O cacau é fruto do cacaueiro, uma árvore de médio porte – 4 a 8 metros – de folhas longas, aproximadamente 30 cm, cujos frutos medem entre 15 e 30 centímetros de comprimento por 7 a 12 centímetros de circunferência, com formato elipsoidal, composto por 30-40 amêndoas
É um fruto originário de regiões pluviais da América Tropical, e ao se espalhar deu origem a dois grupos importantes: o crioulo e o forasteiro. Esse último foi o que se espalhou pela Bacia Amazônica e é considerado o verdadeiro cacau brasileiro, com frutos ovóides, superfície lisa, imperceptivelmente sulcada ou rugosa, e sementes roxas.
Uma mutação no forasteiro deu origem ao cacau catongo, de sementes brancas, descoberto na Bahia. Foi no sul desse mesmo estado em que o cacau melhor se adaptou, chegando a ser responsável por 95% da produção de todo o cacau do Brasil.
Na Bahia, o primeiro registro histórico do cacau ocorreu no ano de 1655, quando D. Vasco de Mascarenhas enviou uma carta ao capitão-mor Grão-Pará, falando sobre sua afeição ao fruto. Em 1746 foram realizados os primeiros cultivos de cacau no sul da Bahia, especificamente no município de Canavieiras. Em 1752, o cultivo chegou em Ilhéus, sendo desde então a cultura que característica dessa região. Tendo se adaptado com muita facilidade na Mata Atlântica baiana, chegou a ser, nas primeiras décadas do século XX, o mais importante produto de exportação desse estado.
Após a incidência da vassoura-de-bruxa na região, uma doença dos cacaueiros causada por um fungo basidiomiceto que diminuiu consideravelmente a produção local, foram inseridas variedades mais resistentes ao fungo, dentre as quais destacam-se a Theobahia e os clones CEPEC 2002-2011, que fazem parte do cultivo em muitas áreas de produção da região.
A região cacaueira da Bahia desenvolveu saberes e experiências locais que fundamentaram um modelo único de agricultura – o sistema cabruca. O plantio tradicional do cacau no sul da Bahia seguiu o sistema de “mata cabrucada” que é caracterizado pelo plantio do cacau sob a sombra das árvores da Mata Atlântica e é utilizado na região por mais de 200 anos. Essa prática foi utilizada inicialmente pelos primeiros imigrantes, podendo assim o sistema cabruca ser considerado um precussor dos atuais sistemas agroflorestais.
Frequentemente o cacau cabruca está associado ao cacau orgânico. Entretanto nem todo cacau cabruca é orgânico, já o sistema cabruca indica o plantio do cacaueiro sob as árvores nativas da mata, sendo facultativo o uso de agrotóxicos ou outras técnicas para controle de pragas. No entanto, com o objetivo de produzir frutos bons, limpos e justos, de base agroecológica, grande parte das comunidades e fazendas no sul da Bahia produz cacau cabruca orgânico.
Tudo isso explica porque a região é conhecida como a Região do Cacau, tendo inclusive grandes escritores como Jorge Amado contando sobre sua história, de modo que o cacau é um legado cultural e histórico da região. Assim, grande parte do turismo é regida pela fama do cacau e o seu produto mais famoso, o chocolate.
Por esse histórico e pela produção de cacau no sistema de “mata cabruca” ter sido uma das grandes responsáveis pela preservação do que resta da Mata Atlântica no Brasil, o cacau está fortemente ligado a tradição dos povos que por lá habitam, contribuindo também com a questão ambiental ao passo que apresenta uma produção sustentável.
Porém o agronegócio, através dos grandes latifúndios de monoculturas de eucalipto, café conilon e a pecuária extensiva, tem ameaçado esse patrimônio através da queima, desmatamento e consequentemente, substituindo a produção do cacau.
A colheita do cacau é realizada em duas fases: a safra (setembro a fevereiro) e a temporão (março a agosto). No processo são escolhidos apenas os frutos maduros, indicado pela coloração amarelada da casca e o som emitido pelo fruto ao receber choques mecânicos. Após a colheita ocorre a quebra do cacau, em que os trabalhadores quebram o fruto com a ajuda de um facão e removem sua polpa. Em seguida, toda a polpa coletada é colocada em caixas para o transporte até o beneficiamento, usualmente realizado nas próprias fazendas. A quebra do cacau geralmente acontece na própria mata e é um espaço de diálogo e momento social das comunidades, já que o trabalho é coletivo e dividido por atividades.
O beneficiamento primário da polpa do cacau consiste na fermentação alcoólica, retirando a polpa e aperfeiçoando as características organolépticas. Essa etapa é realizada em caixas em um ambiente controlado. Após aproximadamente sete dias, toda a polpa foi removida, restando amêndoas de coloração escura. A remoção da polpa resulta também no mel de cacau, que é o líquido que escorre das caixas. Para esse processo são utilizadas duas técnicas: as amêndoas podem ser espalhadas em um plano inclinado ou são utilizadas caixas com furos para a fermentação. Então, as sementes passarão pela segunda etapa do beneficiamento: a seca. Dada as elevadas temperaturas e umidade na região do sul da Bahia, este processo é comumente realizado em instalações chamadas barcaças, uma espécie de casa com teto móvel, onde as amêndoas são espalhadas em bandejas e expostas ao sol. Este processo dura cerca de uma semana, dependendo das condições climáticas do período. Em tempos chuvosos podem ser utilizadas estufas. A partir da seca, a amêndoa do cacau já está pronta para ser utilizada das mais diversas formas, desde o nibs até chocolates internacionalmente conhecidos.
A inserção do cacau cabruca na Arca do Gosto tem o objetivo fortalecer o cultivo do cacau agroecológico no sul da Bahia, uma vez que está relacionado a toda cultura local e representa uma importante fonte de renda para as famílias agricultoras e toda a economia regional e nacional, sendo potencialmente exportável. Dessa forma, rituais tradicionais como a quebra do cacau e o manejo familiar do cacau não serão perdidos para as próximas gerações. Mais que um método para aperfeiçoar a produção, a cabruca é um importante mecanismo de proteção do bioma da Mata Atlântica, coexistindo com mais de 250 espécies de plantas e animais, como o mico-leão-de-cara-dourada, que está sob ameaça de extinção. Ademais, estudos recentes comprovam a redução na emissão de carbono para atmosfera, comparado aos demais tipos de manejo.
Então, diante de sua importância e da realidade que tem passado a produção de cacau nessa região, a sua preservação é de suma importância para fortalecer a tradição cultural dos povos, inclusive muitas das etnias indígenas que se somam nessa contribuição a conservação da Mata Atlântica e fortalecimento de grupos que já se organizam nesses territórios (como a TEIA dos Povos).
Os indígenas já preparavam infusões das amêndoas do cacau e misturavam com plantas como a pimenta e a baunilha. Depois acrescentou-se o açúcar e foi consumida como bebida. Hoje é apreciado em várias receitas, da barrinha de chocolate (a mais famosa) a ingrediente de bolos, biscoitos, tortas, licores, mel de cacau, nibs, cocada, licor, manteiga, amêndoas caramelizadas, etc.
Muitas comunidades da região utilizam o cacau para consumo próprio e venda em feiras livres para complemento de renda. Tais produtos são, geralmente, de baixo valor agregado, como a cocadas, geleias e licores.
As barras de chocolate, um dos produtos mais famosos e cobiçados, tem sido produzidas e vendidas por algumas grandes empresas, tendo uma baixa porcentagem de cacau, de modo que no Brasil, a maioria conhece o chocolate como uma especiaria feita em sua parte com gordura vegetal e açúcar. Em contra partida, há chocolates artesanais sendo produzido por pequenos e grandes produtores que vêm resgatando o gosto do cacau e do chocolate original – com o chocolate produzido a uma porcentagem de 56% a 90% de cacau.
O gosto forte e amargo, acompanhado do cheiro característico, tornam esses chocolates irresistíveis. O produto orgânico ainda tem sido pouco produzido, de modo que é importante ressaltar a sua produção num modelo agroecológico, garantindo qualidade, sabor, bem social e ambiental.
Existem comunidades indígenas que cultivam cacau no sul da Bahia no sistema de cabruca orgânico, tais como a comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro localizada no município de Buerarema. Em alguns assentamentos rurais localizados no Sul da Bahia, como o Terra Vista localizado no município de Arataca, encontram-se iniciativas de agricultores familiares com produção de cacau cabruca agroecológico, sendo referencia regional.