O Mucajá é uma palmeira de ampla distribuição geográfica, cientificamente denominada Acrocomia aculeata. O fruto homônimo, conhecido no Brasil por diferentes nomes de acordo com a região de ocorrência, já está catalogado na Arca do Gosto como Bocaiúva.
O mingau de Mucajá é uma comida típica de Ourém, no estado do Pará, tradição fruto da miscigenação de ribeirinhos e índios Tembé que habitam regiões adjacentes ao município. Produzido somente durante três meses do ano, com início em setembro quando os frutos começam a amadurecer, a iguaria é vendida todos os finais de tarde na praça do mercado de Ourém pelo senhor Osvaldo da Cruz de Souza Neri, o Sr. Vavá.
A palmeira do Mucajá não costuma ser plantada. Os frutos utilizados para o preparo são retirados da natureza. Segundo o Sr. Vavá, a receita só funciona com o Mucajá “caído”, caso contrário, com o Mucajá “apanhado”, o gosto é alterado, já que o fruto colhido não está suficientemente maduro.
Para uma receita, 50 mucajás são cortados em pedaços, “até ficar bem destruído para poder socar”. Os pedaços são pilados até um ponto em que o fruto começa a “soltar uma baba”. Para secar a subsistência viscosa, o segredo é o uso de caranguejos “Araru” – crustáceo nativo da região – na receita. Os caranguejos, pescados no rio Guamá, são colocados vivos na mistura e pilados com a popa da fruta. De acordo com o Sr. Vavá, “os caranguejos têm que ser pilados vivos senão o preparo pode desandar”. “A ciência de cortar a baba com Araru aprendi com a minha avó que aprendeu com a avó dela que era índia Tembé”. Depois de uma hora e meia de trabalho no pilão a massa, já homogênea, é retirada. Em uma vasilha, a massa é completamente coberta com água e novamente amassada. Dessa vez com a mão, que é “para soltar o gosto”. A seguir, a mistura é peneirada, resultando em um caldo amarelo, com cor de tucupi. A massa sólida é sucessivamente pilada, hidratada e coada até que polpa e castanha do Mucajá estejam completamente dissolvidas no caldo amarelo.
Todo o caldo obtido com o processo é levado ao fogo e fervido. No líquido fervente o Sr. Vavá adiciona 1kg de arroz, dois bons punhados de sal e aguarda o caldo engrossar. No caldo grosso é acrescentado 1kg de açúcar. O resultado é um mingau único, de textura aveludada e que carrega a emblemática saberia ancestral da cozinha Amazônica.
O aroma do mingau é tão intenso que pode ser sentido pelos moradores de Ourém que passam perto da casa do Sr. Vavá. Ao sentirem o cheiro, costumam parar para perguntar que horas começa a venda. Segundo a crença popular, a amêndoa do Mucajá tem poderes afrodisíacos para as mulheres, as quais, quando novas, são proibidas de comer as castanhas ou tomar o mingau.
Cortar, pilar, hidratar e coar: a sequência de ações para o preparo do mingau de Mucajá
(Foto: Tainá Marajoara)
Apesar das propriedades nutricionais, o baixo valor de mercado da palmeira e dos frutos faz com que não exista plantio comercial. O avanço das atividades agropecuárias na região pressiona as florestas, fazendo com que esteja cada vez mais difícil encontrar Mucajá no entorno de Ourém. Agrava esse quadro o fato da mineração ser a principal atividade econômica do município, o que tem proporcionado intenso assoreamento do rio Guamá e seus afluentes. Eles são o habitat no carangueijo Araru, elemento essencial para o preparo tradicional do mingau.
Ainda mais relevante que o risco de desaparecimento dos recursos naturais utilizados na receita é o risco de desaparecimento do saber fazer. A falta de interesse e de incentivo aos jovens moradores de Ourém, mesmo da família Neri, podem interromper a transmissão cultural que resguarda a receita há muitas gerações, podendo ser o Sr. Vavá o último fazedor de Mingau de Mucajá em Ourém.
Indicação: Tainá Marajoara
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