Queijo Serro

Queijo Artesanal no Rock in Rio?

Queijo Serro

O sistema brasileiro de inspeção de produtos de origem animal possui três esferas de atuação: municipal, estadual e federal.

Quando um estabelecimento se registra no Serviço de Inspeção Municipal ele indica no rótulo de seu produto um selo do SIM e pode comercializar apenas dentro daquele município registrado.

Quando o registro é feito no Serviço de Inspeção Estadual ele indica o selo do SIE podendo comercializar apenas dentro de seu Estado (em todos os municípios), e quando o estabelecimento se registra no Serviço de Inspeção Federal, pode comercializar seus produtos em todo o território nacional, exibindo no rótulo o selo do SIF.

As inspeções municipais e estaduais ainda podem solicitar ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – MAPA (responsável pela Inspeção Federal) a equivalência de inspeção (onde deverá atender alguns critérios), caracterizando o SISBI-POA (Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal). Desta forma, o estabelecimento continuará registrado no serviço municipal ou estadual, mas poderá comercializar em todo território nacional.

Se considerarmos o volume de inspeções municipais e estaduais, ainda é muito baixa a adesão ao SISBI-POA por parte destes órgãos fiscalizadores, isso porque, para a adesão, é necessária uma série de investimentos com relação a estrutura da fiscalização para atender as exigências da inspeção federal, além de investimentos maiores por parte dos produtores com relação a estrutura da unidade fabril.

Então pergunto:

O que aconteceu no evento Rock in Rio que causou tanta polêmica a respeito do queijo apreendido pela Vigilância Sanitária?

O queijo não possuía nenhum desses selos?

O queijo possuía sim um selo de inspeção estadual do Estado do Pernambuco, isso significa que ele só poderia ser comercializado no Estado de Pernambuco, não poderia estar no Estado do Rio de Janeiro, salvo se o produtorpossuísse o SISBI, porém o Estado de Pernambuco ainda não fez sua adesão.

Portanto, o produto não estava IMPRÓPRIO para o consumo, mas estava com sua COMERCIALIZAÇÃO IRREGULAR.

A chef responsável, Roberta Sudbrack, afirmou se tratar de produtos da tradição culinária brasileira, porém o queijo apreendido não era um queijo tradicional, mas sim, um queijo de origem industrial, mesmo que produzido por uma agroindústria de pequeno porte. Talvez os produtos da tradição culinária brasileira a que se referia eram os demais apreendidos, mas não o queijo.

Os queijos tradicionais brasileiros são produzidos com leite cru e sua grande maioria não consegue registro em quaisquer tipos de inspeções pois as legislações existentes são, majoritariamente, proibitiva do queijo feito a partir de leite cru. Impossibilitando os pequenos produtores artesanais de formalizar sua atividade, fazendo com que os mesmos permaneçam na clandestinidade.

Diversos movimentos sociais, como o Slow Food, lutam há anos para que esses produtos sejam reconhecidos pela legislação, muito já se avançou, mas ainda existe um longo caminho para se percorrer para a legalização de todos os queijos artesanais de leite cru brasileiros. (Mas isso é um tema para um próximo artigo).

O que pudemos observar com a apreensão dos queijos no Rock in Rio foi uma verdadeira onda de oportunismo nas redes sociais, especialmente para denegrir a imagem do queijo artesanal, ironizando uma frase da chef Roberta Sudbrack: “Faltava um carimbo, um selo, uma coisa qualquer”.

Um carimbo que os pequenos produtores artesanais de leite cru são impedidos de terem acesso pois necessitam atender exigências desproporcionais ao seu volume de produção. Um selo que os pequenos produtores não recebem apoio do poder público para adquirir. Uma coisa qualquer que coloca em risco o sustento da família do produtor artesanal.

Sabemos da importância de se possuir um produto certificado com um selo de inspeção municipal, estadual ou federal, mas para o pequeno produtor essa certificação ainda está muito longe de se efetivar devido às grandes exigências legais impostas a eles e aos poucos suportes para o atendimento a essas exigências.

Desta forma, não se pode dizer que um produto sem selo é um produto sem qualidade, da mesma forma, não é possível afirmar que um produto com selo é o alimento mais adequado para o consumo. Especialmente se considerarmos os produtos químicos que são permitidos de serem utilizados pela indústria e que, de acordo com a legislação, não faz mal algum.

Atualmente muitos consumidores estão revendo seu consumo alimentar e estão em busca de alimentos mais naturais, que valorizam a produção familiar, respeitam os animais, preservam o meio ambiente e sejam produzidos sem substâncias químicas ou substitutos alimentícios que fazem mal a saúde, como a gordura vegetal.

No caso dos queijos artesanais há uma grande dificuldade de acesso por parte dos consumidores, pois os produtores não conseguem formalizar sua atividade e receber seu registro de inspeção que permitem a livre circulação do produto para comercialização.

Os produtores querem se formalizar, mas precisam de apoio!

Apoio para realizar os exames periódicos de saúde de seus animais, garantir a segurança da qualidade da água utilizada em sua propriedade, garantir a qualidade do produto fabricado e implantar boas práticas de fabricação e ordenha.

Todo um trabalho de reformulação da legislação existente deve ser realizado e devem ter como apoio profissionais e pesquisadores ligados a processos artesanais. Se continuarmos exigindo dos produtores artesanais as mesmas normas estabelecidas em processos industriais, permaneceremos com um problema sem solução.

Que o acontecido sirva de reflexão para que as autoridades busquem equacionar o problema, que todas as inspeções garantam a segurança necessária, dentro da razoabilidade, para que os produtos artesanais, possam circular em todo o país e que implementem políticas públicas para que os pequenos produtores tenham o direito de formalizar sua atividade e fornecer alimentos bons, limpos e justos para a sociedade. #salveoqueijoartesanal

 

Michelle Carvalho é Consultora de Laticínios, graduada em Ciência e Tecnologia de Laticínios pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Especializou-se em pesquisas com Queijos Artesanais com mestrado em Desenvolvimento Rural Sustentável pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOSTE) e atualmente é mestranda em Ciência dos Alimentos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É membro do Movimento Slow Food Brasil e luta pela legalização dos Queijos Artesanais brasileiros.

Fonte: http://alimentusconsultoria.com.br/queijo-artesanal-no-rock-in-rio/

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