Texto traduzido e adaptado por Lucas Mourão, porta-voz da Comunidade Slow Food Beagá a partir do texto original dos parceiros da rede Global Beans: https://www.globalbean.eu/publications/legume-manifesto/ .
Conheci o projeto do Global Beans no Terra Madre 2022 e fiquei encantado com o seu trabalho de conectar os promotores da biodiversidade de feijões e leguminosas, e também a produção de conteúdo sobre o tema. Conectei com eles por causa da descoberta do Feijão do Divino, feijão de Lamim (MG) que espero em breve entrar na Arca do Gosto, e me despertei para a importância crucial dos feijões e leguminosas na nossa alimentação. Por isso penso que por aqui no Brasil devemos fortalecer nosso conhecimento e promoção da biodiversidade das leguminosas, dessa forma fica por aqui o manifesto para conhecer mais a importância das leguminosas na alimentação! Segue o texto:
Nesse mundo em aquecimento global com exigências cada vez maiores em matéria de recursos naturais, somos desafiados a fazer escolhas que cuidam melhor do nosso planeta. Essas escolhas começam na cozinha porque, como o poeta e agricultor Wendell Berry disse, “a forma como comemos determina, em grande medida, como o mundo é usado”. A produção dos nossos alimentos é um motor para as mudanças climáticas. Mais de 40% da superfície terrestre sem gelo do mundo é utilizada para a agricultura.
Em particular, o modo como produzimos alimentos ricos em proteínas é central no impacto que nossas dietas alimentares têm sobre o planeta!
As leguminosas são um grupo muito especial e diverso de plantas ricas em proteínas que podem nos ajudar a comer melhor e a cuidar do nosso planeta e da nossa saúde. São definidas pelas flores com desenho que lembra borboleta que podemos ver em plantas como a ervilha e o feijão. As leguminosas mais familiares são as que têm sementes comestíveis conhecidas como feijões, tais como fava, feijão comum, lentilha, grão-de-bico e ervilha. Além disso, a soja e o tremoço também nos fornecem alimento e também são usados para a alimentação animal. Os trevos, por sua vez, enriquecem os nossos campos.
As leguminosas podem ser colhidas verdes ou maduras:
Ícone verde: colheita quando verde para comer fresca
Ícone amarelo: colheita quando madura com grãos secos, para preparar refeições ou usar para plantar uma próxima geração de feijões
Faboideae (ou Papilionoideae, do latim para borboleta: papilio) é a ordem da família dos feijões onde as plantas são caracterizadas pelas flores tipo-borboleta.
Fotografia: © Donal Murphy-Bokern, www.legumehub.eu. O feijão corredor escarlate (P. coccineus) é perene nos trópicos, mas tem crescido como anual na Europa.
AS LEGUMINOSAS SÃO A FÁBRICA DE FERTILIZANTES DA NATUREZA
Porque é que uma família de plantas definida pela forma da sua flor deve merecer tanta atenção?
Grande parte dessa resposta se encontra debaixo da superfície do solo e no papel que as leguminosas desempenham no ciclo do nitrogênio. As leguminosas hospedam bactérias específicas do gênero Rhizobium nos nódulos das suas raízes, que capturam nitrogênio do ar. Essa fixação natural de nitrogênio é sustentável porque não há necessidade de adubos nitrogenados que exigem muita energia e porque as emissões de gases com efeito de estufa à base de nitrogênio do solo são reduzidas.
A forma como as leguminosas crescem sem fertilizantes nitrogenados é uma história fascinante da parceria entre as leguminosas e as bactérias alojadas nos nódulos das suas raízes. Esses nódulos são bem conhecidos dos agricultores e jardineiros. Uma substância chamada leghemoglobina, que é semelhante à hemoglobina no nosso sangue, é a chave para esse processo. Por consequência o interior dos nódulos radiculares saudáveis das leguminosas é vermelho quando cortado. Fotografia: © Messmer, FiBL, www.legumehub.eu.
Ciclo do nitrogênio
As leguminosas nos ajudam a reduzir o impacto da nossa alimentação no ciclo do nitrogênio. Nosso sistema alimentar atual coloca uma grande pressão sobre o ciclo do nitrogênio liberando gases de efeito de estufa e poluindo a atmosfera e a água. As leguminosas desempenham um papel nos nossos esforços para reduzir os danos causados ao ciclo global do nitrogênio, fornecendo uma alternativa aos fertilizantes nitrogenados sintéticos e uma alternativa às proteínas de origem animal.
© Donal Murphy-Bokern, www.legumehub.eu.
AS LEGUMINOSAS SÃO SAUDÁVEIS E RICAS EM PROTEÍNAS
O nitrogênio é uma peça central na construção das proteínas. As leguminosas são ricas em proteínas devido à fixação de nitrogênio nos seus nódulos das raízes. Sementes de feijão comum, ervilhas, favas, lentilhas e grão-de-bico contém de duas a três vezes mais proteínas do que grãos de cereais. O grão de soja e o tremoço são ainda mais ricos em proteínas. As proteínas das leguminosas são especialmente nutritivas. Os nossos antepassados entenderam isso e usaram as leguminosas para complementar cereais como trigo e aveia nas nossas dietas alimentares. Nos deixaram um grande legado de pratos tradicionais que utilizam leguminosas. Atualmente, as leguminosas também são particularmente importantes em dietas veganas e vegetarianas. O feijão e a ervilha podem enriquecer todos os tipos de cozinhas. Em particular, são uma excelente alternativa à carne. Para além de uma ampla gama de vitaminas e micronutrientes, feijões e ervilhas também são ricos em carboidratos complexos que protegem o coração e reduzem o risco de câncer. Comer mais leguminosas em vez de carnes é saudável para a maioria de nós e também para o planeta.
AS LEGUMINOSAS DIVERSIFICAM OS CULTIVOS
As leguminosas são muito diferentes dos cereais como o trigo, a cevada e o milho que dominam a nossa zona rural. Mais leguminosas nos campos significam uma agricultura mais diversificada. As suas flores são fonte de pólen e néctar para os insetos. A sua biodiversidade também ajuda aves e a fauna em geral. Os agricultores que cultivam leguminosas têm menos problemas com ervas daninhas, doenças e pragas ao longo do ciclo de rotação de culturas.
Fava (Vicia faba) na fase de floração. Fotografia: © Tim O’Donovan (Irlanda).
PRECISAMOS DE MAIS LEGUMINOSAS
As leguminosas são boas para nós, boas para os nossos quintais e jardins, e boas para o planeta! Protegem o nosso clima porque são uma fonte natural de fertilizantes nitrogenados, aumentam a diversidade de culturas, e apoiam dietas saudáveis sustentáveis.
No entanto, aqui no Brasil grande parte da área agrícola cultivada é destinada às monoculturas de milho, soja e algodão transgênicos, enquanto boa parte das leguminosas que chegam ao prato das famílias (feijão comum, feijão de corda, feijão fradinho, etc), que são produzidas pela agricultura familiar, vem perdendo espaço de cultivo e também a preferência dos consumidores nos últimos anos.
Na Europa, as leguminosas são raramente cultivadas nos quintais, embora o feijão (incluindo a soja), a ervilha e o tremoço cresçam tão bem na Europa como em qualquer outro lugar do mundo. Em vez disso, a maioria dos agricultores europeus que se dedicam às culturas agrícolas se concentram no cultivo de cereais, como o trigo e o milho, porque essas culturas crescem particularmente bem na Europa. Os agricultores europeus também produzem grandes quantidades de carne, leite e ovos de gado que requerem grandes quantidades de proteínas vegetais e terra para pastoreio. Cerca de 60% dos cereais cultivados na União Europeia são para alimentar gado e a Europa é auto-suficiente na maioria dos produtos pecuários. No entanto, estes cereais não contêm proteína suficiente ou proteína de melhor qualidade. Para compensar, são importados o equivalente a 35 milhões de toneladas de soja, na sua maioria vinda da América do Sul, para alimentar gado na União Europeia. Isto significa que existe uma ligação entre o que comemos e o desmatamento de ecossistemas tropicais. Esse sistema alimentar não está em equilíbrio e não é sustentável. A mudança é necessária.
Precisamos cultivar mais leguminosas e mais variedades delas! Precisamos aumentar o papel delas nas nossas dietas! Tal transição pode reduzir as emissões de gases de efeito de estufa a partir de agricultura, reduzir a dependência da soja, e melhorar nossa saúde. Isso depende de todos nós. Como cidadãos, precisamos encontrar formas de recompensar com eficiência os agricultores que cultivam leguminosas. Como consumidores, precisamos redescobrir e promover os maravilhosos pratos baseados em feijões do passado e do presente.
Global Bean Project é uma rede europeia que promove e dissemina o uso e cultivo de leguminosas nas cozinhas, campos e jardins [email protected] / www.globalbean.eu