Consumido pelos indígenas na alimentação e para fins medicinais, o jaracatiá é também um resgate da história do Brasil e apresenta grande potencial gastronômico Fundada há pouco mais de três anos pelo são-pedrense Eduardo Speranza Modesto, atrás de inúmeras peças de artesanato, a Jaracatiá Doce & Arte guarda um real tesouro. Naquele reduto, a árvore do “fruto cheiroso”, na língua indígena, é a estrela da vez, e foi com o intuito de resgatar a cultura local que Eduardo deu forma e força ao projeto. Suas primeiras lembranças com o jaracatiá remontam à década de 1960, na casa da avó Tica, quando as crianças limpavam os frutos para que as mulheres os transformassem em doces. Típica da Mata Atlântica, a espécie Jaracatia spinosa, que ainda aparece na Amazônia e em outros países da América do Sul, era usada pelos índios na alimentação e para fins medicinais.
Após a chegada dos italianos, o fruto de seiva urticante foi para as panelas com açúcar, ficando conhecido, pelo dulçor e formato, como “tâmara brasileira”. Com o envelhecimento das doceiras e o desmatamento do bioma, a planta e seus derivados se tornaram raros. Instigado pelo sumiço, nos anos 1980, Modesto saiu pelas fazendas do Itaqueri em busca daquela que havia enchido de sombra e memórias sua infância. Dos troncos derradeiros, vieram as primeiras mudas.
“Hoje, de janeiro a março, coletamos sementes, produzimos mudas e distribuímos gratuitamente milhares delas”, diz Modesto. Quase 30 anos depois, os proprietários que desprezavam os frutos caídos no chão de terra se empenham
por sua sustentabilidade. “São mais de 40 produtores cadastrados. Eles entenderam que o jaracatiá é uma fonte de renda da família e voltaram a plantá-lo”, afirma, animado. O uso sustentável se dá pela técnica de manejo, que garante a extração consciente do caule para a confecção da “cocada paulista”.
Assim que os mamõezinhos-do-mato despencam devem ser coletados para a elaboração de compotas, ou congelados, a fim de garantir a produção anual. Segundo ele, a procura é expressiva, “A resposta é emocionante. As pessoas estão sedentas por algo que mostre sua raiz cultural”. As sementes do fruto macio, parecidas com as do maracujá, também são aproveitadas para o feitio das delícias. O sorvete é outra novidade que chegou para ficar e, em 2020, licor e cerveja devem sair do papel. Em 2019, a previsão é de que os subprodutos dessa planta tradicional estejam à venda na capital e, também neste ano, uma nova parceria com a ESALQ/USP está para se concretizar por meio do trabalho do professor Lindolfo Capelari, de aprofundamento do uso culinário e farmacológico.
Tão apaixonada quando Eduardo Modesto foi a Dra. Evanilda Próspero, autora da tese de mestrado “Caracterização da fruta do Jacaratia spinosa e processamento do doce de jaracatiá em calda com avaliação da estabilidade” (ESALQ/USP). Evanilda, quando líder do Convívio Piracicaba, foi responsável por inserir o produto na Arca do Gosto, juntamente com Eduardo. “Estivemos em Brasilia em 2010, apresentando o jaracatiá no Terra Madre. Ela escreveu um trabalho científico, mas com um lado muito pessoal, pois Evanilda também era da Serra do Itaqueri”, diz.
O fruto de baixas calorias está longe de ser apenas saboroso e versátil, como divulga o minimuseu localizado no espaço. “Com o jaracatiá, a gente faz um samba-enredo. Ele é tradição, por isso o prazer em revalorizar não apenas uma fruta e as receitas típicas, mas a história do Brasil”, afirma o entusiasta.
*Texto originalmente elaborado para publicação na coluna Slow Food da revista Prazeres da Mesa.