diversidade agrícola, a principal atividade tradicional do povo Juruna (Yudjá) de Volta Grande do Xingu sempre foi a pesca. Justamente pelo formato de curva que o rio Xingu faz na região forma-se um importante estuário para diversas espécies de peixes. A base da alimentação é composta por esses peixes e a principal atividade cultural dos indígenas é a pesca. Foram levantadas 13 espécies diferentes de peixes de uso tradicional em receitas como peixe assado em folha de bananeira, cozido nos leites de castanha ou coco, cozidos com tucupi e ainda o Berarubu, um preparo que cobre o pescado em farinha puba e o leva para assar enrolado na folha de bananeira. 

A área sofre influência direta da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, estando sua biodiversidade fluvial muito ameaçada. O cenário de abundância em espécies de peixe foi gravemente impactado pelo acordo de uso das águas estabelecido com a implementação da usina hidrelétrica em 2015. Com a construção da barragem, 70% do fluxo da água do rio Xingu foi desviado para a produção de energia. Em 2016, aconteceu o que os Juruna denominaram o “ano do fim do mundo”, quando toneladas de peixes morreram e em especial as tracajás, que foram encontradas mortas bem no período e local habitual da reprodução da espécie.

Desde 2013, as aldeias indígenas e a comunidade local de ribeirinhos se uniram a pesquisadores acadêmicos e cientistas da região em torno da organização do MATI (Monitoramento Ambiental Territorial Independente), que acompanha a qualidade das águas e demais impactos ambientais na região. Em 2018 o MATI junto ao Instituto Socioambiental (ISA) lançou a animação documental “Xingu, o rio que pulsa em nós”, que denunciava os impactos negativos da construção da Usina de Belo Monte. De lá para cá o movimento #PulsaXingu cresceu e, em julho desse ano, lançaram outra animação que apresenta e explica a proposta do Hidrograma da Piracema. A proposta do novo hidrograma para a operação da barragem na região é mais respeitosa com o fluxo natural das águas do rio Xingu, e é embasada em pesquisas desenvolvidas a partir de dados e estudos científicos realizados nos últimos cinco anos.  

A Oficina Arca do Gosto do Sistema Agrícola Tradicional da TI Paquiçamba é mais uma das atividades do projeto Sociobiodiversidade Amazônica no estado do Pará. Durante as atividades ficou claro que as aldeias possuem forte conexão com a cultura alimentar de seu povo e pudemos observar a necessidade de reconhecimento da Cultura Alimentar do Sistema Agrícola Tradicional da Terra Indígena Paquiçamba.

Estas atividades foram realizadas dentro do escopo de atividades previstas pelo projeto Sociobiodiversidade Amazônica realizado pelo Slow Food Brasil. Este é realizado com apoio do projeto Bioeconomia e Cadeias de Valor, desenvolvido pela Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da parceria entre o Ministério Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, com recursos do Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha.

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