Como um cardápio de produtos biodiversos, da agricultura familiar e camponesa, catálogo conecta produtores, cozinheiros, pesquisadores e parceiros país afora
Mel de Jandaíra, chocolate de Cacau Cabruca, azeite de dendê da Bahia. Tudo num só lugar, num só mapa. Lançado durante a última edição do Terra Madre Brasil, em novembro do ano passado, o material reúne esses e outros produtos da rede Slow Food Brasil e de iniciativas da agricultura familiar que compactuam com o “bom, limpo e justo”.
Compilar as iniciativas era um sonho antigo, segundo Giselle Miotto – produtora de conteúdo do catálogo em colaboração com as comunidades – e vem com o objetivo de atender a demanda constante de restaurantes, cozinheiros e consumidores para encontrar os produtos da sociobiodiversidade. Aos produtores, na outra ponta da cadeia, possibilita escoar os produtos, bem como ecoar seus projetos e histórias.
Desde o lançamento do material, o meliponicultor Francisco Melo Medeiros, da Fortaleza do Mel de Abelha Jandaíra do Mato Grande (RN), recebeu diversas ligações de pessoas interessadas no trabalho dos jovens agroecologistas, na produção do mel de abelha nativa e na Ybí-ira, empresa de impacto socioambiental que comercializa o mel de jandaíra – “a rainha do sertão”, ele se orgulha ao dizer como ela conhecida por lá. E continua, “É uma ferramenta muito importante, porque dá visibilidade aos produtos, aos processos e às pessoas que estão envolvidas. As pessoas sentem que o negócio é verdadeiro, dá mais segurança para aqueles que não conhecem de perto os projetos, inclusive para divulgar para instituições, que podem fechar parcerias.”
Para Luciano Ferreira, representante da Fortaleza Slow Food do Cacau Cabruca do Sul da Bahia, as parcerias são fundamentais para evidenciar as comunidades, e o mapa também tem a função de mostrar o potencial humano por trás dos produtos. “É um canal de comercialização, mas também agrega no produto potencialidades sociais, ambientais, econômicas, políticas, culturais e sociais, dentro de uma matriz agroecológica, que é uma ciência capaz de construir a inclusão social das gerações do campo, das crianças – a partir da educação –, das mulheres.”
Às cozinheiras e aos cozinheiros, ficam as vantagens da conexão direta com o produtor. Maria Conceição Oliveira, cozinheira, pesquisadora e integrante do Slow Food, recentemente precisou bolar receitas com dendê para uma revista italiana e já recorreu ao mapa para encomendar o ingrediente – para a publicação, junto com o passo a passo do vatapá, caruru e acarajé foram todas as informações de quem produz o azeite da palmeira em Cachoeira, na Bahia.
Sobre a importância “incrível” do mapeamento, ela acrescenta, “Como pesquisadora, eu não consigo não olhar com esse viés: dá para escrever sobre a produção de alimentos no Brasil, porque você pode fazer um rastreamento através dele.” Conceição também intenciona reviver um hábito antigo com a compilação. “Na década de 1990, era muito comum a gente formar grupos de consumidores entre amigos. Eu estou com a ideia de fazer isso através do mapa, porque aí vamos ter coisas específicas. Um tanto de gente quer mel, ou um produto do Cerrado. A gente compra e racha. É muito rico.” E com o prático benefício da ferramenta digital.
“É um cardápio para bares, restaurantes, empórios, grupos de consumo responsável e de compras coletivas se apropriarem e irem fomentando esta economia circular e criativa”, também lembra Giselle.
O cozinheiro e integrante do Slow Food, Marko Culau – que está no interior do Rio Grande do Sul, em Santa Maria – vê na publicação a vantagem de desbravar produtos de outros estados, e também já fez uso da ferramenta. “Surgiu a oportunidade de fazer um evento em Goiás. Então fui pesquisar o que tinha de produtor lá, e conhecer de forma mais rápida e prática tudo o que estava à disposição. Eu testei o mapa, e ele possibilita e encurta caminhos.” Segundo ele, deparar-se com essas iniciativas também cria novas possibilidades de turismo, tornando os produtos mais atrativos para o público local.
Além de compilar iniciativas da agricultura familiar e camponesa pelo país – conhecendo quais fazem parte da rede Comunidade Slow Food e do programa Fortalezas Slow Food, quais abrigam alimentos da Arca do Gosto e as que possuem Indicação Geográfica –, a publicação traz dicas de consumo responsável.
A fazedora de chocolate Luizza Santiago, da Kalapa Chocolate, ressaltou esse fator educativo da publicação, e também falou sobre a importância de canais de conexão como esse, que surge para auxiliar agricultores e pequenos produtores, como ela. “A parte final, de achar para quem entregar, é muitas vezes o que falta pra gente, que é pequeno e está na ponta da produção. Um movimento como o Slow Food, que tem uma visibilidade e uma capilaridade muito grande, consegue dar essa voz pra gente”, conta a fundadora da marca mineira de chocolate artesanal, que é parceira comercial da Fortaleza do Cacau Cabruca.
Recentemente, o material foi traduzido para o espanhol, o que, para Miotto, também traz boas perspectivas para os produtores brasileiros. “Além de inspirar os hermanos a fazerem seus próprios mapas, existe uma expectativa de exportação, pois temos cooperativas com boa capacidade para isso. Se a gente não tem produção suficiente, pode se organizar para atender a demanda.” E finaliza, “Quem dá vida [ao mapa] são as pessoas, por isso a rede tem que fomentar mais a utilização desse material, tanto dentro quanto fora dela.”
O Catálogo pode ser baixado pelo site do Terra Madre Brasil 2020, e através do arquivo é possível cadastrar novas iniciativas para a próxima edição.
O mapa e catálogo do Slow Food Brasil foi produzido para compor o Mercado do Terra Madre Brasil 2020, com apoio do FIDA, IICA e Semear Internacional.
Para conhecer mais sobre a Fortaleza do Cacau Cabruca, localizada no assentamento Dois Riachões, no Baixo Sul da Bahia, fica a dica para o curta documental ‘Cacau e Liberdade’ dirigido por Fellipe Abreu e Patrícia Moll.