Transmissão de saberes tradicionais no território dos Inhamuns

Sertão dos Inhamuns, uma das regiões mais áridas do estado do Ceará, no nordeste do Brasil. Em seu contexto histórico, marcas dos sucessivos e prolongados períodos de seca que expuseram às famílias indígenas, habitantes e guardiãs dessas terras ainda não demarcadas pelo governo federal, há graves situações de vulnerabilidade e insegurança alimentar e nutricional.

O povo indígena Tabajara, situado em Quiterianópolis, município localizado na divisa com o Piauí, convive com essa realidade do sertão. Para eles, o avanço da pandemia do covid-19 evidenciou ainda mais a necessidade de salvaguardar a agrobiodiversidade do bioma da caatinga e sobressaltou a importância da transmissão dos conhecimentos tradicionais ao longo das gerações, como garantias de acesso à saúde e alimentação de boa qualidade.

Beneficiário do projeto “Território e Cultura Alimentar no Ceará“, o povo Tabajara de Quiterianópolis recebeu a consultora Gabriella Pieroni, educadora e historiadora, integrante das comunidades Slow Food Educação e Mandioca, que desenvolveu ações de intercâmbio de experiências dentro da comunidade, seguindo todos os protocolos de segurança estabelecidos para o controle da pandemia.

Com o apoio de Eleniza Tabajara, articuladora local do projeto e liderança indígena, foi possível interagir com a juventude e mobilizar, principalmente, as mulheres, em sua maioria agricultoras familiares acima dos quarenta anos de idade, engajadas na defesa e desenvolvimento dos sistemas agroalimentares, para construção do inventário participativo da cultura alimentar do povo Tabajara de Quiterianópolis, um instrumento de preservação que reconhece e sistematiza os saberes e sabores dessa população. 

Tomando como base a metodologia proposta pelo IPHAN de inventariamento do patrimônio imaterial, foram formadas cinco equipes, cada uma responsável por um tema relacionado à cultura alimentar do Povo Tabajara: “agricultura”, “medicina tradicional”, “casa de farinha”, “caça, pesca e criação de animais”, “preparos culinários” e “troncos velhos”. As pesquisas mapearam as quatro aldeias que compõem o território: Croata, Bom Jesus, Vila Nova e Fidelis, esta última também chamada de Aldeia Mãe, como partilhou D. Valda, companheira de Seu Detinho, troncos velhos da comunidade, em depoimento realizado para o grupo de inventariantes. 

As vivências percorreram açudes, casas de farinha, quintais produtivos e roçados, andanças que foram despertando a curiosidade sobre a biodiversidade do lugar e possibilitaram a troca de informações entre diferentes gerações e também entre famílias agricultoras, reafirmando os laços comunitários. Com o apoio de Fabrícia Tabajara, diretora da Escola Indígena Carlos Levy, e de Leonardo Tabajara, presidente do CITAQ – Conselho Indígena do Povo Tabajara de Quiterianópolis, os grupos registraram, produziram e apresentaram os conteúdos abordados durante os encontros. 

Nas rodas de conversas surgiram memórias comoventes, histórias de resistência e sobrevivência que revelaram a conexão do povo Tabajara de Quiterianópolis com as suas terras e raízes, sua ancestralidade. Tradições alimentares que sustentam e nutrem muitas vidas, em todas as suas formas, desde muito tempo até os dias de hoje, que no orgânico movimento do aprender vivendo, observando o lugar e os modos de fazer daqueles que chegaram antes, escutando suas experiências e reproduzindo, garantem o acesso a uma comida boa, limpa e justa para toda a comunidade, mesmo quando o “inverno é pouco” e a chuva não vem.

Território e Cultura Alimentar no Ceará

O projeto vem sendo realizado desde setembro do ano passado pela Associação Slow Food do Brasil (ASFB) e pelo AKSAAM – Adaptando Conhecimento para a Agricultura Sustentável e o Acesso a Mercados, projeto do FIDA – Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV), e com o apoio dos projetos Paulo Freire (FIDA), São José (Banco Mundial) e a Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco. 

As ações estão sendo desenvolvidas junto aos povos indígenas Tremembé da Barra do Mundaú e Tabajara de Quiterianópolis objetivando o fortalecimento da identidade territorial e a valorização da cultura alimentar, além de incentivar o potencial sustentável dessas duas comunidades tradicionais e o consumo de alimentos produzidos localmente.

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