Ética e prazer na alimentação

Especial para O POPULAR

Brasília – Em uma segunda edição mais madura e produtiva que a primeira, o Terra Madre Brasil reuniu mais de 500 pessoas no último fim de semana, em Brasília. O objetivo foi promover a articulação entre os membros da rede de mesmo nome, formada por pequenos produtores agrícolas, chefes de cozinha e acadêmicos, além de associados ao movimento Slow Food, que promoveu o evento. Os temas discutidos iam desde a educação alimentar, passando pelo consumo consciente e o estabelecimento de formas de comercialização de alimentos.

Entre os goianos, o encontro recebeu representantes dos descendentes de quilombolas que produzem a marmelada de Santa Luzia, em Luziânia; produtores da castanha de baru, de Pirenópolis; agricultores orgânicos do município de Padre Bernardo; e professores e estudantes do curso tecnológico de gastronomia da Universidade Estadual de Goiás (UEG). "Houve um aumento na participação de representantes do Centro-Oeste, agora precisamos dar continuidade a essa rede", afirma Kátia Karam, professora de antropologia da alimentação na UEG e líder do convívio do Slow Food (veja quadro) em Pirenópolis – cidade goiana com o maior número de participantes. "Também houve entrosamento maior e, consequentemente, um melhor aproveitamento do encontro", completa.

Sob o mote do alimento "bom, limpo e justo" e a égide da ecogastronomia (veja quadro), agricultores e extrativistas de regiões tão distintas e distantes quanto a localidade de Cabeço, no Rio Grande do Norte, e Palhoça, em Santa Catarina, ofereceram a degustação do mel da abelha nativa Jandaíra, da bijajica (um tipo de cuzcuz) e do licuri (um pequeno coco encontrado na Bahia), durante a Feira da Identidade Alimentar, que fazia parte da programação. Representando Goiás, esteve presente a já famosa castanha de baru, que é uma "fortaleza" da Fundação Slow Food para a Biodiversidade – projeto que auxilia produtores a preservar seu trabalho.

O evento foi o primeiro contato de William Rocha, chefe de cozinha da Pousada dos Pireneus, em Pirenópolis, com a rede Terra Madre. "Muitas vezes a gente quer trabalhar com produtos do Cerrado e não tem acesso, não sabe onde comprar", diz. Por isso, conhecer a Central do Cerrado, organização que funciona como ponte entre produtores comunitários e fornecedores que participou do encontro, já lhe valeu a viagem até a capital federal.

Planeta
Carlo Petrini, jornalista que fundou o Slow Food, há 20 anos, participou do encerramento do Terra Madre, na tarde da segunda-feira. Segundo ele, nos últimos seis anos a rede Terra Madre, atuante em 158 países, se desenvolveu muito. "Lentamente, mas adiante", define.

Para o italiano, a produção industrial de alimentos é a maior responsável pela destruição do planeta. "Os carros também são responsáveis, mas o sistema alimentar é mais", afirma. Por isso, Carlo Petrini defende a pequena produção tradicional e diversificada, embora reconheça a dificuldade da proposta. "A força da publicidade é enorme, e as crianças passam horas em frente à TV. Temos um grande trabalho pela frente".

Outra ideia cara aos preceitos do Slow Food é o papel desempenhado pelo consumidor. "O consumo é a última parte do processo produtivo", afirma Petrini. Não é uma prática à parte. Afinal, com seu poder de escolha é o consumidor que patrocina este ou aquele tipo de produção. "Àqueles que dizem que o Slow Food é elitista e que os alimentos orgânicos são caros, digam-lhe que, na realidade, o alimento industrial é que é o mais caro", diz. "Ele destrói o solo, consome muito dióxido de carbono no transporte, acaba com o lençol freático e, o mais importante, é danoso à saúde".

No encerramento, também participaram o presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Sérgio Mamberti; o secretário de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Humberto Oliveira; o representante do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), Willem Bettink; entre outros. Ao final, uma apresentação musical, com o Coral Guarani Tenode Porã (São Paulo) e o grupo de forró da Fortaleza do Umbu (Bahia), fechou o encontro com chave de ouro.

Balanço
Entre os resultados concretos do 2º Terra Madre, projetos nascidos nos corredores ou dentro da própria programação, e a proposta de criação de uma certificação socioparticipativa, que seria levada adiante pelos próprios produtores. Isso porque as certificadoras cobram caro pelo serviço, muitas vezes impondo regras estranhas à realidade dos agricultores. Também foram organizadas reuniões entre as diferentes categorias de participantes, assim como encontros regionais.

"Com esse evento, a gente conseguiu fortalecer muito o movimento e possibilitar o intercâmbio de informações", afirma Lia Poggio, coordenadora do Slow Food para a América Latina. Segundo ela, o apoio do Ministério da Cultura, dado ao Terra Madre pela primeira vez, foi fundamental. "O Slow Food é um movimento gastronômico e político, mas sobretudo cultural". O movimento está presente, hoje, em 192 países.

Mais informações:
Livro: Slow Food – Princípios da Nova Gastronomia, de Carlo Petrini, editora Senac SP
Site do Terra Madre Brasil: www.terramadre.slowfoodbrasil.com
Site do Slow Food Brasil: www.slowfoodbrasil.com
Blog Nós Consumimos: www.nosconsumimos.wordpress.com

Conceitos do Slow Food:

Bom: Relacionado ao sabor e ao aroma do alimento, frutos de boas matérias-primas e métodos de produção.

Limpo: Com respeito ao meio ambiente, a partir de práticas sustentáveis de produção do alimento.

Justo: Diz respeito às condições de trabalho e à remuneração do pequeno produtor.

Ecogastronomia: Ética e prazer na alimentação, com respeito ao agricultor tradicional e com o uso sustentável da biodiversidade.

Convívio: Grupo local do movimento, que promove encontros para desfrutar e colocar em prática os produtos e as ideias do Slow Food.


Texto de Elisa Almeida França para O POPULAR (de Goiânia)

 

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