Por quatro dias, em pleno centro de Belo Horizonte/MG, no Parque Municipal da cidade, ocorreu o IV Encontro Nacional de Agroecologia. Sob o lema “Agroecologia e Democracia: unindo campo e cidade” o evento gestado por vários meses somou esforços de muitos coletivos que pensam e vivem a agroecologia no país. Pessoas de todos os estados e com as mais diversas raízes socioculturais se encontraram entre os dias 31 de maio e 03 de junho para pensar os rumos do movimento agroecológico, reafirmar as lutas comuns, denunciando as ameaças, anunciando as conquistas, celebrando as vitórias e renovando as esperanças.
A rede Slow Food Brasil esteve presente dissolvido em meio à catarse agroecológica que foi esse memorável encontro. Duas barracas de comida (Slow Food Belo Horizonte e Iacitatá/Slow Food Amazônia), uma mostra de cinema (1a. Mostra Slow Food no Filme de Cinema e Comida), cozinheiros envolvidos na cozinha do banquete agroecológico, ativistas na organização e nas articulações políticas, além da presença de agricultoras e agricultores trazendo produtos das Fortalezas Slow Food como o gergelim Kalunga, o pequi-do-Xingu e o óleo de macaúba.
Tainá Marajoara e Carlos Ruffeil levando os sabores do Pará para o IV ENA. Foto: Patricia Moll
Na barraca do Slow Food BH estiveram à frente Marcelo de Podestá e Ramonn Melo preparando um prato diferente a cada dia onde serviram galinhada, arroz com pequi, tropeiro, abóbora e mandioca, com ingredientes e produtos locais além de lanches, queijos, cerveja de umbu e café da Experimentoo Beer. Já na barraca paraense, encabeçada por Tainá Marajoara e Carlos Ruffeil, ativista da Aliança de Cozinheiros Slow Food, não faltaram os pratos típicos como maniçoba, tacacá e moqueca de camarão em meio a outros produtos amazônicos (alguns também de Fortalezas) como o pão do waraná dos Sateré Mawé, a farinha bragantina do mestre Bené, o queijo de búfala, a cachaça de jambu, dentre outros produtos regionais. Era comida de verdade sendo servida a preço justo, aprovada pelo público frequentador, e que manteve as barracas sempre cheias, seja pedindo algo pra comer ou para entender melhor suas propostas ou simplesmente para uma boa prosa.
Na cozinha do banquete que ocorreu no último dia estiveram participando Gabriel Zei e Juan Pilotto. Ambos iniciaram a caminhada no movimento Slow Food nas dezenas de Disco Xepas realizadas em São Paulo pelo Slow Food Como Como, quando a metodologia foi trazida ao país. A produção de diversos pratos elaborados junto a cozinheiras e cozinheiros que estiveram ao longo do evento preparando o banquete na cozinha do Mercado da Lagoinha, reuniu o público do ENA em torno de uma grande mesa que traduzia um pouco a sociobiodiversidade e a criatividade à mesa.
Banquele Popular Agroecológico. Foto: Gabriela Damigo
Slow Food no Filme
Também fez parte da programação oficial do Encontro, a 1ª Mostra Slow Food no Filme de Cinema e Comida. Com sessões gratuitas, a mostra apresentou filmes e documentários sobre importantes temáticas que foram seguidos de debates, por vezes com especialistas na área, por vezes com os produtores ou diretores das obras.
O evento marcou o lançamento de documentários roteirizados e dirigidos por membros do movimento e que apresentam duas Fortalezas brasileiras; Cultura de Engenho: Patrimônio e Resistência, de Sandra Alves e Gabriella Pieroni, que retrata a força patrimonial dos Engenhos de Farinha de Mandioca de Santa Catarina através da fala de agricultores, artesãos e cozinheiros, exemplos reais de preservação e resistência. O segundo lançamento foi do curta Fortaleza Slow Food do Pinhão da Serra Catarinense (assista o video no link), de Felipe Tomazelli e Patrícia Moll, realizado no âmbito do projeto Alimentos Bons, Limpos e Justos, uma parceria entre Associação Slow Food do Brasil, Universidade Federal de Santa Catarina e Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, que apresenta a história de uma família da Serra Catarinense e toda sua relação com a semente de araucária, árvore característica do território e da cultura alimentar da região.
Outro destaque da Mostra foi a exibição de Tigers (2014) filme franco-indiano exibido apenas duas vezes no país e que não foi lançado comercialmente no Brasil. Danis Tanovic conta a história verídica de um representante comercial que trabalha para uma multinacional do ramo alimentício, fazendo lobby com médicos e hospitais para que estes recomendem o uso de fórmulas para recém nascidos, no lugar da amamentação. A obra abriu a Mostra e proporcionou um debate com a participação de membros da IBFAN (Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar), do Ministério do Desenvolvimento Social e da Articulação Nacional de Agroecologia – ANA.
Debate do filme Martírio. Foto: Patricia Moll
A sessão de encerramento foi marcada pelo documentário brasileiro Martírio, que conta a história do genocídio vivido pelos Guarani-Kaiowá na luta por terra em território de disputa contra o agronegócio. O ponto alto da sessão foi o debate, conduzido por três lideranças indígenas: Célia Xacriabá, ativista do movimento indígena brasileiro e formada em Politica Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas, Tainá Marajoara, cozinheira, conselheira de cultura alimentar do Conselho Nacional de Cultura e facilitadora do Slow Food Brasil, e Yaiku Kisedjê, coordenador de alternativas econômicas do seu povo e representante da Fortaleza do Pequi do Xingu.
—
O ENA como um todo explicita a força e resiliência de uma rede agroecológica viva e pulsante. O evento que perigou não ocorrer por conta da paralisação dos caminhoneiros que travou todo o país foi apenas mais uma prova para que as lutadoras e lutadores do campo, das florestas, das águas e das cidades demonstrassem sua perseverança e afinco em ver o encontro realizado. Diante de toda essa conjuntura, a participação neste evento é difícil de ser descrito em palavras.
Após o término do evento, a Articulação Nacional de Agroecologia publicou a síntese da carta política do IV ENA que resume isso tudo e mais um pouco. Leia o documento na íntegra.