O verdadeiro molho de soja

Mês passado, os sócios do Slow Food Xangai (China) redescobriram o antepassado do molho de soja moderno: um líquido encorpado e fermentado naturalmente. Criado na China há cerca de 3.000 anos, não tem muito a ver com a garrafinha que se encontra nas cozinhas e nas mesas dos restaurantes do mundo inteiro. A base de boa parte da cultura gastronômica de Xangai são alimentos refogados, cozidos, preparados na frigideira com este líquido salgado, cada vez mais difícil de encontrar na versão tradicional. Uma visita a Qian Wan Long, a fábrica que produz molho de soja tradicional, no bairro Pudong, foi o primeiro passo para saber mais.


Segundo a receita tradicional, três eram os ingredientes básicos do molho de soja – sementes de soja, sal e água – fermentados durante seis meses ou mais com fungos especiais. Às vezes, adicionava-se trigo também. Hoje, contudo, a maioria dos molhos de soja é feita em poucos dias, usando soja hidrolisada: as sementes de soja são fervidas em ácido clorídrico durante 15 a 20 horas para produzir um aminoácido que é misturado ao carbonato de sódio e filtrado antes de adicionar corante de cor caramelo, xarope de milho e sal, para tentar reproduzir o sabor do molho tradicional.

Em Qian Wan Long, a partir do final do século XIX, é produzido o verdadeiro molho de soja com métodos tradicionais. Infelizmente, o de Qian Wan Long é um dos últimos molhos artesanais, fermentados naturalmente, ainda comercializados na China. Uma arte em risco de extinção que, se desaparecer para sempre, mudará radicalmente a cozinha chinesa.

O molho de soja de Qian Wan Long não contém conservantes ou aditivos. O processo começa com a seleção das sementes de soja de alta qualidade, não modificadas geneticamente. As sementes são lavadas e cozidas antes de acrescentar farinha de trigo e de arroz, para permitir o amadurecimento do fungo Aspergillus Oryzae. Acrescenta-se, então, o sal, deixando o composto fermentar num recipiente de barro gigante, coberto com uma tampa cônica de bambu, durante aproximadamente um ano e meio. O produto de maior qualidade exige dois anos de fermentação para alcançar o amadurecimento correto.

A fábrica produz cerca de 100.000 garrafas de molho claro e de molho escuro ao ano. O molho de soja claro, feito com a primeira prensagem das sementes de soja, é ligeiramente mais salgado e ideal como tempero ou com verduras. A versão mais escura é mais densa e mais doce, pois envelhece durante um período mais longo e contém melaço, sendo geralmente utilizado para preparar a carne, como aquele prato maravilhoso, com carne de porco e ovos, que experimentamos no final da nossa viagem.

Como o vinagre balsâmico envelhecido, o molho de soja produzido tradicionalmente é mais caro do que o molho industrial. Pode ser difícil encontrar uma garrafa de molho preparado por um produtor tradicional, mas há marcas conhecidas que utilizam um processo de fermentação natural e que podem ser encontradas em lojas especializadas em vários lugares do mundo. A lista de ingredientes deve ser curta, sem aditivos ou conservantes, e deve estar escrito “fermentação tradicional/natural”, sementes “não OGM” e “orgânicas”.

Nos últimos 130 anos, não foi sempre fácil para a fábrica Qian Wan Long produzir o molho tradicional, sobretudo devido à concorrência dos grandes produtores e às dificuldades de atrair os jovens. Mas em 2008 as coisas mudaram, pois o processo de produção do molho de soja Qian Wan Long foi declarado um dos Patrimônios Culturais Imateriais da China. Hoje o produto é muito procurado, e foi inaugurado um restaurante que apresenta pratos preparados com o molho de soja tradicional de Xangai. Esperamos que isto seja um exemplo para outros produtores, para que mais pessoas possam apreciar o prazer do molho de soja autêntico.

Saiba mais:
Qian Wan (em chinês): www.qianwanlong.com
Clique aqui e leia “As 12 etapas para preparar o molho de soja fermentado tradicionalmente, de Qian Wan Long” (em inglês), no blog “Life on Nanchang Lu”.


Texto de Allison van Camp – Sócio Slow Food Xangai www.slowfood-shanghai.org

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