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A formação do Grupo de Trabalho sobre Queijos Artesanais do Slow Food Brasil

O Grupo de Trabalho sobre Queijos Artesanais de Leite Cru do SlowFood tem sua origem num encadeamento de ações promovidas no ano de 2011 por diferentes grupos norteados por uma preocupação comum em relação à preservação desse importante ítem do nosso patrimônio alimentar.

Essa preocupação não é nova: a luta em defesa dos queijos de leite cru é uma das principais bandeiras do Movimento Slow Food Internacional que realiza a cada dois anos o Cheese, evento reunindo produtores de queijos artesanais de diferentes países do mundo. Em 2001, no 1º Cheese, foi lançado o Manifesto Internacional em Defesa dos Queijos de Leite Cru alertando para o risco de extinção destes queijos frente a leis e regulamentos internacionais discriminatórios, hiper-sanitaristas e homogeneizadores, que ameaçam destruir o meio de vida dos produtores artesanais e, por outro lado, restringem a liberdade de escolha dos cidadãos em comprar estes alimentos. Os queijos artesanais de leite cru, com texturas, sabores e aromas únicos e bastante superiores aos industriais, são preferidos por muitos consumidores pois a pasteurização destrói boa parte das características tradicionais dos queijos. O Manifesto questiona se estes padrões higienistas de fato servem para proteger a saúde humana, argumentando que a esterilização excessiva, além de destruir a saúde bacteriológica dos laticínios – e seu sabor – acaba debilitando o nosso sistema imunológico. Conclama as pessoas a agirem tendo em vista salvaguardar a diversidade e a complexidade dos alimentos regionais tradicionais e a estabilidade das comunidades rurais.

No Brasil, há alguns anos a preocupação com nossos queijos artesanais já se colocava para pessoas do Slow Food que percebiam a dificuldade cada vez maior de encontrá-los, mesmo em centros urbanos próximos às regiões produtoras. Em maio de 2011 a comissão brasileira da Arca do Gosto realizou, durante a sua reunião anual, uma “Roda de Conversas sobre Queijos Artesanais” para pensar ações em sua defesa. Nessa ocasião o Slow Food Brasil foi convidado oficialmente a apoiar a organização do I Simpósio de Queijos Artesanais do Brasil, uma iniciativa da Embrapa Agroindústria Tropical e da Emater-RS, previsto para novembro de 2011 em Fortaleza-CE.

Em função deste convite, começou-se a identificar e reunir iniciativas e pessoas vinculadas ao Movimento que tinham em comum a preocupação com a defesa dos queijos de leite cru no Brasil. Em setembro de 2011 foi oficializado o Grupo de Trabalho do Slow Food Brasil sobre Queijos Artesanais. O GT tem como norte o Manifesto Internacional e como objetivo realizar ações de divulgação e de salvaguarda dos queijos de leite cru brasileiros, considerados como emblemáticos dos problemas colocados pela legislação sanitária nacional para a manutenção dos alimentos artesanais e a sobrevivência dos produtores artesanais de alimentos. O grupo foi se ampliando e progressivamente agregando mais pessoas de diferentes formações e regiões do Brasil que se interessaram em colaborar, incluindo associados do Slow Food (líderes de convivium, membros da Arca do Gosto, gastrônomos, chefs de cozinha, etc) e pesquisadores com trabalho no tema. No processo de mobilização para o I Simpósio, o grupo identificou outros parceiros importantes, como a Ong Sertão Bras, que vem há muitos anos defendendo os queijos artesanais em Minas Gerais.

O Grupo de Trabalho contribuiu para a organização do I Simpósio de Queijos Artesanais fazendo sugestões sobre a programação, colaborando com a elaboração da “Carta de Fortaleza”, buscando ampliar a participação de produtores e produtoras artesanais de queijos no evento e inserindo atividades de defesa dos queijos sob a perspectiva tanto da salvaguarda da cultura quanto da valorização do saber-fazer tradicional, muitas vezes desconsiderado pelo saber técnico-científico. Um dos resultados foi o reforço à participação do IPHAN- Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional numa das mesas de conferências, outro foi a inserção da exibição do filme “O Mineiro e o Queijo” na programação oficial do Simpósio

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O Grupo de Trabalho viabilizou a ida de seus participantes e de produtores artesanais de queijo a Fortaleza e realizou, no dia anterior ao Simpósio, o I Encontro Nacional do Grupo de Trabalho sobre Queijos Artesanais do Slow Food Brasil, no qual participaram 42 pessoas, dentre elas doze produtores de sete estados diferentes que apresentaram o saber-fazer tradicional de seus queijos assim como as dificuldades e conquistas alcançadas em seus estados e regiões. Durante o encontro foram expostos e degustados queijos de vinte e cinco produtores, incluindo queijos de coalho e manteiga (requeijão) nordestinos, queijos coloniais de Santa Catarina, queijos serranos do Rio Grande do Sul, queijos mineiros da Canastra, do Salitre e da Mantiqueira e queijos Marajó, do Pará.

QueijosColoniais

 Também foi apresentado um vídeo de dez minutos com uma fala do vice-presidente da Fundação Slow Food para a Biodiversidade, Piero Sardo, saudando os participantes e falando da importância do Brasil se juntar à luta internacional em defesa dos queijos de leite cru.

QueijosNordestinos6

 

Consideramos que os dois eventos realizados em Fortaleza foram um marco para a defesa dos queijos artesanais no Brasil. Eles evidenciaram a diversidade de queijos existentes no nosso país e as ameaças colocadas para a manutenção do saber-fazer tradicional e do modo de vida das famílias que os produzem. Os dois eventos lançaram as bases para a criação de uma “Rede Nacional em Defesa dos Queijos Artesanais de Leite Cru” reunindo diversos segmentos como produtores, técnicos, consumidores, chefs de cozinha, pesquisadores, entre outros. O Grupo de Trabalho se consolidou e se ampliou desde então, mantendo a perspectiva de que a defesa dos queijos artesanais se insere numa luta mais ampla pela manutenção de um conjunto de alimentos artesanais tradicionais, hoje ameaçados por uma legislação sanitária que segue padrões internacionais ditados por interesses econômicos das grandes agroindústrias alimentares.

Num próximo artigo relataremos com mais detalhes as principais questões e debates evidenciados nos dois eventos.


Bibi Cintrão e Denise Gonçalves são membros do GT sobre Queijos Artesanais do Slow Food Brasil

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