Broa de milho assada na folha de bananeira é quitanda popular em Minas Gerais com história ainda pouco conhecida e forte presença africana e indígena.
Texto: Lucas Mourão (Jaca Verde PANC / Slow Food Beagá)
Foto: Brendon Campos / cubu feito pela Jaca Verde PANC (@jacaverdepanc)
Cubu, João deitado, Pau a pique…Muitos são os nomes para esta quitanda, famosa no interior do estado de Minas Gerais que guarda muita história por trás de sua receita. História essa que é desconhecida por grande parte da população, inclusive na sua região de origem.
O cubu é símbolo da mestiçagem brasileira, que aconteceu tanto na formação do nosso povo quanto da nossa culinária. Nas palavras da quitandeira, Lilian Betânia de Souza Costa, da Associação das Quitandeiras de Congonhas: “Falar do cubu é falar de resgate e valorização de uma quitanda secular. Nos remete ao início da colonização mineira e local. O cubu é uma quitanda preparada com fubá, ovos, açúcar, gordura de porco, erva doce e ou canela, leite, bicarbonato de sódio e farinha de trigo. Era a matéria prima mais abundante entre os escravos. Quem chega a Congonhas, seja no Festival ou em qualquer outra época, quer saborear o cubu.”
A palavra quitanda, muito presente na culinária brasileira, e, especialmente mineira, tem origem no vocábulo kitanda, do dialeto quimbundo, falado em Angola, e significa: “tabuleiros onde são expostos gêneros alimentícios nas feiras”. Em Minas, corresponde a qualquer receita que acompanha uma xícara de café, desde o café da manhã até o lanche da tarde. Roscas, biscoitos salgados ou doces, broas, bolos e outras iguarias, que tornam a culinária mineira tão reconhecida em outros estados brasileiros, e até mesmo no exterior. Fora do estado de Minas Gerais, a palavra quitanda também significa feiras e mercados livres onde são vendidas frutas e verduras.
Na sua origem etimológica, portanto, a quitanda já revela uma forte presença da cultura africana, que junto das culturas indígena e europeia é a base que forma a culinária brasileira. A origem das quitandas remonta ao século XVIII, quando se formou também o estado de Minas Gerais no momento da busca pelo ouro no interior do Brasil e crescente fluxo de escravizados africanos para o país. Quitandas, como o cubu, tem grande importância por serem alimentos de muita resistência, aguentando o transporte por longas distâncias sem se deteriorar.
Segundo a pesquisadora Juliana Bonomo em artigo intitulado As quitandas de Minas Gerais: uma análise das origens de um alimento luso-afro-brasileiro, apresentado no XIII Congresso Luso-Afro Brasileiro de Ciências Sociais, a receita do cubu surge entre os povos escravizados da etnia Cobu (onde atualmente é o Benin). Inicialmente, era feita apenas com melado de cana e fubá, e os cubus eram assados em forno de barro, de influência indígena. O primeiro registro da receita data de 1715 na região da atual cidade de Gouveia, em Minas Gerais. A quitanda de massa adocicada e textura macia rapidamente se popularizou por toda a província mineira. Tornou-se muito consumida entre os trabalhadores rurais e tropeiros que em grandes viagens pelo país, conduzindo animais na troca de mercadorias entre as regiões, tinham no cubu, um ótimo alimento, muito durável e de bastante “sustância”.
No entanto, dentre as quitandas conhecidas no imaginário da culinária mineira, o cubu infelizmente não figura entre as mais celebradas como pão de queijo, broa de milho e biscoito de polvilho. Mas é bem comum em algumas cidades mineiras, principalmente em Ipoema, Itabira, Conceição do Mato Dentro e Congonhas, esta última conhecida pelo seu famoso Festival de Quitandas que acontece anualmente e celebra as quitandas feitas pelas grandes cozinheiras da cidade, como a Lilian, da Associação das Quitandeiras de Congonhas. Nas palavras dela: “O Festival trouxe essa fama (para o cobu) pois além de comercializarmos nos nossos estandes, são servidos gratuitamente aos visitantes com o famoso chá de Congonha. Toda sexta e sábado eles são encontrados à venda na nossa feira do produtor rural, daí a importância do cubu para nossa gastronomia local.”
O Festival de Quitandas de Congonhas acontece todo mês de maio e já conta com 19 edições. Desde 2020, o festival não é realizado devido à pandemia da Covid-19 e continua sem previsão oficial para 2022. Enquanto, a quitanda original não pode ser degustada em festa, segue abaixo uma receita original, seguida de uma adaptação vegana.
RECEITA TRADICIONAL DE IPOEMA, por Eliza Estevão² (resumida)
Ingredientes:
– 1 kg de fubá de moinho d’água
– 1 kg de rapadura derretida com 1 copo de água
– 500g de manteiga
– 3 ovos
– 1 colher de sopa de cravo da índia moído
– 1 colher de sopa de canela em pó
– 1 colher de chá de sal
– 1 litro de coalhada
– 1 colher de sopa de fermento químico em pó
– 500g de farinha de trigo
– 1 colher de sopa de bicarbonato de sódio
– Folhas de bananeira
Modo de fazer:
Misturar em uma tigela a rapadura derretida com o bicarbonato.
Misturar o cravo, canela, sal e manteiga. Bater os ovos e juntar à massa.
Misturar a coalhada com o fermento, apenas incorporando, sem bater.
Juntar a farinha de trigo e, por último, fubá, misturar delicadamente até que a massa fique homogênea, nem muito dura, nem muito líquida.
Colocar duas colheres de sopa da massa em folhas de bananeira cortadas e aquecidas previamente.
Enrolar, dobrar as pontas, colocar no tabuleiro e assar em forno quente.
O tempo varia entre 20 e 30 minutos, depndendo do forno utilizado.
Os cubus estarão prontos quando a folha de bananeira ficar bem seca.
Na versão vegana, substituem-se os ovos e a manteiga por óleo vegetal. E o leite por leite vegetal de aveia. Pode ser acrescentado o coco ralado (comum em outras versões), e a farinha de jatobá, fruto do Cerrado brasileiro de alto valor nutritivo e que é, ainda, muito subutilizado por grande parte da população.