Os Kiriri são um povo indígena que vive na região do semiárido do Nordeste do Brasil e seu nome significa “povo calado”, por serem reservados. Porém, esse povo conseguiu levantar sua voz e reconquistar suas terras que foram apropriadas por posseiros durante muitas décadas, quando as famílias indígenas ameaçadas foram expulsas e passaram a viver no pé da serra, dificultando suas práticas e tradições. Por um período de quinze anos, o povo Kiriri se estruturou politicamente e, finalmente nos anos 90, a Terra Indígena Kiriri teve a sua demarcação administrativa homologada por meio de decreto, se tornando um exemplo de resiliência e inspiração para muitos outros povos indígenas. Esta Terra Indígena está localizada no estado da Bahia, no município de Banzaê (cujo nome significa “terra dos bravos”), onde hoje está organizada em nove aldeias em uma área conservada de 12.320 hectares de pura Caatinga.
A dieta tradicional do povo Kiriri é baseada em frutas silvestres, caça e peixes, além de algumas culturas, que são cultivadas no sistema da agricultura de sequeiro, como o feijão-de-arranca, o feijão-gandu, o milho e a mandioca, assim como animais de pequeno porte como porco caipira e galinha-da-terra.
A mandioca representa o principal alimento e sistema produtivo. O cultivo é feito em dois períodos; no mês de dezembro aproveitando as trovoadas de final de ano e o mais praticado, durante os meses de julho e agosto. Com a forte seca que provocou longas estiagem nos últimos sete anos, a dinâmica do cultivo vem mudando assim como a produção da mandioca.
A produção da farinha acontece uma vez por ano, reunindo muitas famílias na aldeia Marcação, onde está localizada a única unidade de beneficiamento totalmente mecanizada no Território Indígena, facilitando a produção de farinha de muitas famílias, inclusive de outras aldeias. Durante as “farinhadas” que acontecem nos meses de setembro à novembro, as manivas – a rama da mandioca – são guardadas na sombra ou são enterradas, na espera das chuvas para o seu cultivo e a esperança de uma boa colheita, que acontece aproximadamente um ano depois. As manivas têm um período curto de conservação, sendo necessário o seu plantio em um intervalo de seis meses após a colheita da mandioca, que com a falta das chuvas, se perdem facilmente.
Os homens e os jovens se ocupam da farinha, já as mulheres e jovens formaram um grupo para garantir a geração de renda com a extração da fécula da mandioca para a produção de biscoitos de tapioca, como é conhecido localmente. Além dos biscoitos, as mulheres produzem bolo de aipim, mingau de tapioca, beiju e outros produtos.
Além do beiju, que é feito com a fécula, o sussú é um outro alimento típico que marca a cultura alimentar deste povo, sendo feito com a massa da mandioca – a mesma que é destinada para a produção da farinha – colocada em um tacho e assado de cada lado e é servido como acompanhamento.
Enquanto o biscoito é comercializado nas feiras, para o PNAE e eventos locais, a produção da farinha é destinada principalmente para alimentar as famílias das nove aldeias, promovendo a soberania alimentar. Em ano de chuvas, a farinha é comercializada para outros municípios.
A Fortaleza Slow Food nasceu de uma vontade de fortalecer o envolvimento dos jovens indígenas no sistema produtivo da farinha e derivados e para a valorização da biodiversidade local com a produção de biscoitos de tapioca com caju, licuri, umbu e maracujá do mato – frutas típicas da caatinga encontradas no território indígena de Banzaê.
Apesar das ameaças das longas estiagens que vêm mudando os hábitos e dinâmica produtiva, os Kiriri de Banzaê buscam suas forças e esperança na terra e nas tradições de seus antepassados.