Mãos negras e de outras cor. Todas as vidas importam

O Coletivo Antirracismo Slow Food

Há alguns meses, vem surgindo dentro da rede Slow Food Brasil (SFB) um novo coletivo, que defende a necessidade inadiável de discutir, interiorizar e promover a pauta da equidade étnico racial nos sistemas alimentares do país.

Este grupo chama-se Coletivo Antirracismo Slow Food, e surge a partir do incômodo, por parte de um nó da rede, diante da inexistência de um posicionamento do Slow Food Brasil na ocasião do Dia da Consciência Negra no Brasil. Reconhecer a relevância de racializar os debates nos campos de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional é fundamental no enfrentamento às expressões do racismo estrutural e sistêmico, nos diferentes contextos alimentares.

Este coletivo é constituído por ativistas de diversas Comunidades da rede SFB e tem como principal propósito realizar ações de incidência, multidisciplinares e em rede, contra o racismo estruturante e sistêmico da sociedade brasileira. Em conjunto, entende-se que tal lacuna leva a um ponto de reflexão e consequente mudança das práticas e posturas, alinhando o cotidiano do coletivo àquilo que se necessita hoje em um movimento da envergadura do SF. Dessa forma, são defendidos os valores e princípios ecogastronômicos de justiça social, hospitalidade e comensalidade, enquanto enfrentamento das violações dos Direitos Humanos à Alimentação Adequada, que são vividas predominantemente pela população negra brasileira.

Na certeza de os sistemas alimentares bons, limpos e justos precisam estar alicerçados em justiça social, ambiental, econômica, cultural, biodiversa e racial, o Coletivo Antirracismo Slow Food tem como propósitos:

  • Evidenciar as realidades alimentares e socio biodiversas vividas pelas populações afrodescendentes em seu contexto social, político, econômico e cultural.
  • Contribuir para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada e promoção da equidade social, econômica e ambiental, em rede com os princípios de hospitalidade e comensalidade contemporâneos, para as populações afrodescendentes.
  • Promover letramento racial e educação libertadora com ênfase nos discentes, em especial, os afrodescendentes, destacando as articulações e inter relações entre a noção do alimento bom, justo e limpo e a equidade racial, a hospitalidade e a comensalidade, com seus desdobramentos no contexto atual de (In)Segurança Alimentar e Nutricional.
  • Fomentar reivindicações e pautas dos movimentos quilombolas e outros que contemplem pessoas e grupos afrodescendentes, sobre acesso à terra, reconhecimento e titulação de seus territórios, valorização da socio biodiversidade e das culturas alimentares tradicionais, bem como incentivar a participação destes na rede SFB.
  • Estabelecer bases comuns para desdobramentos práticos, estruturantes e em rede, de ações de enfrentamento do nutricídio e do racismo alimentar, no campo e na cidade, e na promoção da participação efetiva e protagonista de pessoas negras na rede SFB e nas suas estruturas de governança, em todo território nacional.
  • Promover a reflexão em prol de ações consubstanciadas e a incidência de pauta sobre temas anti racistas e suas relações com os princípios da Ecogastronomia, nas suas mais diversas dimensões, nos âmbitos nacional e internacional do movimento Slow Food.
  • Contribuir para a revisitação das bases filosóficas do Slow Food, em prol da ampliação do conhecimento e práticas ecogastronîcas adequadas às demandas sociais emergentes em prol da justiça social, hospitalidade e comensalidade, dimensões nas quais o racismo estrutural e sistêmico são flagrantes. 

Em relação à incidência deste coletivo no movimento internacional do SF, empenha-se na elaboração de uma proposta de moção antirracista, a ser apresentada no Congresso Internacional do Slow Food, em julho de 2022. Pretende-se que esta seja acolhida entre os documentos políticos deste Congresso e que venha nortear seus princípios, ações e programas pelos anos seguintes.

Acredita-se na centralidade desta proposta, pois ela aponta para modelos sociais que assumirão posições de direitos equitativos e universais. Dessa forma, espera-se que também esclareçam a lógica e a relevância da participação protagonista de afrodescendentes no processo de construção da memória e cultura brasileiros.

Neste sentido, faz-se aqui uma convocatória à Rede SFB a participar do coletivo Coletivo Antirracismo Slow Food, enquanto espaço comum de reflexão, debate, denúncia e enfrentamento ao racismo estruturante e sistêmico, em todas as práticas das Comunidades e Grupos de Trabalho do Slow Food, em todo território nacional.

A proteção da sociobiodiversidade e das suas culturas alimentares, tão caras ao movimento internacional do Slow Food, implica necessariamente no afinamento cotidiano do olhar, individual e coletivo, sobre o legado e as realidades das culturas sujeitas à marginalização durante a história brasileira, em especial negras e indígenas. Assim, são necessários POSICIONAMENTO e ATITUDE antirracistas, haja vista seus impactos nas vidas destas populações e o comprometimento de seus saberes, práticas e sistemas alimentares bons, limpos e justos para todes.

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