Fundador do movimento slow food se encanta com a variedade de alimentos encontrados no país

O Brasil, um dos países mais ricos do mundo em biodiversidade, está apenas na metade da descoberta de seu potencial gastronômico e patrimônio alimentar. A afirmação foi feita pelo jornalista italiano Carlo Petrini, presidente do slow food, que realizou sua primeira visita a Brasília para participar de atividades ligadas ao movimento que ele fundou 20 anos atrás. A reunião, que contou com 600 participantes, foi a segunda no Brasil do Terra Madre, o braço mais expressivo do slow food. A primeira edição do Terra Madre Brasil, aconteceu em 2007 também em Brasília. 

Lançada em 2004 para articular agricultores, produtores artesanais, cozinheiros, pesquisadores e consumidores em torno de sistemas de produção alimentar que reforcem a economia local, a Rede Terra Madre já está presente em 158 países. "Em seis anos, a rede se desenvolveu devagar, mas prosseguindo como o caracol (símbolo do Slow Food), que caminha lentamente", disse Petrini, para quem o valor do Terra Madre é que ele estimula a inteligência afetiva, "porque a inteligência racional só pensa em uma coisa: lucro". 

O dirigente italiano, que iniciou sua carreira no jornalismo gastronômico, não poupou críticas à política consumista, citando multinacionais como McDonald’s, Coca-Cola e Monsanto como pilares que formam o sistema alimentar industrial, que nos últimos 50 anos vem, segundo ele, levando à destruição do planeta. Aos 60 anos, o ex-militante esquerdista se inflamou no discurso de encerramento do encontro, realizado no fim de semana, na Funarte, para levantar bandeira contra o desperdício mundial. "Produzimos comida para alimentar 12 bilhões de pessoas, sendo que a população mundial é de 6 bilhões. Pedimos para a terra produzir mais, colocamos produtos químicos e depois jogamos tudo no lixo", declarou Petrini, acrescentando que, na Itália, 4 mil toneladas de alimentos são desperdiçados diariamente, enquanto que, nos Estados Unidos, são 22 mil toneladas diárias. 

A resposta para a destruição do planeta também está na terra. "Não há nada mais moderno que a agricultura local", afirmou Petrini, ao encorajar os participantes do encontro a investir na produção de pequena escala. O evento mostrou alguns resultados nesse sentido, como projetos ligados ao cultivo de alimentos e à preservação da Mata Atlântica. 

Paixão 
A palmeira-juçara, semelhante ao açaí da Amazônia e que dá um ótimo palmito, é um deles. Também apoiado pelo slow food, o cambuci oferece largo potencial de uso na gastronomia, como na preparação de sorvete, geleia, bebida frisante, além do tradicional uso na cachaça. Tido como antioxidante – combate radicais livres e possui vitamina C -, o cambuci cresce na Serra do Mar, em São Paulo, onde é também nome de bairro. 

Outra fruta que é pouco conhecida no país é a jaracatiaia, que sequer consta do dicionário. Original da Serra de São Pedro, na Mata Atlântica, a fruta nativa é usada em compotas e também como doce cristalizado. Ainda na pauta do movimento, licuri, mangaba, baru, jatobá, pequi, cagaita e outros. Diante de sabores tão exóticos apresentados e defendidos por quem os manipula, o diretor do slow food declarou: "A paixão que os pesquisadores têm pelos produtos é a coisa mais bonita que já vi até agora". 

Outros sabores 
Não foi só o sabor doce, cítrico e ácido das frutas que tomou conta das salas de degustação do Terra Madre, mas também o picante das pimentas. Braulina Baniwa, uma bonita indígena de 24 anos, trouxe da Amazônia a pimenta em pó cultivada na roça por 150 mulheres que participam de um projeto apoiado pelo slow food. Elas plantam, colhem e socam no pilão até transformar a pimenta em pó, que é acondicionada e vendida com o nome de Pimenta Baniwa, Alto Rio Negro-Amazonas. "A gente leva três dias de Manaus à aldeia, rio acima", informa a índia, que tem e-mail ([email protected]), celular e coordena a atividade das mulheres, cujo artesanato já chegou às lojas de decoração do centro-sul do país, enquanto a pimenta – há 43 tipos catalogados – ainda "encontra dificuldades para entrar no mercado", resume Braulina. 

Produtos como frutas e pimentas seduziram os chefs que participaram do evento. Eles propuseram atuar como ponte entre a agricultura familiar e os restaurantes. Na ecogastronomia, chefs exploram os benefícios do sabor natural. Entre os mais conhecidos está a americana Alice Waters, vice-diretora do slow food, que há muitos anos levantou a bandeira em defesa dos produtos orgânicos. Sua última façanha foi convencer o presidente norte-americano, Barack Obama, a ter uma horta orgânica na Casa Branca.

Em Brasília, também esteve cozinhando pela primeira vez o chef David Hertz, responsável pelas refeições servidas durante os três dias do evento. Dono da grife Gastromotiva, Hertz ganhou prêmio nacional por ter se destacado na área de empreendedorismo social. Nas caçarolas, "só o bom, o limpo e o justo", garante ele, citando um lema do movimento. 

 


Receita 

# Frango caipira ao molho de pequi 

Ingredientes 
1 frango caipira de cerca de 2kg com os miúdos 
3 cebolas médias 
6 dentes de alho 
100g de alho-poró 
200ml de vinho branco seco 
2 folhas de louro 
Talos de salsinha 
Talos de cebolinha 
1 pedaço de salsão 
cortado ao meio 
Pimenta-do-reino moída na hora 
1 pedaço de pimenta-dedo-de-moça 
Alecrim fresco 
1 pedaço de cúrcuma fresca ralado ou 1 colher (chá) dela em pó 
1 tablete de caldo de frango 
Sal em pequena quantidade 
2 colheres (sopa) de azeite extravirgem 

Modo de fazer 
Lave bem o frango com vinagre. Corte-o nas juntas, escalde rapidamente e escorra 

Pique os temperos grosso modo, exceto o pedaço de salsão. Misture bem com os pedaços do frango, o vinho e coloque para marinar em recipiente de vidro, aço ou plástico na geladeira por 24 horas. Misture vez por outra 

Retire os pedaços de frango do molho, escorra e refogue lentamente em óleo, com um pouco de azeite. Ajuste o sal durante a fritura. Coe o tempero e refogue a parte sólida, exceto o salsão, com o frango dourado 

Coloque o salsão e o caldo aos poucos e deixe cozinhar em fogo baixo. Acrescente água ou caldo de frango. Retire o salsão e termine o cozimento com o caldo espesso 

# Molho 

Ingredientes 
200g de polpa da fruta escolhida* (neste caso o pequi) ou meio quilo da fruta madura 
1 cebola 
2 dentes de alho 
3cm a 5 cm da parte branca do alho-poró 
Sal e ajinomoto em partes iguais 
1 pitada de pimenta-do-reino-branca 
100g de salsão (só a parte branca) 
1 talo de erva-doce 
2 colheres (sopa) de temperos verdes frescos 

# O molho pode ser preparado também com cagaita ou murici, no lugar do pequi 

Modo de fazer
» Bata no liquidificador os temperos e refogue-os sem dourar
» Coloque um pouco de água e vá colocando aos poucos a polpa escolhida, deixando cozinhar
» Experimente com frequência até sentir que está no ponto de acidez desejada
» Não deixe ficar muito ácido. Se ficar, pare com a polpa e corrija com cebola picada
» Sirva o molho quente no fundo do prato sob o frango ou regue-o generosamente 


» Outra receita: Arroz com Guariroba 

Ingredientes 

2 xícaras (chá) de palmito de guariroba natural ou conserva (igual a gueroba) 
2 cls (sopa) de azeite 
Meia cebola 
3 dentes de alho picados 
2 xícaras (chá) de arroz parboilizado 
Meia xícara (chá) de vinho branco seco 
5 a 6 xícaras (chá) de caldo de frango quente (natural ou tablete) 
1 cl (sopa) de manteiga 
Sal e pimenta-do-reino a gosto 

Modo de fazer 

» Limpe o palmito de guariroba e fatie toda a parte macia. Numa panela grande e rasa, refogue-o no azeite junto com parte da cebola e o alho. Acrescente um pouco de caldo do frango e deixe cozinhar de 2 a 3 minutos. Não deixe desmanchar as fatias ou lascas do palmito, retire-os da panela e reserve. 

» Na mesma panela, refogue o arroz com o restante da cebola e alho. Mexendo sempre, acrescente o vinho branco até evaporar. Junte 1 xícara do caldo do frango e continue mexendo com frequencia até evaporar novamente. E vá colocando aos poucos o caldo sempre que estiver secando. 

» Quando o arroz estiver quase no ponto, acerte o sal e antes de terminar o caldo do frango, devolva a guariroba e misture bem. 

» Quando perceber que o arroz está no ponto, a guariroba ao dente, junte a manteiga e mexa rapidamente para pegar brilho. Sirva imediatamente. Se desejar, polvilhe o arroz com queijo do cerrado e salsa picada.


Texto de Liana Sabo, publicado no CorreioWeb em 25/3/2010

 

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