Querida rede Slow Food Brasil,
Frente ao resultado das eleições deste 1o turno e à polarização política em que nos encontramos, com o crescimento de discursos de ódio, violência e intolerância, e diante do debate que emerge em nossos canais de comunicação, se faz necessária e urgente nossa manifestação.
Vivemos um momento crítico, de sério risco à democracia. Enquanto ativistas por uma agricultura de bases agroecológicas e pelo reconhecimento e valorização da cultura alimentar dos povos e seus territórios, entendemos o ato de comer como um ato político. A busca coletiva pelo alimento bom, limpo e justo para todos só é possível de se realizar num Estado Democrático de Direito, por meio do diálogo com os mais diversos setores da sociedade e pela construção de políticas públicas que reconheça e valorize as nossas sociobiodiversidades.
Nos dois últimos anos foram notáveis os numerosos retrocessos nas políticas públicas para a agricultura familiar em nosso país, como o corte brutal no orçamento do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e o avanço de projetos de lei que flexibilizam a regulamentação de agrotóxicos.
Em plena Semana Mundial da Alimentação, data estendida do Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de outubro pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), nos deparamos com um cenário brasileiro preocupante, que vai na contra-mão do desenvolvimento social que o país vinha desfrutando. O programa mais importante de redistribuição de renda – Fome Zero/Bolsa Família – promoveu a inclusão socioeconômica de milhões de brasileiros, e serviu de inspiração para um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU e do tema do Dia Mundial de Alimentação 2018. Dados mais recentes levantados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) indicam o aumento da pobreza e extrema pobreza, respectivamente a índices de 4 e 10 anos atrás, nos fazendo muito provavelmente retornar ao famigerado a Mapa da Fome do qual acabamos de sair pela primeira vez em 2014. Tais índices decorrem das políticas de austeridade e perda de direitos ocorrida nos últimos anos.
Queremos que a agricultura familiar e a agroecologia tenham novamente um destaque nas políticas de Estado do Governo Federal e garantam a soberania, a segurança alimentar e nutricional, o acesso de produtos da sociobiodiversidade aos mercados, legislações sanitárias que protejam as produções artesanais, e a erradicação da fome até 2030, revertendo o quadro de retrocessos que sofremos desde 2016.
Diante do atual cenário, um olhar atento faz-se necessário. Ao compararmos os planos de governo e analisarmos os discursos dos presidenciáveis e suas equipes, percebemos que apenas um dos candidatos se mostra aberto ao diálogo e à construção democrática e participativa das políticas públicas, necessárias para superarmos os desafios da agricultura e alimentação.
O candidato Jair Bolsonaro sequer manifesta em seu plano de governo a palavra alimentação. Para a agricultura, tem olhos apenas para o agronegócio de produção de commodities e já demonstrou que está fortemente aliado à bancada ruralista, com a qual se mostra ideologicamente alinhado sendo favorável à flexibilização da regulamentação de agrotóxicos, à manutenção da lei Kandir (que isenta de IPI e ICMS os agrotóxicos), à qualificação de movimentos sociais como o MST como terroristas, ao fim do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, ao avanço das fronteiras agrícolas na Amazônia, à fusão dos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, além de um discurso racista que não respeita os direitos de povos indígenas e quilombolas, dentre outros pontos que consideramos grave. Como deputado, votou a favor de diversos projetos de lei que são verdadeiros retrocessos na pauta socioambiental, como a transferência ao poder legislativo da responsabilidade pela demarcação de terras indígenas (PEC 215) ou do fim da rotulagem de alimentos transgênicos (PL 4.148/2008), e na pauta dos direitos sociais como a Emenda Constitucional 95/2016, que impõe um teto dos gastos públicos do governo federal vinculando-o à inflação por 20 anos, mesmo que o país volte a crescer no período. No país em que mais se mata defensores da natureza e dos direitos humanos, ele pretende armar a população, o que certamente aumentará os já altos índices de violência no campo e na cidade.
Por outro lado, o plano de governo de Fernando Haddad se mostra um caminho para a transição ecológica, com clara preocupação com as temáticas da agricultura familiar e camponesa, da agroecologia, dos povos e comunidades tradicionais, do desenvolvimento territorial, da retomada do legado de políticas públicas para o setor, da democratização da terra e reforma agrária. Além disso pretende também regular o grande agronegócio a fim de mitigar os danos socioambientais e diminuir as disparidades entre os dois modelos de agricultura atualmente vigentes. Seu plano traz ainda a promoção da alimentação saudável, garantindo o Direito Humano à Alimentação Adequada, conforme consta em nossa Constituição Federal. O candidato conta também com seu histórico enquanto prefeito de São Paulo, onde implementou, dentre outras políticas, a lei que converte, até 2026, a merenda escolar do município em 100% orgânica e proveniente da agricultura familiar, garantindo melhores condições de aprendizagem aos alunos e fortalecendo a produção local.
Com a sociobiodiversidade deste país, temos o potencial de produzir mais alimentos e de melhor qualidade, cuidando da natureza e das pessoas. Não podemos ficar alheios aos retrocessos que estão afundando nosso país novamente nesse manto da fome. Precisamos resistir, fortalecer e seguir com os avanços.
Desse modo, o Slow Food é um movimento internacional que reconhece as conexões do que comemos com o planeta e as pessoas e para tal atua em prol do alimento bom, limpo e justo para todos. Nosso movimento está fincado nos territórios junto aos agricultores familiares, extrativistas, pescadores, povos indígenas e comunidades tradicionais, trabalhadores do campo e produtores artesanais. Sob nenhuma circunstância podemos deixar de apoiá-los e lutar com eles. Nossa base é formada por ativistas que defendem essas premissas e valorizam a sociobiodiversidade e a cultura alimentar, a educação alimentar e do gosto e o encurtamento de cadeias de comercialização, aproximando as comunidades produtoras e consumidoras. Por isso, no segundo turno das eleições presidenciais, a única opção que temos é por democracia e soberania com Fernando Haddad.
Associação Slow Food do Brasil