No nordeste e norte do Brasil, movimento das mulheres quebradeiras de coco babaçu é exemplo de agroecologia, da luta pelo território e por seu modo de vida
Do campo à mesa, da amêndoa à barra, do coco babaçu ao óleo, ao carvão, ao artesanato e por aí vai. Isso sem falar nas outras partes da árvore de nome científico Attalea speciosa que são utilizadas para fazer telhados, como as folhas, ou adubo, como é o caso do caule. É a palmeira típica do Nordeste do Brasil que gera sustento para milhares de famílias pelos estados da região. Porém, antes de virar sabão, cosméticos, leite vegetal e até combustível é preciso quebrar o coco.
Quebradeira de coco é profissão que sempre existiu no feminino, e foi também a feminina “luta” que reuniu, no começo da década de 1990, mulheres dos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará para a criação do MIQCB, o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu.
Com quase 20 anos de história, a organização, entretanto, começou a germinar um tempo antes, em meados da década de 1960, quando a aura repressiva da Ditadura Militar também repercutia no campo. “Fomos descobrindo que aquilo não era partilha, solidário, era escravidão. Mas essa história foi todinha pra gente se libertar e viver em grupo. Fomos tomando a iniciativa, entrando de mutirão na terra”. Isso porque, na época, as extrativistas trabalhavam sob o sistema conhecido como “quebra de meia”, onde metade da produção ia para o proprietário da terra onde se encontrava o nativo babaçual. Por um quilo de arroz, chegava-se a pagar dez de coco e para obter uma linha de terra para plantar, três quilos de arroz iam direto para o fazendeiro.
No final da década de 1980, essas mulheres passaram a se organizar em clubes de mães, onde, além da educação dos filhos, discutiam os rumos que teriam que tomar a fim de garantir os próprios direitos na quebra do coco. “Essa discussão interna foi criando uma essência de unicidade entre nós, que aprendemos a tomar muitas decisões coletivas”, conta Maria Alaídes Alves de Souza, quebradeira de coco de Lago do Junco/MA e coordenadora regional do MIQCB.
Com a criação do movimento, em 1991, a articulação tomou corpo e, apesar da constante e incansável luta contra o agronegócio, os agrotóxicos, o avanço da fronteira agrícola e a violência no campo, também comemorou importantes conquistas, como a aprovação da Lei do Babaçu Livre em alguns municípios – que, entre outras medidas, proíbe a derrubada das palmeiras e permite a coleta do coco em propriedades privadas e terras comuns -, a organização em cooperativas, o rompimento com atravessadores e a formação de um mercado consumidor. E tudo feito através da união e da troca entre mulheres, guerreiras.
“É dentro dessa solidariedade que a gente aprende a viver na sociobiodiversidade sem agredir, é a agroecologia. É muita vontade nossa que esse projeto seja referência para a segurança alimentar”, fala Maria. Hoje, entre os babaçuais que geram renda e subsistência às quebradeiras e suas famílias crescem alimentos como macaxeira, milho, feijão e arroz, exatamente como mandam os princípios da agroecologia. “Nós, do MIQCB, junto a outros povos, quilombolas e indígenas, pretendemos fazer essa grande aliança em busca de ampliar essa proposta de produção que damos o nome de agroecologia.”, conta Maria Alaídes.
Além de se caracterizar por ser uma forma de produção agrícola mais sustentável que gera alimentos saudáveis, a agroecologia traz autonomia às comunidades a partir do momento em que valoriza os ensinamentos ancestrais de produção, a sociobiodiversidade local, os recursos naturais, além da cultura e do modo de vida dos povos do território. Sobretudo, o território.
Uma das principais pautas do movimento agroecológico é o direito à terra, para “nascer, crescer, viver, trabalhar e morrer”, como lembra Maria sobre sua luta e das quebradeiras-irmãs. “O [nosso] umbigo estando enterrado aqui, a gente quer enterrar o umbigo dos filhos e dos netos”. E conclui, “A agroecologia precisa ser trabalhada em família, ser assegurada pelas leis e fortalecida. [É preciso] uma lei de terras e garantia de viver dos povos e das comunidade tradicionais”.