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Estômago: quando há a mistura da manipulação de alimentos e de pessoas

capa_dvd.jpgPensando no cinema enquanto campo etnográfico, inserido em um contexto histórico e cultural, alguns dos elementos presentes no filme "Estômago", de Marcos Jorge (2008), são importantes para tecer reflexões sobre valores culturais, conflitos, relações de poder, enfim, interações sociais que podem ir muito além da ficção (ROCHA, 2009). A narrativa traz uma relação estreita entre culinária e jogos de poder, expondo uma trama de relações. Para o personagem Raimundo Nonato, a comida é caminho de ascensão social.

Buscando mostrar, através do cinema, contextos que trazem à tona um cotidiano usualmente invisibilizado, neste filme são apresentadas situações conectadas com uma realidade que se distancia dos contos de fadas maniqueístas, de finais felizes.

nonato_e_iria.jpgA película inicia quando Raimundo Nonato, imigrante paraibano, chega à cidade de São Paulo. É um "começar do zero": sem dinheiro, sem ter onde morar e sem conhecer ninguém, Nonato (sub)emprega-se no bar de Seu Zulmiro, onde suas coxinhas revelariam seu talento… que lhe renderia um novo emprego.

A narrativa apresenta, paralelamente, dois momentos na vida de Nonato, que no final do filme se conectam: o primeiro, o período em que ele chega à cidade e se consolida como cozinheiro, o outro, em que está na cadeia. À medida que a narrativa evolui, também se revelam as facetas de sua personalidade, ingênuo e sensível, frio e manipulador. Seja na cozinha do boteco, em que ascende de faxineiro a cozinheiro, seja dentro na cela da cadeia, em que (apelidado de Alecrim) consegue transformar em apetitosa a comida intragável que os presos recebem, Nonato acumula, além de receitas, prestígio social.

nonato.jpgA "mão boa" que faz das coxinhas de boteco verdadeiras iguarias chama a atenção de Giovanni, chef e dono de um restaurante italiano, que convida Nonato para trabalhar em seu restaurante. Ali ele conhecerá temperos, queijos, vinhos, aprendendo a escolher alimentos e a dar um toque especial à elaboração da comida, potencializando seu talento. Sua nova posição lhe possibilita ter uma casa, roupas melhores e um amor. Íria ganha sua vida na noite e apresenta como traço marcante um apetite singular: Nonato chamara sua atenção ainda quando servia coxinhas como quitutes de boteco. É assim que, entre os dois, o envolvimento, emocional e físico, é mediado pela comida. Estabelece-se, então, uma intensa relação entre culinária e corporalidade… que conduzirá Nonato a cometer o crime que o levará à prisão.

nonato_na_prisao.jpgNa cela da cadeia, o posto de cozinheiro alça Nonato a uma posição privilegiada: graças a sua habilidade em transformar em iguarias o péssimo cardápio da penitenciária, passa a ser protegido do preso em posição de comando, Bujiú.

Mais uma vez dando mostras de sua capacidade de assimilação das regras do jogo e das relações de poder que permeiam o espaço em que se encontra, Nonato consegue chegar ao posto de chefe da cela, quando, em um banquete que prepara, organizado para homenagear um bandido de grande renome, coloca veneno no feijão de Bujiú. 

nonato_e_iria_1.jpgO filme "Estômago" é uma mistura de ingredientes: sedução, traição, gula, prazer, morbidez… sendo que o resultado da alquimia desses ingredientes é uma arte aos sentidos. A forma como os alimentos são preparados, desde a imunda cozinha do boteco, passando pelo requinte da cozinha italiana e chegando ao ambiente da prisão, é um desafio ao estômago. A curiosidade é aguçada na forma como Nonato vence, graças à sua "mão boa", as situações mais difíceis que a vida lhe impõe: essa é a senha para sua adaptação.

Referência

ROCHA, Gilmar. Gastronomia sensual : análise simbólica de A festa de Babette e Dona Flor e seus dois maridos. Civitas. Porto Alegre. v. 9, n. 2, p. 263-280.


* Patrícia dos Santos Pinheiro ([email protected]) é formada em Tecnologia em Meio Ambiente, mestre em Desenvolvimento Rural e doutoranda do Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFFRJ).

* Simone Bochi Dorneles ([email protected]) é administradora, mestre em Administração pela UFSC, doutoranda em Desenvolvimento Rural pela UFRGS, professora do Instituto Federal Farroupilha Campus São Vicente do Sul.

 

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