A farinha polvilhada produzida nos engenhos de Santa Catarina apresenta cor branca, textura fina e macia, podendo ter sabor mais adocicado ou azedo, alguns chegam a dizer que ela “esquenta” na boca. Resultado principalmente das variedades de mandioca utilizadas e da fina peneiração após o forneamento da farinha. Simboliza a troca cultural entre índios e europeus (principalmente açorianos), sendo que os primeiros apresentaram a cultura da mandioca e os modos rústicos de elaborar a farinha, enquanto os segundos aperfeiçoaram a seleção de variedades, os maquinários e técnicas utilizadas.
Os engenhos de farinha fina são numerosos ao longo do litoral sul de Santa Catarina, e a concentração dos engenhos da Fortaleza estão localizados nos municípios de Imbituba, Garopaba, Florianópolis, Paulo Lopes e Palhoça e da encosta da serra catarinense, representado pelo município de Angelina. Sua paisagem é diversa e marcada tanto pelas características de uma região litorânea, na presença de restinga e terras mais arenosas onde temos grande desenvolvimento de roças de mandioca e locais com altitudes de 450 metros de clima temperado quente.
Criados a partir da miscigenação cultural entre indígenas e colonizadores europeus que há mais de duzentos anos chegaram em Santa Catarina, os Engenhos de Farinha de Mandioca além de serem o espaço onde a mandioca é transformada, simbolizam a resistência cultural das comunidades que os mantêm. A manutenção dessa cultura agroalimentar tradicional reflete também no manejo de recursos naturais específicos, de paisagens e da agrobiodiversidade.
O início da produção artesanal de farinha ocorre com a escolha da variedade de mandioca a ser cultivada, que devido a características como cor e quantidade de água na raiz influenciarão diretamente na elaboração e qualidade final do produto.
Sendo assim, a mandioca é colhida na época de safra, que ocorre entre maio e setembro, para logo ser processada. Esse período é conhecido popularmente como época de farinhada.
Da roça a mandioca é transportada até os Engenhos, onde a casca é retirada, a raiz é lavada para então ser triturada, até se transformar em uma massa. Durante este processo ocorre a liberação de uma água viscosa que quando decantada se transforma na fécula de mandioca, também chamado de polvilho. Essa massa é levada à prensa, onde a água restante é retirada. Obtém-se assim um material fibroso, o qual por fim é levado ao tacho aquecido por fogo à lenha a cerca de 160◦C, procedimento chamado de forneamento, o qual exige conhecimentos e técnicas tradicionais específicas que possibilitam a obtenção do ponto considerado ideal da farinha, conferindo a esta características organolépticas singulares, após fornear a farinha passa por uma peneira fina que finaliza o processo de elaboração.
Durante a forneada, é produzido o beiju, uma espécie de biscoito feito com a massa de mandioca antes de atingir o ponto de farinha, podendo ou não ser temperada, além da bijajica, um bolo indígena que em seu preparo utiliza-se diversas especiarias e tem como base a massa da mandioca. Tanto a farinha, como os sub-produtos da mandioca são referências importantes na nutrição familiar e a comercialização ocorre com o excedente destes produtos.
A Fortaleza
O primeiro movimento de organização dos engenhos se deu em 2007 com a criação da Comunidade do Alimento dos Produtores de Farinha de Mandioca Polvilhada, através do movimento Slow Food. A organização em Rede se inicia no ano 2010, quando de iniciativa da instituição CEPAGRO, através da Lei Cultura Viva do Ministério da Cultura, criou-se o Ponto de Cultura dos Engenhos de Farinha. Integrantes da Rede de Engenhos também participam de outras redes, como a Rede Ecovida de agroecologia e se organizam em suas localidades em cooperativas e associações. No momento, a Rede de Engenhos de Farinha de SC voltou a se reunir desde dezembro de 2016 e busca o fortalecimento e unidade ao pensar as estratégias dentro de objetivos, ações, parcerias e outros projetos que visem o seu fortalecimento e o reconhecimento do seu patrimônio histórico, agroalimentar e cultural material e imaterial.
A criação da Fortaleza, que se iniciou em 2017 somando o esforço para viabilizar a sua organização para a comercialização da farinha respeitando seu saber-fazer artesanal e em busca de mercados alternativos que a valorizem, além de fortalecer a luta para a flexibilização das restrições sanitárias sobre os produtos da agroindústria familiar e artesanal.