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Resultados da discussão do Grupo de Trabalho do Slow Food no quadro do I Encontro e I Simpósio Nacional sobre Queijos Artesanais de Fortaleza

A participação do Grupo de Trabalho do Slow Food sobre Queijos Artesanais nos eventos de Fortaleza permitiu um balanço da produção de queijos artesanais no Brasil, incluindo o modo de fazer tradicional, os principais problemas enfrentados pelos produtores e também a discussão sobre ações que podem ser feitas em defesa destes produtos.

foto simposio 2011 DSC 1037Ficou claro que os queijos artesanais de leite cru são um grande produto nacional, estão presentes em diferentes estados e regiões do país, envolvendo em sua produção milhares de produtores familiares cujo modo de vida e cultura dependem desse saber-fazer. Um ponto comum entre as regiões é a dificuldade de adaptação às exigências legais, sanitárias e fiscais, que além de caras e inacessíveis aos produtores de menor escala, descaracterizam os queijos. Como consequência dessa inadaptação à legislação vigente, a comercialização dos queijos artesanais se dá de maneira informal. Na discussão vimos que devemos privilegiar o uso do termo “informal” em substituição aos termos “ilegal” ou “clandestino” frequentemente empregados no que se refere aos queijos artesanais, tendo em vista mudar sua conotação negativa. Produtos ilegais são produtos proibidos (como drogas ou contrabandos), enquanto o setor informal caracteriza-se por atividades cujos processos de produção apenas não se enquadram nos padrões de regulação vigentes.

É importante frisar que há dois sistemas de valores diferentes que regulam os mercados formais e os informais/ tradicionais, cada um deles possui regras bastante específicas e a legislação precisa reconhecer estas diferenças. É preciso defender não somente os queijos artesanais mas, num âmbito mais geral, os saberes tradicionais e os sistemas tradicionais de produção e de comercialização, questionando valores que consideram que apenas “dados científicos” – entenda-se aqui como ciência aquela voltada apenas para o sistema industrial – são válidos enquanto conhecimento.

A legislação sanitária que regulamenta os queijos, o RIISPOA – Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária dos Produtos de Origem Animal –, como o próprio nome diz, é voltada para as indústrias e inadequada à produção artesanal. Ficou clara a necessidade de luta por uma legislação específica para os produtos artesanais, baseada em pesquisas sérias e imparciais. Ao mesmo tempo deve-se incentivar um diálogo local com a fiscalização sanitária, chamando a atenção de seus técnicos para esta causa.

Além das tentativas locais de sensibilização da inspeção sanitária é importante criar uma articulação nacional de luta pelo queijo artesanal, seguindo o exemplo de Minas Gerais que vem brigando pela legalização de seus queijos há alguns anos. Em 2002 foi criada no estado uma legislação específica que permite a fabricação dos queijos de leite cru (sem pasteurização), embora focada em algumas regiões do estado. Mas além das dificuldades que ainda persistem para os produtores se adaptarem à legislação estadual, aqueles que se adequaram ainda esbarram na legislação nacional e são impedidos de venderem seus queijos fora de Minas Gerais.

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A luta por uma legislação nacional específica para os produtos artesanais representa um passo importante, entretanto ela deve ter caráter geral e omitir detalhes de fabricação já que cada estado apresenta suas particularidades. A Lei n° 1.283, editada em dezembro de 1950 e que estabelece diretrizes para a inspeção industrial e sanitária dos produtos de origem animal está obsoleta. As legislações federal e estaduais precisam ser mudadas principalmente no que se refere às exigências de padrões microbiológicos, já que estes são definidos a partir de critérios estabelecidos para produções industriais de grande porte.

Sabemos que a questão legal dos queijos não é simples: há muita resistência. As mudanças na lei são lentas, por isso precisamos encontrar outros caminhos para a proteção imediata dos produtores e de seus queijos.

Algumas possibilidades de proteção têm sido consideradas, como o registro dos queijos como Patrimônio Cultural Nacional pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – e por órgãos estaduais de preservação do patrimônio (a exemplo dos queijos mineiros), assim como a Indicação Geográfica e a Denominação de Origem. Outro caminho para a salvaguarda é a realização de pesquisas, e o papel das universidades pode ser muito importante. Até agora a maioria das pesquisas sobre os queijos artesanais têm sido tendenciosas e mantenedoras dos padrões industriais. Há muito poucas pesquisas sobre os queijos tradicionais e por isso desconhecemos este nosso patrimônio cultural. É preciso incentivar e dar visibilidade a pesquisas que tragam novos enfoques, registrem e reconheçam o saber-fazer tradicional.

Mais do que tudo, é preciso informar e conscientizar o consumidor. Este precisa saber que, tradicionalmente, todos os queijos sempre foram feitos de leite cru, isso até o advento da pasteurização há cerca de um século e sua progressiva imposição de 60 anos para cá. Os consumidores precisam conhecer e valorizar a superioridade gastronômica dos queijos artesanais de leite cru. E precisam saber que não encontram estes queijos artesanais nas grandes cidades porque não se permite que sejam comercializados. É preciso desmistificar os “perigos” do produto artesanal divulgando pesquisas científicas que o defendam como alimento seguro, e relativizar a aparente “segurança” do produto industrializado. É preciso que os consumidores que querem ter acesso aos queijos (e outros produtos) artesanais tenham assegurado o seu direito de escolha.

Nesse sentido, palestras, eventos e degustações podem ser organizados para divulgação dos queijos artesanais e das dificuldades vividas pelos produtores. Pesquisadores, ONGs, chefs de cozinha e consumidores devem questionar as autoridades para terem o direito de adquirir esses queijos fora do seu estado de origem, a sociedade civil pode e deve se reunir para participar dessa luta já que os produtores artesanais estão sozinhos e precisam do nosso apoio. O incentivo e a permanência dos mercados informais são fundamentais para a sobrevivência no curto prazo dos produtores artesanais de queijo. É preciso construir a confiança dos consumidores, buscar mercados mais solidários.

Diante desse quadro, uma das principais propostas que resultaram dos dois eventos em Fortaleza foi a colaboração do movimento Slow Food, através do Grupo de Trabalho, para a criação de uma “Rede Nacional em Defesa do Queijo Artesanal de Leite Cru” – como dissemos no artigo anterior – reunindo todas as pessoas interessadas em apoiar esta causa, sejam elas dos mais diversos setores e formações: consumidores, produtores, chefs, técnicos, gastrônomos, estudantes, pesquisadores, entre outros. A proposta é, através de uma articulação nacional, pensar que passos podem ser dados com responsabilidade para encaminhar soluções aos problemas levantados; dar visibilidade ao queijo artesanal; buscar mecanismos e espaços de divulgação desta causa e sua permanente inserção na mídia; criar e fortalecer os mercados informais dos queijos; e, finalmente, enfrentar o problema da legislação.

Uma tarefa e tanto! Convidamos por isso todos a serem nossos parceiros nesta empreitada.


Bibi Cintrão e Denise Gonçalves são membros do grupo de Trabalho do Slow Food sobre Queijos Artesanais

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