O estado Piauí, além de ser caracterizado por suas belezas naturais, é também um dos principais produtores de caju (Anacardium occidentale) no Brasil. O caju é o pseudofruto do cajueiro: o que usualmente chamamos de fruto é, na verdade, o pedúnculo desenvolvido enquanto temos a castanha como fruto verdadeiro. É uma árvore da família das Anacardiáceas de baixo porte, com cerca de 5 metros por 8 metros de copa na variedade “anão-precoce”. Essa variedade é a mais adequada para o cultivo de caju para cajuína pois o fruto apresenta bastante polpa e pequena castanha, sendo melhor aproveitado. Quando maduro, possui coloração entre o vermelho e amarelo, podendo pesar até 160 gramas.
A cajuína é uma bebida não alcoólica, clarificada, rica em cálcio, antioxidantes e ferro, típica do estado do Piauí. A preparação é artesanal, realizada geralmente por mulheres que após a extração do suco de caju realizam a separação do tanino (compostos químicos que levam ao sabor adstringente) por um processo denominado clarificação, demandando que o suco seja coado inúmeras vezes para que todo o tanino seja retirado. O processo de separação do tanino é feito com agentes precipitantes – resina do cajueiro ou gelatina em pó, embora fosse comum utilizar cola de sapateiro antigamente.
Então, o suco clarificado é envazado em garrafas de vidro e cozido em banho-maria até que os açúcares cristalizem. Como o cozimento, o líquido é esterilizado e a cajuína pode ser armazenada por aproximadamente dois anos sem perder suas características organolépticas. Por ser à base de caju possui coloração amarela clara e sabor que varia de garrafa para garrafa (doçura e leveza devido à qualidade do caju e método do beneficiamento), haja vista que o processo é bastante artesanal e depende da “mão” de quem o prepara.
Semelhante ao vinho e o champanhe, a cajuína está presente nas comemorações piauienses, sendo servido em festas de aniversários, casamentos ou simplesmente na recepção de pessoas queridas. Por isso, o ato de preparar a cajuína está intimamente ligada à cultura piauiense, sendo um importante símbolo do empoderamento paras as mulheres que comercializam a bebida e auferem grande parte da renda familiar, além de estar presente em nome de ruas e empresas locais.
A origem da bebida cajuína apresenta dualismo entre Piauí e Ceará. Registros históricos apontam que o farmacêutico Rodolfo Teófilo produzia uma bebida denominada Vinho Seco de Caju, cujo processo era bastante semelhante à cajuína, no entanto o “Dossiê Cajuína”, confeccionado pelo Iphan, aponta que há diferenças entre a cajuína oriunda do Ceará e a do Piauí, em especial na forma como o processo é realizado.
Ademais, por ser originário da Amazônia, a cajuína também está alicerçado na história indígena, visto que os indígenas tinham o rito da cauinagem, que era a transformação do caju em uma bebida denominada cauim. Através dos processos de migração e miscigenação, o cauim foi inserido na cultura piauiense, denominado cajuína.
A produção da cajuína segue a safra do caju, entre os meses de agosto e outubro, possibilitando que as famílias se reúnam para o trabalho. Com o objetivo de tornar o produto mais competitivo no mercado, a Universidade Federal do Piauí em parceria com o SEBRAE realizou atividades de melhoramento da cajuína, atribuindo certa mecanização. Embora, a maior parte da cajuína produzida no Piauí seja proveniente do “fundo do quintal”.
Garrafas de cajuína secando ao fundo de uma casa. Foto: Acervo IPHAN
Por ser produzido em unidades familiares, o método é transferido para as próximas gerações, uma vez que cada família tem seu tempo de cozimento, modo de escolher e limpar o caju, além do método de limpar a garrafa, com a finalidade de obter o melhor da bebida tão estimada para esses povos. Além disso, é passado também que o caju não pode entrar em contato com água em momento algum durante o beneficiamento, para não toldar a cajuína.
A popularização das bebidas gasosas representam uma grande ameaça para a cultura da cajuína, haja vista que muitos jovens preferem consumir refrigerante à bebida típica de sua região. Por isso, a inserção da cajuína na Arca do Gosto tem por finalidade preservar a continuidade dessa bebida tão importante para o povo Piauiense. Por ser uma importante fonte de renda para as mulheres que a produzem, a bebida tem dado voz a muitas mães de família que tem nessa atividade sua única fonte de renda. Recentemente a cajuína do Piauí recebeu a certificação de indicação geográfica, além de ser registrada como Patrimônio Cultural Brasileiro da Produção Tradicional e Práticas Socioculturais Associadas à Cajuína no Piauí, pelo IPHAN, fortalecendo a importância de uma bebida que representa todo o povo do estado do Piauí.
A cajuína é uma bebida tipicamente consumida, embora possa ser utilizada também como calda de pudins, bolos e reduções para acompanhar carnes (processo semelhante a reduções de bebidas alcoólicas). Sua produção está intimamente ligada ao povo piauiense, em especial a comunidades que tem na cajuína a principal fonte de renda, como o Assentamento São Benedito, Amarante e Jardim dos Mulatos, todos localizados no Piauí.
Indicação por Luiz Carlos Rebelatto dos Santos
Texto e revisão por Revecca Cazenave-Tapie e Ligia Meneguello
Referências
Produção artesanal e práticas socioculturais associadas à cajuína no Piauí – IPHAN
ABREU, F. A. P. de; SILVA NETO, R. M. da. – Cajuína
GASPAR, Lúcia. Índios do Brasil: alimentação e culinária. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco
O cajueiro e suas características – Jornal Dia de Campo
Pequeno notável, cajueiro anão-precoce é produtivo após três anos de seca
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