Apoiado pela MISEREOR através da Associação Slow Food Brasil, GT Educação atua junto à comunidades produtoras de alimentos em situação de desfavorecimento:
Um acampamento do MST no interior de São Paulo, uma comunidade urbana na periferia de Florianópolis, uma comunidade caiçara numa ilha do litoral paranaense. As três têm em comum o fato de produzirem alimentos bons, limpos e justos e fazerem parte do Projeto Caracol: fortalecimento, autonomia e participação social em comunidades produtoras de alimentos que encerrou com chave de ouro o seu primeiro ano de atividades junto às comunidades neste mês de dezembro. A iniciativa é um antigo sonho do GT Slow Food Brasil Educação, desenhado de forma colaborativa entre seus membros e comunidades envolvidas e que foi viabilizado com o apoio da cooperação internacional alemã MISEREOR através da Associação Slow Food Brasil.
“O Caracol é um projeto piloto com potencial de realização em todo o Brasil que leva ativistas do Slow Food ligados à educação, à exemplo de cozinheiras, nutricionistas, biólogos, historiadores, agrônomos, a interagirem com comunidades produtoras de alimentos em situação de desfavorecimento, através de sua estrutura “em rede” (Gabriella Pieroni, da Coordenação do Projeto). A ideia é que estes educadores criem e executem, juntamente com as comunidades, práticas que utilizam o alimento como ferramenta para educar, pensando na emancipação e transformação social, na troca de conhecimentos e no aprimoramentos da produção ecológica. Nesta primeira etapa, iniciada este ano, foi priorizada uma pequena amostra da diversidade de contextos: uma comunidade tradicional pesqueira, uma de agricultura urbana, um quilombo, um assentamento do Movimento Sem Terra (MST).
A atuação do Projeto Caracol na comunidade tradicional caiçara da Enseada da Baleia se deu entre os dias 6 e 9 de Dezembro, simultaneamente a um momento de grande importância para a mesma. A comunidade tem vivenciado um processo intenso de luta para a permanência no território, após a ocorrência de erosão costeira, que atingiu a Ilha do Cardoso bem próximo às antigas moradias. A realocação da comunidade vem ocorrendo desde o ano passado, quando os processos erosivos deram o recado do pior que estava por vir. Em agosto deste ano, a Ilha se rompeu, e graças à luta dos moradores e ajuda de muitos parceiros, conseguiram unir forças para a reconstrução das estruturas físicas. Neste momento em que o Caracol se torna um parceiro, a comunidade comemora a inauguração de uma estufa de secagem de pescados, como existia no passado. A ação do Caracol agregou a esse momento com atividades de sensibilização e memória de preparos e receitas de antigamente, assim como momentos de criação e reinvenção de preparos com base nos pescados produzidos na comunidade atualmente. A comunidade ofereceu a parceiros um lindo banquete-degustação com os produtos preparados coletivamente junto com a equipe do Caracol.
Em 14 e 15 de dezembro o projeto esteve junto à tradicional Festa da Família da Revolução dos Baldinhos na comunidade Chico Mendes, em Florianópolis. A rede slow Food local celebrou o Dia da Terra Madre encerrando um ciclo de atividades que alavancou um novo espaço comunitário com foco na temática alimentar, a Cozinha Mãe que foi inaugurada pela equipe da Revolução dos Baldinhos em outubro deste ano. Isto porque entre novembro e dezembro deste ano, a Cozinha Mãe passou por um processo de planejamento participativo e estruturação mediada pela equipe do Caracol com objetivo de fortalecer a autonomia comunitária.
Na sexta-feira, dia 14/12, Cláudia Mattos, educadora do GT Slow Food Brasil Educação compartilhou seus conhecimentos sobre aproveitamento total da bananeira, produzindo diversas receitas com a turma da Cozinha Mãe. Foi só o aquecimento para o sábado (15/12), quando a equipe comunitária da cozinha, composta por dezenas de crianças e mulheres e assessorados pela equipe do Projeto Caracol preparou um incrível banquete para cerca de 150 pessoas a partir da XEPA recolhida pelo SESC MESA BRASIL na CEASA da capital. A vivência em aproveitamento integral dos alimentos contou com pessoas de todas as idades e localidades que passaram pela preparação dos pratos que serviram cerca de 40 famílias da Chico Mendes, além de convidados, numa linda festa. Phillipe Belletini (Slow Food Mata Atlântica) que a seis anos organiza as Disco Xepas na comunidade esteve à frente da atividade.
Neste mesmo dia (15/12), em Ribeirão Preto/SP, o acampamento Paulo Botelho, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) recebeu a equipe Caracol, composta por Rafael Rioja (nutricionista do IDEC), Adriana Vernacci (Chef de Cozinha de São Paulo), Marina Vianna (ecóloga) sob articulação local de Fúlvio Iermano (educador alimentar de Batatais/SP) para trocas de experiências agroalimentares e agroecológicas. Durante todo o dia foram realizadas duas oficinas, uma com crianças e outra com adultos. As atividades foram pensadas a partir da ecogastronomia, soberania e segurança alimentar com foco na biodiversidade, tradições e saberes locais e fortalecimento da comunidade. Na parte da manhã, os participantes adultos abordaram temáticas relacionadas ao nível de processamento dos alimentos, aos hábitos alimentares e suas relações com a própria saúde. Em seguida, a chef Adriana facilitou a oficina de eco-culinária destacando a versatilidade da biomassa e da casca da banana verde, preparando e degustando maionese de biomassa com especiarias, caponata de casca com legumes, pão de biomassa. De tarde a “festa” continuou com as crianças da Ciranda do MST: brincadeiras sensoriais, apresentações lúdicas e preparo e degustação do bolo de cacau e coco com biomassa de banana verde.
Em 2019 o ciclo de oficinas terá continuidade de acordo com demandas levantadas com os membros do acampamento que se somarão a um contexto de bastante resistência para aqueles que lutam pela reforma agrária popular e agroecológica. A documentarista Sandra Alves, da Vagaluzes Filmes também em..esteve presente no acampamento fazendo registros para um documentário que está sendo realizado através do Caracol e conversando com Manuela Aquino dirigente estadual para educação do MST. Para ela, “é fundamental pensar a questão da alimentação de forma ampla, ela envolve saúde, autonomia financeira do produtor, como também é uma trincheira de luta direta contra o modelo do agronegócio e das indústrias alimentícia de produtos ultra-processados. Muito importante as iniciativas como as do Projeto Caracol de aproximar-se dos agricultores e também pensar a questão da alimentação adequada e saudável enquanto um processo formativo”.
As temáticas trabalhadas no Projeto Caracol ofertam um leque de possibilidades: oficinas com crianças e jovens, intervenções de promoção do alimento local em celebrações do calendário comunitário, formações em ecogastronomia, vivências em horta, compostagem e agroecologia, sensibilizações para o consumo consciente e responsável. O apoio à participação social de lideranças comunitárias nas políticas públicas ligadas à alimentação também faz parte das ações, estimulada pela parceira MISEREOR. A linguagem e metodologias do Projeto interagem também com as construções da política públicas de segurança alimentar e nutricional à exemplo do “Guia alimentar para a população brasileira” e o “Marco de Educação Alimentar Nutricional para políticas públicas”. Além do trabalho com as comunidades locais, o Projeto viabiliza também a organização em rede de educadores do Slow Food através de encontros presenciais, edição de uma publicação de práticas educativas (que está prestes a ser lançada) e gravação de um audiovisual sobre educação e alimentação.