Todos liberados? Capitais e mercadorias? Entrevista com Stefano Liberti

Entrevista com Stefano Liberti, autor do livro Land grabbing e do documentário ‘Mare chiuso’ 

No livro Land grabbing (grilagem) publicado na Itália pela minimum fax, o jovem jornalista Stefano Liberti nos leva das salas confortáveis da FAO ao planalto etíope, da bolsa de valores de Chicago ao Mato Grosso do Sul, mostrando um quadro completo deste fenômeno tão dramático.

Nos últimos meses, Stefano Liberti também realizou também, com Andrea Segre, o documentário Mare chiuso (mar fechado), no qual descreve o drama dos navios de imigrantes na Itália entre 2009 e 2012. Centenas de imigrantes foram interceptados pela polícia italiana e levados à força de volta para a Líbia: no filme alguns imigrantes contam pessoalmente sua incrível odisseia. Leia a entrevista com Stefano:

 

Como você bem descreve em seu livro Land grabbing, mercadorias e capitais viajam sem problemas, mesmo violando os direitos das populações locais. No entanto, o deslocamento de seres humanos é considerado o verdadeiro fenômeno preocupante, como mostra o documentário Mare chiuso. O que é que você acha desta contradição? 
Efetivamente é um paradoxo impressionante. A Europa tem uma posição ambígua: do ponto de vista comercial mantém uma abertura; em relação à imigração adota medidas de proteção muito caras e pouco eficazes. Com uma imponente mobilização de meios, cerca de mil pessoas foram interceptadas no mar desde 2009 , durante a travessia rumo à Itália. Eram de diversas nacionalidades: muitos vinham de zonas de conflito e não puderam pedir asilo. 

Vamos falar sobre a grilagem de terras, mais conhecido como land grabbing. Podemos ainda definir este fenômeno como o “colonialismo do século XXI”? No livro, você destaca a responsabilidade dos governos locais. 
O fim do colonialismo teve por consequência um controle das trocas comerciais pelas ex-potências coloniais. Hoje, como naquela época, com o fenômeno da grilagem, perpetua-se um mecanismo de espoliação. Mas os governos locais hoje são responsáveis, aceitam contratos injustos para fortalecer a própria posição ou para favorecer conivências. 

Na sua opinião, que papel podem ter as instituições internacionais e a sociedade civil para deter este fenômeno? 
As principais instituições internacionais, como a FAO e o Banco Mundial, apoiaram as primeiras aquisições de terras estrangeiras. Eram consideradas oportunidades de investimento no setor agrícola que, cabe lembrar, tem grandes necessidades. Agora, ao contrário, tentam frear esta situação com uma nova atitude, aplicando códigos de conduta que não são ainda incisivos. 
O problema é que as mesmas instituições apoiam um modelo cultural inconciliável. De um lado, os meios rurais, cuja economia está baseada na agricultura de pequena escala, numa relação de troca com a terra, no saber tradicional transmitido ao longo dos séculos. Do outro, um modelo industrial que considera a terra uma mercadoria e que está baseado na concentração das terras, nos tratamentos químicos, na monocultura. 
Para a sociedade civil é difícil intervir neste contexto. É claro que não faltam as pequenas esperanças, como o caso de Fanaye, no Senegal, onde a mobilização dos cidadãos conseguiu bloquear um projeto antes de ser implementado. Mas se trata apenas de casos de resistência isolados; em muitos países, a repressão provoca um medo que paralisa todo tipo de reação. Além disso, as populações rurais são as mais afetadas e, muitas vezes, as menos organizadas. 

E no mundo ocidental, como os cidadãos podem intervir? Devem prestar mais atenção em seus investimentos? 
Os cidadãos podem exigir uma maior transparência de quem administra seus investimentos. É um campo muito complexo. Fazem falta regras claras e precisas, além de pesquisas independentes para que possam ser feitas escolhas de investimento mais responsáveis. No norte da Europa, por exemplo, a situação é dramática: foi revelado que muitos fundos de pensão estão envolvidos em investimentos em terras férteis. 

Podemos dizer não à grilagem, privilegiando os produtos locais em nosso consumo diário? 
Com certeza: é muito importante. Os cidadãos podem adotar hábitos de consumo responsáveis, privilegiar os produtos locais, frescos e sazonais. Mas é preciso distinguir a ética individual da ação coletiva. Eu acho necessário ir além para que haja uma verdadeira mudança global: a política deve assumir o seu papel regulador com subsídios e desincentivos. Para obter uma verdadeira mudança são necessárias intervenções públicas imediatas e incisivas. 

O Slow Food está promovendo uma campanha global contra a grilagem de Terra. Visite o site e saiba mais: www.slowfood.com 

Veja também: 
Land grabbing (minimum fax, 2011) 
Mare chiuso (2012)

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