Pescados artesanais, cozinha local, sabedoria caiçara, tempo, sol e mar, são esses os ingredientes que da Peixe de Varal.
Angélica Souza é pescadora, cozinheira e empreendedora na Peixe de Varal. É um jeito de resumir o trabalho da Angélica apresentá-la assim porque, na verdade, ela sabe definir melhor a natureza do que faz: “O meu trabalho é mostrar a nossa vivência da cultura que é viva e acho que eu abri as portas da minha casa para as pessoas conhecerem porque só dá para conhecer quando a gente convida para entrar na nossa casa. Tem muitos relatos de gente que conta que foi na casa de um caiçara e comeu um peixe com banana verde que ‘nossa! é uma delícia’ e aí nunca mais comeu um peixe assim. Essa comida a gente não encontra por aí, porque isso tá dentro da nossa casa, não tem restaurante nenhum que tem essa cozinha nossa.” Caiçara, do litoral norte de São Paulo, em São Sebastião, ela é guardiã e porta-voz dessa cultura.
Nos termos de Angélica, “ela vive a cultura caiçara desde que nasceu”. Quando questionada como aprendeu a cozinhar ela responde sem titubear “observando a minha mãe e minhas tias.” Desde criança ia pescar com o pai e na volta assistia à mãe “terminar o almoço” todos os dias. Já adolescente começou a trabalhar como garçonete aos fins de semana e novamente observava atenta a dinâmica do restaurante em busca de aprendizado “Eu era garçonete e via as pessoas trabalhando na cozinha mexendo naquelas panelas e panelões de comida. Aí eu pedi para trocar para poder trabalhar na cozinha, mas como eu não tinha noção de como se cozinhava em restaurante para muitas pessoas, fui lavar a louça e lavar salada. E assim, sempre que tinha uma oportunidade num dia com baixo movimento, os cozinheiros deixavam que eu ajudasse a preparar a comida. Com o tempo eu fui misturando tudo e fazendo esse mix de saber da cozinha convencional, do modo de cozinhar moderno, com os modos antigos e isso foi uma pegada muito boa para minha vida profissional.”
Angélica que no seu cotidiano sempre cozinhou segundo os modos antigos guardava como hábito salgar peixes que o pai pescava, e o fazia tanto para consumo próprio quanto para presentear amigos. Também ensinava as pessoas como preparar o peixe e o retorno era sempre muito positivo. Foi mais uma vez observando, o mundo ao redor e as redes sociais que ela deu mais um salto:
“Vi as pessoas tirando foto das coisas que comiam, os pratos, os doces. Vi que isso era costume e eu falei assim ‘ah eu vou tirar uma foto do meu peixe seco’. Aí tirei uma foto de três peixes que eu tinha salgado, que eram três carapaus. Foi a primeira foto e o pessoal viu e gostou. E começou um tal de ‘eu quero!’, todo mundo ficou pedindo e vi que as pessoas queriam e aí eu decidi: vou fazer para vender!”
As pessoas de fato quiseram e Angélica começou a fazer para vender e a fama foi se espalhando até que chegou na prefeitura de São Sebastião. Logo, ela começou a participar de eventos culturais e festivos mostrando as tradições da cultura caiçara para moradores e turistas. Nesse período, ela também se aproximou do SEBRAE, onde realizou curso de empreendedorismo e criou a Peixe de Varal.
O trabalho de secar o peixe ao sol é todo artesanal e consiste em um processo longo e que requer cuidado, a presença e atenção de Angélica durante todo o processo. A primeira etapa é limpar o pescado e realizar a salga, assim que ele chega do mar. A salga é com um peixe por vez. Angélica tem um método que garante que a carne toda receba sal de forma uniforme e, em seguida, cada peixe fica entre três e quatro dias na salmoura. A segunda etapa é mais importante, e consiste em pendurar o peixe no varal para secar. Nessa etapa, Angélica precisa observar o clima e ficar atenta às mudanças repentinas, vigiando sempre a temperatura do sol. Nem muito quente e nem nublado, o peixe precisa de calor e sol suficiente para que seque da maneira correta. Depois vem a etapa de embalar o peixe. Angélica conta que nesses dias de secar o peixe, ela não pode sair de casa. A dedicação é exclusiva ao processo e ela pondera que isso se reflete no preço desse pescado seco, que pode ser até três vezes maior que aquele do peixe fresco. Além disso, o processo varia conforme o tipo de pescado e ela só trabalha com peixes locais e da época.
É um saber orquestrado nos detalhes, no tempo e no fazer cultural caiçara que, em parte, está registrado no livro que Angélica publicou em 2022, chamado “Peixe de Varal – receitas que o sal conservou”. O livro foi realizado via edital público para projetos culturais, outra frente em que Angélica atua. Em 2024, Angélica está oferecendo oficinas que ensinam o processo de salga e secagem dos peixes, o projeto é viabilizado via Edital da Lei Paulo Gustavo e tem sido um sucesso. Para acompanhar mais o projeto é só seguir @peixedevaral no instagram.