Encontro promovido pela comunidade de Beagá teve convidadas africanas que residem na capital mineira
No dia seguinte à nossa visita ao quilombo Chacrinha, já pensando em dialogarmos sobre a vivência do dia anterior e pensando em confluir fazeres quilombolas com comidas africanas, nossa comunidade Slow Food Beagá se reuniu no espaço agroecológico “Canto do Beto” do qual Magna está à frente, para celebrar as culinárias africanas e sua presença no território de Belo Horizonte.
Convidadas por Magna vieram ao nosso encontro duas cozinheiras africanas para compartilhar seus ingredientes, modos de fazer e de comer: Princess Kambilo, uma das idealizadoras do Malewa Food, e Ramatoulaye. Rama, muçulmana, senegalesa, cozinha nas festividades de seu país, comemoradas aqui, já que vive em Belo Horizonte a muitos anos. Princess congolesa, da etnia Tetela, formada em Comunicação Social, pela UFMG, vive em BH constituiu família e tem um filhinho mineiro.
O dia foi muito proveitoso, pois parte do grupo que viajou no dia anterior esteve presente e a troca e impressões foi pontuada visando outros encontros futuros, juntamente com a presença das nossas convidadas africanas. Essas experiências nos dois dias nos trouxeram o verdadeiro sentido de estarmos juntos vivenciando essas culturas, esses outros fazeres e sabores. Tanto o quilombo quanto a comida africana oportunizaram o conhecimento de plantas novas e curiosidades peculiares dos lugares, dos países, das aldeias.
Neste encontro pudemos trocar vários saberes e percebemos o quanto nossa culinária mineira tem muitas semelhanças com culinárias do Oeste Africano, tanto em ingredientes quanto em modos de fazer, mas também suas diferenças de leitura desses ingredientes.
Alguns exemplos para melhor entendimento:
- Mandioca: em Minas se usam as raízes cozidas, na forma de farinha, em farofas, como polvilho em diversas preparações. No Oeste da África a mandioca está presente no fufu, através de sua farinha, mas também se usam suas folhas cozidas, como por exemplo no prato Pondu.
- Jiló: por aqui se usa mais cozido ou como vinagrete. Por lá, em molhos e guisados, onde é conhecido por “aubergine” ou “petit aubergine”
- Quiabo: tradicional acompanhamento do frango em Minas, na África também se faz presente em vários guisados de carnes e vegetais
- Fubá: coringa da culinária mineira, presente tanto em pratos salgados quanto doces, principalmente na forma do angu, que também é conhecido na África desde antes da chegada do milho no continente (quando era feito com outros cereais, a exemplo do sorgo e do milheto).
- Inhame: presente na cozinha mineira através de caldos e sopas, também é preparado assim em terras africanas, além dos tradicionais guisados.
Curiosidades interessantes sobre o comer nestes países africanos (Senegal e Congo): geralmente se faz um prato enorme de almoço para um grande número de pessoas, que vão comer de forma compartilhada. Se come sempre com a mão, sem uso de qualquer talher! Em alguns lugares do Congo ainda se usa cozinhar sobre o carvão em brasa em um pequeno fogareiro, e no Senegal também existe a tradição de alguns fornos à lenha além disso. No Congo a polpa do dendê se chama “mbila” e é pilada manualmente pra produção do óleo, que é usado em várias receitas. No Senegal o feijão mais usado é o fradinho, conhecido por lá como “kunde”. Na costa oeste africana uma pimenta bastante conhecida e usada desde os tempos coloniais é a pimenta da Guiné, ou ataré, conhecida por lá como “piripiri”, e ainda confundida em escritos históricos com nossa pimenta Malagueta.
Mas, e o que pudemos provar nesse dia? Segue abaixo o cardápio feito por Princess e Rama, no charmoso fogão à lenha do “Canto do Beto”:
- Thiebou Yapp (Senegal): tipo de um “mexido” que lembra baião de dois: feito com arroz, feijão e legumes, cozidos no caldo de tomates, por isso tem uma cor mais avermelhada
- Pondu (Congo): guisado de folhas de mandioca com alho, pepino, sardinha, dendê, cebola e muita pimenta
- Fufu: massa feita com farinhas de mandioca e de milho (fubá), mas também pode ser feito com inhame, tradicionalmente. A consistência do fufu é bem macia e homogênea, sendo usado como acompanhamento dos guisados. Se come com as mãos, tirando um pedaço e misturando nos alimentos caldosos.
- Sosso (Congo): frango (ou galinha) cozido junto a outros legumes e vegetais tais como pepino, berinjela, tomate, gengibre, cebolinha, salsinha, pimenta e alho.
- Repolho cozido com mandioca e legumes (Senegal): depois de cozidos, separa-se o caldo para cozinhar o arroz do Thiebou Yapp
- Bissap: bebida deliciosa feita dos cálices florais do hibisco (Hibiscus sabdariffa), fervidos com a polpa e casca do abacaxi, e depois resfriados. Pode-se adicionar açúcar e gengibre ao preparo. Se é colocada hortelã, a bebida vira Nana Bissap.
Como podem ver, temos muito a intercambiar com nossos irmãos africanos a respeito de culinária e cultura em geral. Grande parte do que entendemos hoje como comida mineira tem uma participação ativa na sua construção de vários povos africanos vindos ao Brasil na época colonial. Conhecer nossas raízes nos ajuda a preservá-las e levar às presentes e futuras gerações um novo olhar sobre nossa história da alimentação, instigando o protagonismo desses territórios e pessoas na formação de nossa cultura alimentar.
Para concluir, uma reflexão sobre o significado do verbo “Aquilombar”: O aquilombamento é uma necessidade histórica, é um chamado, uma reconexão com nossa ancestralidade para atuar no presente, é construir esperança, é construir força, é construir sonho, é construir um futuro melhor!”
Reconhecemos que África com seus valores civilizatórios nos deixaram maravilhas seja na música, na dança e muito presente na nossa cozinha, na nossa culinária mineira.
Sejamos espirais e plurais nas nossas ações!
Axé!
Para conhecer mais sobre o trabalho de Princess com a culinária africana em Belo Horizonte siga Malewa Food (@malewa___food) no Instagram!
Este texto foi escrito por Lucas Mourão (porta voz da comunidade Slow Food Beagá) e Magna Oliveira (escritora, contadora de histórias e está à frente do Canto do Beto, espaço agroecológico de BH).