Carlo Petrini

Fala de Carlo Petrini no almoço do Convivium do Rio de Janeiro

Carlo Petrini*Transcrição da fala de Carlo Petrini*, Rio de Janeiro, 03/01/2008

Me desculpem, mas não falo português! Eu entendo, não como "seu Bené" que dizia non capisco! Io capisco, mas… não sei falar!

Antes de tudo, um agradecimento a este extraordinário comitê de recepção: Margarida, Teresa, Manuel, Maria** e a este meu precioso tradutor, o primeiro estudante** do Brasil que cursou nossa Universidade de Ciências Gastronômicas… o primeiro!

Obrigado pela hospitalidade…

Eu estava de férias! Por uma semana, tranqüilo… E então o Manuel me fez chorar por 1 hora!!!

Porque este filme (Seu Bené vai pra Itália), é uma coisa tocante, importante! Porque mostra bem o conceito e o espírito do Terra Madre!!!

Tomarei poucos minutos para explicar o que é Terra Madre e Slow Food.

Me cabe sempre falar no final das refeições; às vezes me fazem mesmo falar antes e aí, tenho que falar pouco, pois as pessoas estão com fome…

Conto então uma história bem significativa sobre falar depois do almoço, uma história que se passa no Coliseu, onde, diante do Imperador, são mandados para a arena, os mártires cristãos para serem devorados pelas feras.

Ai chega um cristão, "pelo amor de Deus, estou aqui para me tornar mártir"

Entra o primeiro leão, chega perto, olha, sente o cheiro e vai embora… "Mas por que? Estou aqui para morrer pela graça de Deus!!! "Mandam um leão mais feroz, grande! Chega, olha, cheira e… vai embora!!! Aí vem o mais feroz dos leões! Olha, cheira e vai embora! E o cristão pergunta: "Mas porque? Porque não me come, porque não me devora???" E o leão responde: "Não te como porque senão depois de te comer vou ter que… fazer discurso!!!"

Eu sou melhor que o leão e estou fazendo um discurso!!!

Slow Food é hoje um movimento presente em 150 países no mundo com mais de 100.000 associados.

Mas, se contarmos as redes que o Slow Food está desenvolvendo, as redes que tem milhões de camponeses, muitos deles representando cooperativas, comunidades ou aldeias, a nossa grande família, hoje, entre cozinheiros, pescadores, nômades, fazendeiros, é formada por mais de 10 milhões de pessoas!

Não é um movimento estruturado, é muito livre, criativo, mas é regido por uma idéia forte. A idéia forte é o fato que a gastronomia é uma ciência multidisciplinar e complexa.

Se você vê televisão em qualquer país do mundo,vai ter sempre alguém que cozinha e fala, fala… em cada revista, receitas, livro de receitas, fotos de pratos tiradas de cima, como se fossem defuntos… sempre receitas…

Isto é uma parte da gastronomia, uma pequena parte da gastronomia que, se continua a crescer, se torna pornografia alimentar… porque não tem a outra parte da gastronomia. E qual é essa outra parte? Esta pessoa aqui… (mostra a foto do seu Bené)

Nós não poderíamos estar apreciando hoje a mandioca se não fossem essas pessoas, os agricultores… Essa é a base da gastronomia. Isto significa que essa economia, essa história, essa cultura é gastronomia… Esta economia é gastronomia…

E foi por isto que fizemos a universidade, a primeira universidade de ciências gastronômicas. Muitos pais de estudantes pensam que eles vão lá para a Universidade de Ciências Gastronômicas para comer! Não é isso! Os estudantes lá, estudam biologia, antropologia, história, economia, química, física, genética. Porque não se pode falar de alimentação sem conhecer essas matérias!

Por isso, dizemos que a alimentação deve libertar-se dessa pornografia alimentar. Também porque, vejam vocês, o mundo está hoje numa situação histórica muito peculiar, pois nossa mãe terra, está cada vez mais envenenada!

Em 2005, as Nações Unidas fizeram uma matéria sobre as perdas dos ecossistemas no planeta. A pesquisa feita por 1400 cientistas durante 4 anos, diz que o maior responsável pela destruição dos ecossistemas é a produção de comida, a produção alimentar. O maior responsável…

O que isso significa? Significa a destruição com produções em massa, significa que destruímos e perdemos a água! Esta é a realidade!

São 150 anos que botamos química no solo!

Hoje, na Terra, produzimos alimentação para 12 bilhões de pessoas! Na Terra somos 6 bilhões e 300 milhões; 800 milhões estão morrendo de fome; 1 bilhão e 700 milhões sofrem de obesidade, diabetes ou doenças causadas por problemas de alimentação  excessiva!!!

Estamos ficando todos loucos, estamos ficando todos loucos! E não compreendemos que é preciso mudar!

Consumir, consumir, consumir!!! O primeiro conceito do consumo é o desperdício! Jogar fora! Jogar fora…

Essas pessoas (mostra a foto de seu Bené) não jogam nada fora! É a economia de subsistência. Penso pois, que temos que refletir! Temos que refletir!

O Slow Food quis fazer o Terra Madre para dar dignidade a essa economia, contra a economia massiva.

Contra a economia forte, a economia do lucro, a economia do capital. Uma economia local pode ser criada e essa economia local, salvará o planeta. Será a economia local que salvará o planeta!!!

Mas tem outro elemento importante: é que nós hoje quando falamos, damos sempre muita importância à inteligência racional. Tudo é racional! Tudo é racional!!

Terra Madre é inteligência afetiva! É inteligência afetiva!

O mundo tem necessidade de inteligência afetiva!

Porque a inteligência racional só pensa em uma coisa: lucro, lucro!

Não pensa no amor, não pensa na amizade, não pensa na solidariedade, não pensa no meio ambiente, só dinheiro, dinheiro, dinheiro… Precisamos de inteligência afetiva! É ela que salvará o planeta!!!

Por isso agradeço a Manuel, por este extraordinário documento (referindo-se ao filme)

Vou mandá-lo ao Secretário da Nações Unidas…

Veja, estas são as Nações Unidas!!!

Por que este documentário exprime bem esta inteligência afetiva. Porque este homem que sai de sua casa e durante toda a viagem pensa sempre na sua mulher, vive uma situação inacreditável, inacreditável…

Nós hoje viajamos, hoje estamos aqui, amanhã ali, não damos importância a viagens. Mas eu me lembro que minha avó, viajou uma só vez na sua vida, da Itália foi à Lourdes, para a Virgem de Lourdes. Uma vez só!!

A importância da viagem para esses agricultores de cidades pequenas é extraordinária! E se nessa viagem encontram outros agricultores, eles pensam: porque estou aqui? Porque fui convidado? Nós convidamos você, porque seu trabalho tem valor, porque você protege a mandioca, porque defende as sementes, porque você está salvando uma raça animal…

Eu garanto, estou certo que essa pessoa quando volta para sua casa, será uma outra pessoa…

É a auto estima que move o mundo! Nós mesmos, só realizamos belas coisas das quais nos orgulhamos, quando nossa auto estima está alta! Sem ela, nada se realiza…

Terra Madre é isto! É hora do Slow Food Brasil ir adiante!!!

Por isso, vamos, em frente… crescer, para fora da vida gastronômica de elite… abrir-se para as crianças, para os camponeses, para toda gente, porque comer é o primeiro ato agrícola.

Se como de um modo, ajudo uma certa agricultura; se como de outro modo, ajudo outro tipo de agricultura.

Por isso, não gosto da palavra consumidor, uma palavra nascida na Revolução Industrial, por volta de 1850. Consumir vem de "consunzione"(tuberculose / depauperamento).

Não devemos ser consumidores, devemos nos tornar co-produtores: ser co-produtor é pagar bem pela mandioca, respeitar quem trabalha na terra, dar mais valor ao alimento que às roupas, pois quando eu como mandioca, um segundo depois ela se torna Carlo Petrini.

Já as cuecas do Armani… As cuecas Armani estão sempre… fora do Carlo Petrini….

É hora de darmos mais valor à mandioca que às cuecas Armani!! É hora de darmos mais valor ao alimento que aos automóveis. A alimentação é importante! Pensem, o ato de comer é importante…

Eu não creio em Deus, sou agnóstico. Mas, se acreditasse em Deus seria porque ele deu prazer às duas funções fisiológicas mais importantes da vida: comer e fazer amor. Se se pára de comer ou se pára de fazer amor, é o fim! Para comer e fazer amor, eu te dou prazer, Deus deve ter dito!!! E assim se continua… Há gente que sente prazer em trabalhar, mas isso é patológico.

Pensem, quando nascemos, saímos do ventre materno, os olhos não vêem, os ouvidos, nada, a primeira coisa que fazemos, com a boca, é procurar o peito da mãe. Aquele momento é o primeiro ato de amor e prazer. Ato de amor da mãe que dá o leite ao filho, e o filho que sugando o peito, dá prazer à mãe

O mistério da vida está todo aí… todo aí!

Quem não dá importância à alimentação, perde metade da sua vida, mais da metade de sua vida. Dar importância à alimentação, neste momento histórico, significa ser contra a economia destrutiva, contra a economia massiva, significa defender Benedito e os milhões de Beneditos que existem no mundo. Quando vi esse filme, pensei que essa mesma história, viveram os camponeses do Congo, da Coréia, da Lapônia. Todos partiram, chegaram…

Eu penso que o Slow Food é isto! Com a educação das crianças, com a convivialidade, o prazer de estar juntos, com a defesa desta economia, com o estudo desses produtos, nós podemos dar nossa contribuição, lentamente, slowly, não tenham pressa… É a mensagem que deixo para vocês!

Penso também, que da próxima vez que venha aqui, o Slow Food vai ter ao menos 1000 sócios no Rio de Janeiro!

E que mantenha o espírito com o qual vocês têm trabalhado até agora!

Agradeço de coração!

E agradeço por me ter feito chorar…

 


*Carlo Petrini é Presidente Internacional e fundador do Slow Food

**Margarida Nogueira – lider do Comvivium Rio de Janeiro, Teresa Corção – chef/proprietária do restaurante Navegador, Manuel Carvalho – produtor do filme Seu Bené vai pra Itália,  Maria Infante – sócia do Convivium Rio, Paulo Lima – o 1ºestudante brasileiro da UNISG

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