Posicionamento sobre a Lei Federal 13860/2019 e sua regulamentação

A defesa dos queijos artesanais de leite cru é uma das principais campanhas do Movimento Slow Food no Brasil e no mundo. Milhares de produtores, nas mais diversas regiões do planeta, produzem queijos com leite cru, não pasteurizado, com qualidade e segurança alimentar e nutricional. Somente o leite cru guarda as técnicas e os saberes tradicionais de produção, moldados ao longo de centenas de anos, assim como a diversidade microbiológica de cada território.

Defendemos a importância das boas práticas agropecuárias e de produção para alcançar essa qualidade, aliadas aos métodos de fabricação manuais e tradicionais, e defendemos o direito dos produtores que respeitam essas boas práticas de venderem seus produtos e o direito dos consumidores de comprarem estes queijos. 

A Lei Federal 13.860/2019, de autoria do deputado Zé Silva e Alceu Moreira, traz em seu texto original a possibilidade de superar uma grande barreira imposta pela legislação brasileira aos produtores de queijo artesanal de leite cru, no que diz respeito à comercialização de seus produtos. Ela indica que a obtenção do registro da queijaria no serviço de inspeção municipal (SIM) é condição suficiente para a comercialização dos queijos artesanais em todo o território nacional.

O produto artesanal que obtém a certificação municipal, está apto para o consumo local, portanto, está apto para o consumo em qualquer parte do Brasil. Diante disso, em respeito ao direito dos produtores e dos consumidores, defendemos a importância desse relevante passo, na desburocratização da inspeção, permitindo um acesso mais democrático de pequenos produtores aos diferentes mercados no país. 

Defendemos também a importância da participação popular, na figura de representantes das associações de produtores e consumidores, na construção e proposição dos protocolos de elaboração específicos estabelecidos para cada tipo e variedade de queijo artesanal. Somente de forma participativa, a Lei Federal poderá contemplar de maneira fidedigna as especificidades de cada produto, seu modo de fazer, suas características, sua relevância cultural e sua identidade. 

Defendemos o direito do consumidor à informação transparente e acessível no rótulo dos queijos, que deve mencionar obrigatoriamente o eventual tratamento térmico dado ao leite, em específico, a menção se o produto foi elaborado com leite cru ou elaborado com leite pasteurizado. Reforçamos que a pasteurização vai contra a nossa definição de artesanal, sendo uma prática que limita e mascara a qualidade do leite, da mesma forma que vai contra a definição de artesanal da própria Lei, uma vez que a pasteurização não faz parte das práticas tradicionais de produção no Brasil. 

Por fim, mas não menos importante, consideramos um desrespeito ao produtor artesanal e ao consumidor a não obrigatoriedade das queijarias que trabalham com leite pasteurizado de se adequarem às exigências dos programas de controle de tuberculose e brucelose conforme o Ministério da Agricultura (MAPA) está propondo. Esta grave omissão na legislação permite às queijarias trabalharem com leite em qualquer condição, seja ele oriundo de animais sadios ou doentes. Ela não respeita o direito à saúde e bem-estar dos animais e das pessoas que trabalham nessa atividade. A concessão do selo de queijo artesanal deve contemplar apenas os produtores que trabalham com matéria prima de qualidade e que têm o controle da saúde de seus rebanhos. Sugerimos também que o Governo Federal amplie e fortaleça o programa de erradicação da brucelose e tuberculose, o qual deve envolver os governos estaduais e prefeituras. O exemplo de controle da aftosa pode servir de inspiração a um programa com este objetivo. Tal avanço em termos de controle destas doenças beneficiará não apenas os produtores de leite e de queijo, mas a sociedade como um todo, pois trata-se de um problema de saúde pública.  

Mesmo com a aprovação da lei, os produtores de queijo artesanal de leite cru ainda enfrentam dificuldades para se regularizarem, pois a legislação ainda estabelece exigências baseadas na produção em escala industrial, principalmente em relação às instalações e aos parâmetros microbiológicos dos produtos. Orientações na certificação das propriedades para doenças dos animais, na aplicação das boas práticas agropecuárias e de fabricação são primordiais, mas precisam ser compatíveis com a realidade da produção artesanal, caso contrário, a lei permanecerá excludente, marginalizando ou criminalizando os produtores.

Com isso, esperamos contribuir com o texto que deverá regulamentar a Lei Federal dos Queijos Artesanais, e chamar a atenção de toda a sociedade para a importância do envolvimento de todos nessa questão. 

Comer, comprar e produzir alimentos artesanais de qualidade é um direito de todos!

Participe! Assine o Manifesto em defesa da Lei dos Queijos Artesanais (Lei Federal 13860/2019): http://chng.it/fcGCfRw82g  

Faça download desse documento em pdf.

Deixe um comentário:

Últimas notícias

Visual Portfolio, Posts & Image Gallery for WordPress

Nós somos natureza

Em torno da agroecologia, representantes de diversas partes do mundo se reuniram para vivenciar o Terra Madre Salone del Gusto, na Itália, incluindo lideranças indígenas do Ceará, acompanhadas da equipe da Associação...