O Diário do Nordeste publicou a segunda parte de sua rica reportagem sobre o II Terra Madre Brasil:
Veja alguns trechos desta parte da reportagem:
Uma Arca inteira de Sabores e Saberes
A Fundação Slow Food para a Biodiversidade tem por objetivo promover um modelo sustentável de agricultura, que respeita o meio ambiente, a identidade cultural e o bem estar animal. Além das Fortaleza, abordadas na última edição do C&B, outro projeto fundamental da Fundação é a Arca do Gosto, que identifica, localiza, descreve e divulga produtos gastronômicos especiais, ameaçados de extinção mas ainda com potencial de comercialização. Desde o início da iniciativa, em 1996, mais de 750 produtos de dezenas de países foram integrados à Arca. Existe uma comissão internacional e comissões nacionais em 16 países responsáveis pela avaliação e seleção.
Kátia Karam, produtora, pesquisadora e professora da Universidade Estadual de Goiás, é uma das integrantes da comissão no Brasil, fundada em 2006. Segundo ela, o grupo é formado por pessoas ligadas à questão dos produtos e das tradições alimentares. “Nem todas trabalham diretamente na cozinha. Além de chefs, procuramos também jornalistas, pesquisadores, gente com habilidades e conhecimentos diversos”, esclarece. Segundo Karam, o processo de seleção leva em conta inicialmente a excelência gastronômica do produto, as matérias-primas utilizadas, os processos de produção, o beneficiamento, os cuidados com a conservação, entre outros aspectos. “Mas também é importante saber a delimitação geográfica do produto, a comunidade em que é elaborado, quantas pessoas são envolvidas, qual a ligação dele com a vida, a cultura e a história da comunidade, se está sob risco de desaparecer”, explica.
A pesquisadora ressalta que, observados esses aspectos, qualquer um pode candidatar um produto, basta preencher e enviar uma ficha técnica no site www.slowfoodbrasil.com/arca. “A comissão troca informações regularmente pela internet, mas os encontros do Terra Madre são importantes, porque possibilitam um contato e um diálogo mais intenso. Agora, por exemplo, estamos com sete candidaturas para avaliar”, revela. O maior benefício dos produtos selecionados é a visibilidade e a divulgação. “Eles são inseridos no catálogo do Slow Food e os produtores participam dos eventos nacionais e internacionais, levando seus produtos para todo o mundo. Nessas ocasiões, eles conhecem pessoas e associações, estabelecem uma rede de contatos importantes para manter a atividade”, comemora.
“Bom, Limpo e Justo” é direito de todos nós
O conceito de qualidade do alimento do Slow Food é baseado em três princípios básicos: bom, limpo e justo. “Bom” refere-se às propriedades organolépticas, em especial aroma e sabor, que devem ser naturais; “limpo”, aos métodos de produção sustentáveis, que respeitam o ambiente; e “justo”, à remuneração adequada e condições de trabalho dignas para o produtor. Isso não implica um produto necessariamente orgânico (com selo ou certificação), mas compatíveis com os valores defendidos pelo movimento. Mas será que alimentos elaborados a partir dessa série de premissas seriam suficientes para alimentar o Brasil inteiro, por exemplo? “Na realidade, o brasileiro não sabe que 70% do que ele come vem da agricultura familiar, porque a maioria não compra direto do agricultor. Grande parte da produção passa por várias mãos (intermediários, indústria, atacadistas) antes de chegar à mesa do consumidor. Acredito ser necessário mais investimentos na pós-produção, na integração dos agricultores ao mercado, na criação de mais espaços de comercialização, na capacitação dessas pessoas na gestão de pequenos negócios, no contato mais qualificado com os consumidores”, explica Roberta Marins de Sá, cientista de alimentos e presidente da comissão brasileira da Arca.
Outro questionamento frequente refere-se aos preços dos alimentos orgânicos ou agroecológicos, normalmente mais caros. “Esse assunto é complicado, porque ‘o barato sai caro’. Estamos falando tanto em distribuição adequada de renda quanto da diferença entre valor e preço. Um alimento bom, limpo e justo não pode ter o mesmo preço que alimentos produzidos no sistema industrial, de monocultura, com pesticidas. Ao mesmo tempo, tem um valor muito mais alto, incluindo fatores como a saúde do planeta e da população. Além disso, alimentos orgânicos ou agroecológicos, quando comprados diretamente do produtor, não são mais caros. E quanto maior a demanda, mais acessíveis serão”. É o que acontece, por exemplo, com Karam. “Moro em Pirenópolis e sou produtora de leite orgânico. Nas feiras, padarias e supermercados próximos consigo vendê-lo pelo mesmo preço dos tradicionais”, argumenta. A exceção é animadora. “Nem toda a população neste momento tem acesso aos alimentos bons, limpos e justos, mas termos isso como objetivo é fundamental. É um direito de todos”, enfatiza Marins.
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Reportagem de Adriana Martins publicada no Diário do Nordeste, em 2/4/2010