A revolta dos malês e a comida baiana

por Patrícia Nicolau e Ednilson Andrade, integrantes do coletivo Antirracismo Slow Food

A revolta constituída de quase 600 homens, majoritariamente muçulmanos e africanos – por isso malê oriundo de imalê que, na língua iorubá, significa muçulmano – se deu na madrugada de 24 para 25 de janeiro de 1835, com o objetivo de conquistar a liberdade. Esse fato abre caminhos para um ciclo de grandes revoltas contra o regime escravista.

A cidade de Salvador era a região mais atuante do país e a imposição religiosa do catolicismo, naquele período, sobrepujava a fé natural desses homens, colocando-a em segundo plano. A ideia central era transformar a Bahia, em um território islâmico, controlado pela África e derrubar o governo vigente na época, através de um genocídio dos brasileiros presentes alí, fossem eles brancos, mulatos ou negros. 

O plano elaborado nos mínimos detalhes, fora abortado por uma denúncia e fez as ruas da cidade ganharem outro cenário e a região de Água de Meninos – atual local da feira de São Joaquim – sendo esse o lugar da última batalha, revelando corpos que tentaram sobreviver à traição.

Uns embrenharam-se pelas matas e montanhas vizinhas; 
outros salvaram-se a nado; 
outros pereceram afogados; 
outros enfim foram mortos pelos marinheiros 
(Ignace, 1907, p.133)

Foram vários os destinos aos acusados pelo motim; prisão, prisão com trabalho, açoite, morte ou deportação para África para aqueles já libertos. A pena do açoite variava entre 300 a 1200 chibatadas, distribuídas em dosagens mas, claro que muitos morreram em meio à sentença. Com a pena de morte para 16 condenados, 12 conseguiram permuta e os outros 4 foram executados e, dessa forma, finda-se a revolta escrava mais turbulenta da história

Depois desse feito, já tendo sido noticiado em quase todo país, através dos jornais, a perseguição das autoridades para os africanos passou a ser redobrada e com punições desmedidas. Naquele período, Salvador abarcava em 78% da sua população, negros africanos, afro-descendentes e escravos livres. Os escravizados eram oriundos de diversas partes da costa africana. Mas, particularmente os envolvidos na revolta eram originários do Benin, sendo classificados, segundo a sua língua materna.

Precisamente, somavam-se 30% dos falantes de iorubá, sendo esses muçulmanos. Salvador tinha um economia debruçada na escravidão, os campos de cana-de-açúcar e fumo presentes na região do Reconcavo eram os monocultivos que sustentavam os mercados europeus e possibilitava a compra de escravizados.

Os negros desembarcados aqui eram destinados a todos os tipos de ofícios, do arrado à cozinha, e dos trabalhos manuais ao cenário urbano das ruas, sendo os pioneiros para o desenvolvimento do estado da Bahia, sobretudo a cidade de Salvador, assim como resgistra Manuel Querino, em sua obra, A arte Culinária na Bahia, ao citar com detalhes os oficios desenvolvidos na região. 

E citando Querino, que retrata bem sobre a culinária da Bahia, os malês foram a principal influência para a formação da culinária baiana e brasileira mas, em contrapartida, viveram a realidade da insegurança alimentar, assim como podemos observar no mundo contemporâneo que vivemos. A não alternância nas variedades dos tipos de alimentos, causando o nutricídio que se estende até hoje, revelado em deficiências vitamínicas e diversas doenças crônicas.

A cultura alimentar islâmica se expandiu para diversas partes da Europa e África, fundamentando eixos bastante definidos e disseminando o uso de técnicas, comportamento à mesa e vários alimentos, entre eles o café, bebida de uso comum e social em diversas partes do mundo e é proveniente dos moldes islâmicos,  em substituição à outras bebidas porque entre os muçulmanos, não se faz uso de bebida alcoólica.

Outro ponto de grande relevância adotado dessa cultura, como referencial na alimentação, é a relação da comensalidade, técnicas e diretrizes para o preparo e o cuidado higiênico sanitário com os alimentos, por isso as negras escolhidas para estarem à frente das cozinhas urbanas são as de origem muçulmanas ou com influências islâmicas.

Com certeza, a expansão islâmica deu formato às tradições usadas até hoje e consolidou mudanças em muitas relações do cotidiano rural e urbano, deixando um legado que direcionou conhecimentos e descobertas.

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