por Gabriella Pieroni – ativista do Levante Slow Food Brasil
O caldeirão das redes sociais do Slow Food Brasil entrou em ebulição esta semana, seguindo os ânimos dos brasileiros que vivem uns dos mais acirrados e violentos processos eleitorais de sua história. Neste revolver de águas e terras no Brasil, o posicionamento em relação ao segundo turno das eleições se fez urgente aos movimentos ativistas, com maiores ou menores graus de divergências internas, apesar de terem sido todos recentemente ameaçados de extinção por um candidato que estimula crimes contra a humanidade e busca legitimidade através do voto.
Na rede Slow Food Brasil muitas destas divergências se pronunciam, fruto de uma positiva amplitude e heterogeneidade de seus membros e organizações. Elas são utilizadas como oportunidades de crescimento e de consolidação de um árduo trabalho coletivo e de politização da rede, que atualmente demonstra sua maturidade, torna o movimento mais ativo e se contrapõe ao vazio do debate eleitoral que oprime o país neste momento.
Uma questão emergiu nas discussões do movimento às vésperas deste segundo turno das eleições presidenciais: “ao optar pelo apoio a um dos candidatos, em aberta defesa da democracia e dos princípios do Slow Food, estaríamos ferindo a essência apartidária e autônoma do movimento?” A forma com que a reflexão foi explorada por dezenas de “slowfooodies” espalhados por todo o Brasil clareou uma leitura atenta do cenário político brasileiro e sua estreita relação com a defesa do alimento bom, limpo e justo. Foi realizada colaborativamente através das redes sociais uma comparação crítica de ambos os planos de governo dos presidenciáveis, identificando questões ligadas ao sistema alimentar e conservação da biodiversidade. A preocupação em não se confundir apartidarismo com abstenção e negligência com as pautas, vidas e comunidades salvaguardadas pelo movimento no Brasil também veio à tona.
Este amadurecimento no debate na rede Slow Food Brasil não se fez de um dia ao outro. É fruto do esforço de diversos grupos que vêm articulando as pautas internacionais do Slow Food aos desafios peculiares à promoção do alimento bom, limpo e justo num dos países mais desiguais do mundo. A defesa da biodiversidade e tradições alimentares no Brasil, assim como em diversos paíse da Ásia e África, ainda precisa transpor questões estruturais que são anteriores à criação e valorização de produtos e cadeias produtivas. O acesso à terra, à água e sementes, a superação de conflitos no campo, a igualdade de gênero e o genocídio de populações tradicionais guardiãs destes alimentos são algumas delas.
Nos últimos anos, ativistas que compõem a rede Slow Food Brasil e se organizam em diversos convívios, comunidades e grupos de trabalho vêm denunciando o desmonte de programas e políticas públicas que garantem a existência da agricultura familiar, a conservação socioambiental e da biodiversidade no Brasil. Têm realizado também ações de combate aos agrotóxicos, transgênicos e monopólios de sementes. Configurou-se desta forma uma real contraposição entre o ativismo da rede brasileira do Slow Food e a incidência dos representantes do agronegócio no parlamento brasileiro, chamada de bancada ruralista. Este enfrentamento tem sido realizado ombro a ombro com os movimentos sociais pela “comida de verdade” no Brasil, com destaque às redes de agroecologia, defesa da Segurança Alimentar e Nutricional, Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável e combate aos agrotóxicos.
O fato é muito positivo e faz com que os brasileiros se aprofundem nos significados da máxima “comer é um ato político” defendida internacionalmente pelo Slow Food mas também encontre nela muitas complexidades para a construção de posicionamentos “em rede” em momentos críticos como o que o país vive agora.
Enquanto o mundo todo acompanha o fenômeno de manipulação de informações e viralização de “fake news” no Brasil, que estimula a sensação de insegurança vivida pela população às vésperas de suas eleições presidenciais, as redes sociais do Slow Food Brasil se transformam em um espaço seguro de acolhimento, qualificação das leituras políticas relacionadas às pautas alimentares e ambientais e resistência.
Neste cenário, todo o campo progressista brasileiro é impelido a superar suas diversidades ideológicas e se unir por um motivo maior, a defesa da democracia e superação dos discursos de ódio e intolerância. No caso do Slow Food, a nobre causa que convoca as mais variadas convicções políticas é a defesa dos espaços de participação social e construção de políticas públicas para a agricultura familiar, agroecologia, biodiversidade e patrimônio alimentar, todas declaradamente ameaçadas.
Usando de uma metáfora alimentícia à brasileira, em meio à tantas turbulências, o Slow Food Brasil prova fazer de um azedo limão uma saborosa limonada, fortalecendo sua articulação de rede e embarcando no trem da história ao lado da democracia e dos valores fundamentais do movimento. O amor vencerá. Parte significativa e ativa da rede Slow Food no Brasil optou por atravessar esta hostil situação juntos e envoltos à bandeira do movimento que sempre zelou pela alegria e direito ao prazer.