Como a cidade pode e deve apoiar o campo?

Na busca por respostas, um consenso é de que qualquer solução passa pela mudança da forma como consumimos, produzimos e distribuímos alimentos.

Fachada Armazém do Campo Rio de Janeiro. Fotos fachada: Ademar Ludwig

Iniciativas como aquelas do Armazém do Campo, rede de lojas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), são exemplos. “Nós somos um lugar, um espaço onde você tem que se sentir entre os acolhidos. Outras dimensões culturais também se manifestam, então, temos aqui: a literatura, a música e a culinária. As mesas… Elas tão ali para a classe trabalhadora conspirar as suas ideias, e você conversar e se encontrar com as pessoas aqui.” Um local de encontro antes de um local de venda, bem nos moldes dos armazéns do início do século XX; é assim que Ademar Ludwig, coordenador nacional da rede Armazém do Campo, define as lojas. Além disso, não usam o termo consumidor para os clientes, preferem chamá-los de parceiros. O primeiro Armazém do Campo foi aberto em 2016 em São Paulo. Hoje, são 21 lojas em todo o Brasil e mais de 50 pontos de venda e experiências de comércio justo com produtos saudáveis produzidos pela reforma agrária.

O objetivo é oferecer um alimento no mínimo sem uso de agrotóxicos, e a meta é crescer na direção da agroecologia, que tem como princípio o respeito total ao meio ambiente aliado ao desenvolvimento social. Já a metodologia da iniciativa prioriza o associativismo e o cooperativismo entre os produtores. “O objetivo (é) ofertar na prateleira esse fruto da luta pela terra que vem lá dos acampamentos e assentamentos, das associações, das cooperativas e das agroindústrias. (E) temos um diálogo com a Via Campesina. A nossa prateleira também tem que ser um espaço para essas organizações disponibilizarem o alimento produzido por elas. Pequenos agricultores, quilombolas, ribeirinhos, juventude rural, a mulher trabalhadora rural, a galera do artesanato, enfim, toda essa agricultura familiar e camponesa.” Outro ponto central da iniciativa é ter na expansão uma estratégia para tornar os produtos mais acessíveis a uma parcela cada vez maior da sociedade, já que o maior desafio que enfrentam é a logística do transporte dos produtos até as lojas. Nesse sentido, mais espaços de venda impactam diretamente no custo.

Orgânicos e, preferencialmente, agroecológicos, essa é regra dos alimentos encontrados nos Armazéns do Campo, a rede de lojas do MST. foto:  Ademar Ludwig

No entanto, foi no contexto da pandemia da covid-19, durante os dois últimos anos, que cresceu a mobilização social em torno de formas alternativas de comércio, consumo e distribuição de alimentos. Várias iniciativas já existentes foram fortalecidas e novas surgiram como aquelas que se empenham na doação para ajuda aos mais vulneráveis, outras focadas na subsistência e outras, ainda, voltadas para comercialização na forma de cestas semanais ou de feiras livres nas cidades. Um mapeamento detalhado desse cenário foi realizado pela Ação Coletiva Comida de Verdade liderada pela ANA, Articulação Nacional de Agroecologia, ainda em 2020. Os resultados podem ser acessados gratuitamente no site oficial da Ação Coletiva Comida de Verdade.

“Os Armazéns viraram esse ponto de diálogo com a sociedade urbana, diálogo em torno do alimento saudável. Principalmente na pandemia, foi muito presente nas lojas a solidariedade, a união para tentar salvar vidas e a fome nesse processo pandêmico” avalia Ademar. Além do aumento pela procura dos produtos da reforma agrária como uma maneira de escapar da lógica dos alimentos vendidos em supermercados, os quais sofreram um aumento abusivo com a alta da inflação, os clientes parceiros também se conscientizaram e se uniram à rede de apoio junto aos produtores. Entre abril de 2020 e janeiro de 2021, o MST doou 6 mil toneladas de alimentos e 1.150.000 de marmitas para pessoas em situação de fome e insegurança alimentar em todo país.

Incentivar a soberania camponesa apoiando a agricultura familiar e camponesa e defendendo a manutenção e a ampliação de políticas públicas relacionadas à alimentação é fundamental ao tripé que orienta o movimento do Slow Food na defesa por um alimento bom, limpo e justo. Na verdade, é essencial para a defesa da cultura alimentar e das gastronomias locais, que tanto têm sido as bandeiras de chefs e cozinheiros contemporâneos. Não é um modismo, é parte de uma responsabilização necessária à sobrevivência da espécie humana e que exige a retomada de um estado de comunhão com o planeta Terra.

*A foto em destaque foi cedida pelo Armazém do Campo de São Paulo.

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