De onde vem a tradição do peru de Natal? E quando foi que ele passou a ser comercializado apenas em versões turbinadas, cheias de antibióticos e já temperadas pela indústria? Não faz muito tempo que, infelizmente, deixamos de passar meses engordando perus caipiras para comer nas festas de fim de ano. Hoje, até nas cidades pequenas pelos interiores do Brasil e até em comunidades tradicionais, este hábito aos poucos está sendo substituído pelas aves congeladas de grandes marcas. Uma pena.
Na casa da minha avó materna, o papel principal era do leitãozinho assado com maçã na boca. Era lindo. (Pena que naquele tempo eu não sabia quão nobre eram suas bochechas.) Mas em uns poucos pares de décadas, tornou-se desagradável lembrar que o pernil e o lombo vieram de um ser com cabeça, língua e coração. Ano passado eu propus para amigos fazer uma cabeça de porco para a ceia de ano novo – pelo seu sabor e para mantermos ativa a consciência de que a carne que comemos vem de um bicho inteiro -. O único vegetariano topou de imediato, mas minha mãe não suportou a ideia. Ela cresceu com o leitãozinho de Natal. O que mudou?
Ao preparar a ceia para este ano, me preocupei em não chocar ninguém, mas me empenhei em apresentar possibilidades locais, adequadas para o nosso clima de verão tropical e com a utilização integral dos bichos. É essa a proposta que trago para o site do SlowFood. Muitas pessoas me perguntam como combinar nossos produtos nativos, tantos ingredientes maravilhosos que podem entrar no lugar de tradições importadas como castanhas e nozes quando temos a de caju, baru e tantas outras, frutas passas e não as frescas deliciosas, molhos pesados. Fica aqui a minha inspiração para vocês.
Maria Capai e o abacaxi colhido no quintal para a salada
Lentilhas crocantes com alecrim
Cozinhe a lentilha em água e sal. Quando estiver cozida, mas ainda levemente al dente, escorra a água e transfira a lentilha para uma tigela. Deixe esfriar.
Em fogo médio para baixo, aqueça uma frigideira antiaderente grande com um pouco de azeite.
Coloque uma camada fina de lentilhas, salpique sal e alecrim e mexa de vez em quando. Deixe no fogo até as lentilhas ficarem mais sequinhas e crocantes.
Para servir como na foto, faça pequenos cones de papel manteiga, fechados na lateral com
durex.
Queijos artesanais com mel de abelhas nativas
Aqui usei um queijo artesanal de cabra feito em Itamonte e um tipo Minas produzido em São Luiz do Paraitinga. Ambos curei um pouco em casa. Os meles são de abelhas nativas sem ferrão.
Sopa fria de pepino com iogurte, agrião e poejo
Ingredientes
3 pepinos médios picados, sem casca e sem sementes
1 xícara de iogurte natural integral ou grego
2 colheres (sopa) de suco de limão espremido na hora
1⁄4 de xícara de castanha-do-pará picada
1/2 xícara de agrião levemente pressionado
3 colheres (sopa) de azeite
algumas folhas de poejo hortelã
sal e pimenta-do-reino a gosto
para finalizar
vinagre balsâmico
alguns raminhos de poejo
Modo de fazer a sopa
Descasque o pepino e corte-o em pedaços, descartando apenas o centro com as sementes.
Em um liquidificador, ou mixer, colocque o iogurte natural, o pepino cortado em pedaços, o dill, as folhas de poejo ou hortelã, as castanhas, o limão, o agrião e o azeite. Bata até tudo estar bem triturado e homogêneo.
Experimente e ajuste os temperos conforme seu paladar.
Leve à geladeira por algumas horas.
Sirva porções individuais em pratos fundos, xícaras ou copos e finalize com gotas de vinagre balsâmico e um raminho de poejo.
Polvo com coalhada seca e páprica defumada
Para essa receita escolhi dois polvos pequenos, com menos de 1kg cada. Estavam mais baratos que os maiores e são tão bons quanto.
Encha de água uma panela que os acomode bem e leve para o fogo. Quando ferver, segure o polvo pela cabeça e o afunde na água. Tire da água e torne a afunda-lo. Repita uma vez mais e finalmente solte-o na panela. Deixe cozinhar por ao menos 30 minutos. A partir desse ponto, espete um garfo para checar o ponto: ele deverá estar macio, mas ainda oferecendo uma certa resistência. Estará pronto em menos de uma hora.
Escorra o polvo e deixe para finalizar na hora de servir. A água pode ser congelada para ser utilizada no cozimento de um arroz ou macarrão.
Aqueça um pouco de azeite em uma frigideira antiaderente ou chapa de ferro. Coloque o polvo inteiro, apertando suavemente com uma espátula para todos os tentáculos ficarem em contado com a chapa. Assim que dourar, vire e doure o outro lado. Finalizei com um pouco de manteiga com alho espremido. Coloque no prato de servir, acompanhe com coalhada seca e salpique sem economia páprica defumada.
Salada de abacaxi com cebola roxa e pimenta rosa
Fatie uma cebola roxa em rodelas finas e deixe de molho em um pote com água. Reserve.
Faça um molho misturando limão, azeite e pimenta-rosa socada. Misture bem até emulsionar.
Fatie um abacaxi em rodelas finas. Disponha em uma travessa. Escorra as fatias de cebola e salpique-as por cima. Regue com o molho e sirva.
Salada fria de macarrão com maionese de flor azulzinha (tumbergia azul)
Essa receita fiz pela memória afetiva que tenho de uma salada de macarrão e sardinha que minha avó materna preparava. No lugar do peixe, usei a tumbérgia azul, essa trepadeira tão comum, cujas flores tém sabor de cogumelo Paris fresco. Na hora de colher, certifiquem-se que seu cultivo não leva agentes químicos que não podem ser consumidos e chequem se trata-se de fato da tumbergia azul.
Fiz uma espécie de pesto, macerando castanha-do-pará, um dente pequeno de alho, pimenta-do-reino, sal grosso e as flores azulzinhas. Misturei com uma boa maionese caseira e com o macarrãozinho cozido.
Forrei uma tijela com plástico filme, coloquei o macarrão dentro e apertei com firmeza usando as costa de uma colher. Deixei na geladeira e só desenformei na hora de servir.
Peixe namorado assado na folha de bananeira com farofa de ovas e lulinhas
Peça ao peixeiro para limpar o peixe para assar.
Prepare uma espécie de vinagrete com cebola, tomate e cheiro verde, todos bem picadinhos. Junte suco de limão, azeite e sal. Experimente e ajuste o tempero conforme seu gosto. Aqui usei também o coentrão, ou coentro do mato, que tem o sabor quase idêntico ao outro mas é muito mais resistente para o cultivo no nosso clima.
Faça cortes transversais na pele do peixe e distribua esse vinagrete por todos os cortes e aberturas. Em alguns cortes, encaixe uma fatia fina de bacon. Envolva o peixe em folhas de bananeira*, ou em papel alumínio, e deixe descansar na geladeira por algumas horas.
Se quiser fazer uma farofa, prepare conforme sua preferência e recheie o peixe pela barriga. Essa fiz com a ova que estava dentro do peixe, esmiuçando a ova e refogando em azeite. Coloquei também a pele do bacon na frigideira para acrescentar sabor e gordura. Acrescentei manteiga e, em fogo baixo, deixei torrar um pouquinho.
Em paralelo, refoguei as lulinhas inteiras em azeite com alho (quando pequeninas, dispensam limpeza – no máximo a retirada da pena, aquela parte comprida e durinha que parece plástico – e isso as torna muito mais saborosas). Elas mesmas soltam a água necessária para o cozimento e em cerca de 4-5 minutos já estão prontas. Juntei as lulinhas e seu líquido à farofa.
Leve o peixe ao forno pré-aquecido em 180°. Cheque sua consistência em torno dos 20-25 minutos. O tempo variará de acordo com o peixe e seu tamanho. Sirva em seguida.
(*) Antes de usar a folha de bananeira, lave-a e depois passe direto na chama do fogão. Você a verá mudar de cor. Além de ajudar na higienização, isso torna a folha mais maleável e fácil de usar.