O queijo Serrano é um queijo produzido com leite cru logo após a ordenha. Tem massa semidura, baixa umidade, sabor e aroma acentuados e textura levemente amanteigada. Originalmente eram produzidas peças grandes, com peso superior a 5 kg, curadas por 40 a 60 dias e que eram comercializadas 2 a 3 vezes ao ano. Com o passar do tempo, pelas facilidades de comércio e exigências dos consumidores, passaram a ser produzidos queijos menores, variando seu formato e tempo de maturação. Atualmente, são encontrados em forma retangular ou redonda, entre 1 e 2,5 kg e curados por 10 a 30 dias. Originalmente em sua fabricação era usado o coalho de animais – em especial de tatu e bovinos, sendo considerado melhor o de tatu – mas a partir de 1960 este foi substituído pelo coalho industrial. Não se utilizam fermentos lácteos.
É um dos queijos artesanais mais antigos do Brasil, sua fabricação provavelmente se iniciou junto com a povoação dos Campos de Cima da Serra do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a partir da 1ª metade do século XVIII, quando portugueses da Ilha dos Açores que migraram para a região “subiram a serra”. Lá eles encontraram gado alçado, que havia sido trazido pelos padres jesuítas fundadores dos Sete Povos das Missões, gado este que se espalhou pela região dos Campos de Cima da Serra e Planalto Sul Catarinense. Para amansar o gado tiravam seu leite e assim foram desenvolvendo um produto que se tornou fortemente vinculado à cultura alimentar da região. O queijo Serrano era transportado pelos tropeiros em bruacas, sobre o lombo de mulas; sua venda possibilitava aos tropeiros trazerem para os fazendeiros locais produtos não encontrados na região (arroz, açúcar, café, sal, tecidos, etc.).
O saber-fazer do queijo Serrano, feito com leite cru de gado de raça mista, vem sendo transmitido de geração a geração, de modo que até hoje ele continua sendo um dos principais produtos da agricultura familiar nas regiões produtoras. Sua produção se dá de forma sustentável, com poucos insumos de fora da propriedade e com leite oriundo do “gado crioulo” formado por raças de corte antigas, franqueira ou crioula lageana, das quais existem poucos exemplares atualmente. Está assim fortemente ligado ao território e ao povo que o produz, fazendo parte da tradição e do cotidiano locais.
A modernização trouxe outras modificações na produção do queijo serrano. Alguns produtores introduziram raças leiteiras no seu rebanho e diversificaram a alimentação (utilizando ração), permitindo que o queijo seja produzido o ano todo. (Algumas raças usadas para cruzamento foram Charolês, Gir, Jérsei, Holandês, Devon, Normanda, entre outras.) Tradicionalmente os animais eram criados livres no pasto e a produção era sazonal, principalmente na primavera e no verão. O campo nativo ainda é a principal base forrageira para produção de leite para o queijo artesanal serrano, mas também se utiliza na alimentação do gado restolhos de milho ou mesmo ração caseira ou comercial. Muitos produtores introduziram pastagens de inverno e verão, e, também silagem.
Como a produção é quase totalmente informal, não há dados precisos sobre o número de famílias produtoras. A Emater-RS estima que existam nos Campos de Cima da Serra do Rio Grande do Sul cerca de 1.500 famílias pecuaristas produtoras de Queijo Serrano, enquanto que a Epagri-SC estima em torno de 4.000 produtores, sendo que desses pelos menos 2.000 comercializam nos dois Estados. Dados de pesquisas apontam que o queijo representa em 50% das propriedades sua principal renda, e em 38% é a segunda renda mais importante das famílias que o produzem e comercializam.
Hoje ainda existe um conjunto de produtores que mantém características bastante tradicionais, incluindo casas de queijo com equipamentos todos em madeira. Um levantamento realizado pela Epagri em Santa Catarina, por exemplo, encontrou formas (cinchos) feitos de madeira e de casca de bracatinga, que permitiam ajustar o tamanho da forma. Alguns produtores mantêm as raças antigas e há áreas com pastagens nativas bastante preservadas. Todo esse importante patrimônio cultural se encontra ameaçado pela atual legislação que condena as características tradicionais de fabricação do queijo, fazendo com que se perca em grande parte a ligação com o território e com a cultura local.
A área de produção do queijo Serrano se estende de forma contínua entre os dois estados produtores, ao longo da fronteira. Os municípios do estado do Rio Grande do Sul mapeados pela Emater-RS como produtores de queijo Serrano são: Bom Jesus, Cambará do Sul, Caxias do Sul, Jaquirana, Muitos Capões, Campestre da Serra, Monte Alegre dos Campos, Vacaria, Ipê, São Francisco de Paula e São José dos Ausentes. Já em Santa Catarina 18 municípios foram mapeados pela Epagri, coincidindo com a divisão da Serra Catarinense, são eles: Anita Garibaldi, Cerro Negro, Campo Belo do Sul, Capão Alto, Lages, São José do Cerrito, Ponte Alta do Sul, Correia Pinto, Otacílio Costa, Palmeira. Bocaina do Sul, Painel, São Joaquim, Bom Jardim da Serra, Urupema, Urubici, Rio Rufino e Bom Retiro.
O queijo Serrano está ligado à vida do conjunto de pecuaristas familiares denominados “gaúchos serranos” (entendido como ser social e não adjetivo pátrio em referência ao Rio Grande do Sul). Nesses campos que atingem 1.400 m de altitude, os verões são brandos e os invernos rigorosos, com ocorrência de geadas e mesmo neve. O relevo é ondulado, formando campos nativos entremeados por capões de mato, onde há grande ocorrência de araucárias. Ainda hoje estes campos encontram-se em grande parte preservados, com abundância de nascentes e água, permitindo a pecuária de corte e a produção do queijo Serrano.
Nos municípios de São José dos Ausentes e Bom Jesus, no Rio Grande do Sul, foi fundada uma associação, a Aprocampos – Associação dos Produtores de Queijo Serrano dos Campos de Cima da Serra. Também no RS no município de Jaquirana foi fundada a Aprojaqui – Associação dos Produtores de Queijo e Derivados de Jaquirana. No município de Cambará do Sul está em formação a Acamprocas – Associação dos Produtores de Queijo e Derivados de Cambará do Sul. Em Santa Catarina foi fundada a Aproserra – Associação dos Produtores de Queijo Artesanal Serrano da Serra Catarinense.
Hoje, para conseguir o selo de inspeção sanitária, muitos produtores estão tendo que abandonar construções e utensílios tradicionais de madeira, utilizados secularmente e que contribuem para a manutenção da saúde bacteriológica dos queijos e melhoram suas características organolépticas. No entanto existem ainda produtores que resistem e mantêm suas características originais, apesar das perseguições e pressões sanitaristas. A maior parte desses produtores produz até 5kg de queijo por dia que são comercializados localmente, parte na própria casa do produtor.
Atualmente ocorre um intenso trabalho para legalização da produção e comercialização do queijo artesanal serrano. Nos dois estados estão em construção aproximadamente 50 queijarias, que receberão o selo do Serviço de Inspeção Municipal (SIM). Em Santa Catarina está sendo pleiteado além do SIM, a equivalência ao SISBI, através do Consórcio Intermunicipal Cisama. Também até o final de 2016 deverá ser depositada no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial dustrial) a solicitação de indicação geográfica na modalidade de denominação de origem. Já foi encaminhado ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) o dossiê para reconhecimento como patrimônio cultural de natureza imaterial do Brasil.
Queijo Serrano de Criúva
Um exemplo da ameaça de extinção, e da iniciativa de proteção como bem cultural, é o Queijo Serrano de Criúva (área campeira de Caxias do Sul), que por sua importância para a comunidade está em processo de registro como patrimônio imaterial municipal. O queijo é produzido artesanalmente desde 1742, data da primeira posse da terra. A pastagem natural confere características organolépticas especiais identificando o queijo serrano de Criuva pela alta qualidade; o lugar e o modo de fazer o queijo têm características únicas, fazendo com que seja um produto especial, ligado ao território e à tradição. Os produtores locais têm enfrentado dificuldades para produzir o queijo da forma tradicional pois não conseguem atender às exigências legais, por isso o seu número tem diminuído consideravelmente: dentre os 10 remanescentes em meados de 2015 alguns já estão preparando o encerramento de suas atividades. A produção do queijo Serrano de Criuva é pequena, variando de produtor a produtor. O mais antigo deles, por exemplo, produz no máximo uma a duas formas por dia. Os queijos são vendidos localmente, na propriedade, e têm público certo.
Agradecimentos a João da Luz da Emater-RS, a Ulisses de Arruda Córdova da Epagri-SC, a Rosana Peccini e a Andréia Meira pelas informações sobre o Queijo Serrano.
Comments:
Fique encantado de tomar conhecimento a possibilidade fa produção de queijos artesanais a partir do leite cru, obedecendo os riterios de produção. Gostaria de ter a fórmula, ou pelo menos a temperatua da agua para filagem e % de sal na massa por 1kg e tempo de prensagem. Não sou produtor tenho 71 anos e estou acamado mas espero levtar logo e fa