A ponta de um grande iceberg

Retrocessos socioambientais atentam contra biodiversidade e segurança alimentar no Brasil 

Há alguns anos, o cenário brasileiro com relação às questões socioambientais já não é dos mais agradáveis. Nos últimos meses, essa onda emergente de retrocessos tomou proporções descomunais e só confirma a necessidade de um olhar mais atento sobre territórios, seus povos, a biodiversidade local e a cultura, inclusive alimentar. 

O desmatamento da Amazônia tem sido destaque de veículos do Brasil e do mundo nas últimas semanas, devido aos dados alarmantes divulgados pelo Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). De acordo com o sistema, o desmatamento cresceu 88% em junho e 278% em julho deste ano, em comparação aos mesmos meses de 2018. 

Com o avanço da motosserra, comunidades indígenas e organizações indigenistas vêm sendo perseguidas e estão cada vez mais suscetíveis de ter os direitos humanos violados, bem como suas terras e recursos naturais destruídos. 

Vale lembrar que a região da bacia amazônica reúne 40% das áreas de floresta tropical do planeta, além de abrigar entre 10% e 15% das espécies animais terrestres. A degradação assustadora da floresta é preocupação que transcende a política e o ativismo ambiental, e deve ser pautada nos mais diversos círculos da sociedade. 

A perda da biodiversidade afeta gravemente a alimentação e a agricultura, como confirmou o primeiro relatório da FAO/ONU, divulgado em fevereiro deste ano. Segundo o estudo, “a biodiversidade da Terra está desaparecendo – colocando o futuro de nossos alimentos, meios de subsistência, saúde e meio ambiente sob grave ameaça”. 

Mas como disse Glenn Makuta, articulador de rede do Núcleo Gestor da Associação Slow Food Brasil, “a alta taxa de desmatamento é apenas a ponta do iceberg”. 

Desde o início do ano, mais de um agrotóxico é liberado por dia no Brasil, atentando diretamente contra a segurança alimentar e nutricional da nação. Ao passo em que se flexibiliza a venda e o uso do veneno, além das baixas taxas ou isenções de impostos para as empresas produtoras, a agricultura familiar, responsável pela produção de 70% da comida presente na mesa do brasileiro, ainda sofre com problemas básicos, como dificuldade de crédito e de assistência técnica e más estradas para escoamento. Isso sem falar na falta de incentivos à agricultura orgânica, como as altas taxas de certificação. 

Além de afetar diretamente a saúde humana, tanto dos agricultores que manuseiam os produtos, como dos consumidores que não conseguem escapar de seus efeitos nem mais no consumo da água do dia-a-dia, a utilização desses agroquímicos incide diretamente sobre a natureza, corroborando para a perda dessa biodiversidade já ameaçada.

Frente a esse dominó de colapso que parece não ter fim, é imprescindível a conscientização da sociedade de que um novo modelo de agricultura deve ser pensado para garantir a produção de um alimento adequado e saudável para todos. E, dentro da cadeia produtiva, a aproximação entre produtor e consumidor assume papel fundamental. 

“À medida em que as pessoas adquirem conhecimento, elas podem fazer melhores escolhas”, falou Makuta durante debate sobre o tema no Dia Internacional do Agricultor Rural. Como bem lembrou o biólogo, o uso exacerbado de agrotóxicos também faz com que o agricultor sofra certa imposição para cultivar determinados produtos, o que contribui negativamente para a perda não só da cultura alimentar, mas também das práticas relacionadas aos saberes tradicionais das comunidades.

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