O termo comida de rua é utilizado para identificar alimentos e bebidas prontos para o consumo, preparados e/ou vendidos nas ruas; em portas de igrejas, escolas, cinemas; em tendas, que se espalham por praias, praças e outros lugares públicos. Sempre muito apreciados por pessoas de todas as classes, esses alimentos são comercializados por vendedores ambulantes, em todas as partes do mundo.
Estudos realizados na América Latina estimam que, em grandes centros urbanos, entre 25 e 30% do orçamento familiar são gastos no consumo de alimentos categorizados como comida de rua.
Os produtos oferecidos variam nos diferentes países/regiões e culturas e, por isso, destacam-se sob o ponto de vista turístico, pois comumente são considerados emblemáticos e apreciados pelos viajantes.
No Brasil: uma herança dos escravos
A partir de meados do século XVIII, com o crescimento da população e da economia, os escravos passaram a ser utilizados nas cidades em funções distintas daquelas a que se haviam dedicado até então. Os escravos de ganho eram empregados ou alugados por seus senhores para produzir, vender ou prestar serviços a terceiros. Para complementar o orçamento doméstico de seus senhores, escravas – principalmente aquelas que moravam em Salvador e Rio de Janeiro – saíam da cozinha para as ruas, levando comidas feitas em casa: eram vendedoras ambulantes, que percorriam as cidades com tabuleiros, vendendo beijus, cuscuzes, bolinhos e outras iguarias.
Em Salvador, cabe destacar a comercialização do acarajé, iniciada no período escravagista, com as escravas de ganho. A prática é herança trazida pelos negros da costa ocidental da África, onde as mulheres realizavam um tipo de comércio ambulante de produtos comestíveis. Em chão brasileiro, essa atividade permitiu às mulheres escravas, muitas vezes, além da prestação de serviços a seus senhores, a garantia do sustento de suas próprias famílias.
Às vezes nos sentimos órfãs, porque trabalhamos sozinhas com nosso tabuleiro, de sol a sol, expostas ao frio, ao calor e mesmo à violência. Mas somos mulheres negras e perseverantes: se não vendemos hoje, venderemos amanhã. Somos um símbolo de resistência desde a escravidão. (Maria Leda Marques, vendedora ambulante de acarajé – fonte: reportagem de Carolina Cantarino)
Comida de rua: a proliferação
O gradual empobrecimento da população dos países em desenvolvimento fez proliferar o consumo de alimentos preparados e vendidos em logradouros públicos. O hábito cultural já era muito popular: barraquinhas de sardinha, em Portugal; de chás, na Índia; de crepes, na França; de acarajé, cachorro-quente, beiju, churrasquinho, queijo de coalho, tacacá, pastel e frutas, no Brasil. Determinados alimentos são preferencialmente consumidos no segmento ambulante e a pressão socioeconômica acentuou o fenômeno, inicialmente em certos locais, hoje de Norte a Sul do País.
Com o aumento do desemprego, a venda de comida de rua tornou-se, para muitos brasileiros, a única oportunidade de trabalho, o que explica o elevado contingente de vendedores ambulantes. Para muitos consumidores, a comida de rua constitui-se na melhor forma de alimentar-se fora do lar, principalmente pela praticidade e pelo preço reduzido desses alimentos. O sucesso do comércio ambulante também pode ser atribuído à isenção de impostos, à liberdade de escolha dos alimentos a serem comercializados, à flexibilidade no horário de trabalho e ao baixo capital demandado para a implantação da atividade.
A limitada oferta de trabalho leva a população a buscar alternativas econômicas como o comércio informal de venda de alimentos. A venda de alimentos nas ruas é uma característica do estilo de vida de países com alto índice de desempregados, baixos salários, oportunidades de emprego limitadas e rápida urbanização. (Fattori e colaboradores, IX Simpósio Internacional Processo Civilizador. Ponta Grossa, Paraná, Brasil)
Comida de rua: os riscos
Os alimentos vendidos nas ruas podem, porém, representar um problema de saúde pública, já que muitas vezes são preparados e vendidos sem as adequadas condições de higiene, podendo colocar em risco a saúde do consumidor. A ausência de água potável ou de refrigeração dos alimentos, as práticas inapropriadas de manipulação e a falta de áreas adequadas para descarte do lixo são alguns dos fatores que podem favorecer a contaminação e deterioração dos produtos.
Hoje, sabemos que os alimentos se deterioram, conhecemos os processos e detemos as técnicas que podem ser empregadas para minimizar os riscos. Se a atividade turística deve se fundamentar no conceito da sustentabilidade e se a comida de rua é um atrativo/produto turístico por revelar a cultura alimentar local, despertando sensações e interesse nos viajantes, faz-se necessário implementar ações que possibilitem a produção de alimentos que sejam seguros ao mesmo tempo que expressem o modo de fazer enraizado nos costumes populares, ações que resultem na valorização desses trabalhadores, a partir da apropriação e ressignificação cultural de suas práticas alimentares.
* Wilma Maria Coelho Araújo é doutora em Tecnologia de Alimentos e Halina Mayer Chaves Araújo é mestranda em Nutrição Humana (UnB). Ambas são integrantes do grupo de pesquisa em Gastronomia do Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília.
Nota da Editora: para saber mais sobre a comida de rua nos tempos do Império, vale a pena conferir o interessante artigo de Almir Chaiban El-Kareh e Héctor Hernán Bruit, Cozinhar e comer, em casa e na rua: culinária e gastronomia na Corte do Império do Brasil.