Guariroba

Arca do Gosto // Fruta fresca, desidratada, castanhas e derivados

gueroba, guarirova, guariroba-verdadeira, jaguaroba, gariroba, palmito-amargoso, catolé, pati-amargoso, coco-amargoso // Syagrus oleracea // Bahia, Tocantins, região Centro-Oeste, Região Sudeste e Paraná. // Comunidades Kalunga, da Chapada dos Veadeiros, em Goiás e comunidades rurais e povos tradicionais do Centro-Oeste e do Norte de Minas Gerais.

A guariroba, ou gueroba (do tupi “comer amargo”, palmito ou palmeira amarga1) é uma palmeira de ampla ocorrência nas áreas de Cerrado, presente também na zona de transição com a Mata Atlântica, na Caatinga e no Pantanal. Faz parte da cultura alimentar indígena brasileira (sendo citado em relatos de expedições do século XVIII como “jaguaroba”) assim como de diversas comunidades tradicionais do Cerrado. 

As plantas podem chegar até 20 metros de altura (mas geralmente de 4 a 7 metros), com folhas pinadas (como penas) que atingem até 3,5 metros de comprimento. O caule é solitário, cilíndrico e liso, de cor acinzentada e com as cicatrizes aneladas das bainhas foliares. As pequenas flores amareladas nascem aos milhares em um cacho composto (panícula), protegido pela espata. São polinizadas por abelhas nativas como as mandaguari, as bijuí e as borá. Os frutos são pequenos coquinhos ovóides, de cor entre o verde e o amarelo, casca fina e polpa (mesocarpo) carnoso, pouco fibroso e adocicado. Os cocos maduros caem no chão naturalmente quando amadurecem. Ao interno do coco, encontra-se uma amêndoa (semente) de sabor agradável, consumida ao natural ou torrada. 

No interior da parte superior do caule (o miolo do meristema apical, constituído pelo tecido de crescimento da planta e por folhas internas ainda em desenvolvimento) encontra-se o palmito comestível, muito apreciado como alimento por povos indígenas nativos, populações rurais e urbanas de algumas regiões, sobretudo de Goiás e Norte de Minas Gerais. O palmito é caracterizado pelo seu sabor amargo, que pode variar de intensidade de acordo com algumas características do desenvolvimento da planta e momento da coleta2.

O plantio comercial da guariroba, da outra parte, também apresenta alguns desafios: o desenvolvimento inicial das plantas é bastante lento e as sementes apresentam baixa taxa de germinação; os ciclos das plantas apresentam grande variação, o que dificulta o manejo racionalizado e representa uma ocupação de longo prazo do solo; a comercialização depende do registro e da fiscalização de órgãos ambientais; a variabilidade do sabor do palmito (entre mais e menos amargo) dificulta a padronização para a produção de conservas.

Tudo isso, no entanto, faz da gueroba uma excelente opção para os cultivos familiares de pequena escala e em propriedades que adotam sistemas agroflorestais, com o manejo da palmeira em consórcio com outras espécies. É plantada por agricultores em suas roças, pastagens, quintais próximos às casas e em guerobais3. A variação do sabor pode ser uma característica de menor relevância nestes casos e, ainda, um atributo a ser explorado4. Além disso, por ser considerada uma planta ainda em domesticação, a gueroba pode se adaptar bem em vários tipos de clima e de solo.

A palmeira possui uma importante função ecológica no ambiente, fornecendo alimento e abrigo para uma grande quantidade de animais silvestres5. Sua preservação em seu habitat nativo é de extrema importância e depende da aplicação de boas práticas no manejo e retirada dos frutos e do palmito, garantindo a sua regeneração natural. Mas, sobretudo, a conservação das áreas de Cerrado, extremamente ameaçadas pela atividade agropecuária, pelo desmatamento e pelas queimadas, é imprescindível para a sobrevivência desta e de milhares de outras espécies que compõem a biodiversidade desse bioma.

Usos gastronômicos e tradicionais:

O  palmito da gueroba é caracterizado principalmente pelo seu sabor amargo, que pode variar em algumas plantas para quase adocicado, enquanto a textura é firme e pode variar de mais granulosa a mais cremosa e macia. Após a derrubada da planta (geralmente de indivíduos jovens com 5 a 6 anos), corta-se aproximadamente 60 cm da extremidade do caule e as partes mais rígidas são descartadas. A parte comestível do palmito é conhecida como “cabeça”, constituída pelo palmito e pelo coração, envoltos ainda por algumas bainhas foliares. Para evitar que escureçam, são mergulhadas imediatamente na água, que pode ser acidulada com limão ou vinagre, o que colabora também para diminuir um pouco o amargor.   

Cada palmito pode pesar de 0,5 a 3,0 kg; são consumidos depois de cozidos ou aferventados, como ingrediente para saladas, refogados, molhos, purês, recheios de tortas, pastéis e outros. É um ingrediente clássico no famoso empadão goiano (que leva também frango, linguiça, batata e outros ingredientes) e muito apreciado no tradicional arroz com pequi. São também destinados a um uso terapêutico e medicinal6, oferecido para as pessoas convalescentes e comemorativo, em batizados, casamentos e aniversários e outras ocasiões. 

A polpa do coco é nutritiva, fibrosa e adocicada, e pode ser utilizada para preparar sucos, sorvetes, bolos, biscoitos, tortas, pães, além de um óleo de grande valor nutricional, rico em ácidos graxos insaturados. As amêndoas ou castanhas são consumidas cruas ou torradas; são ingrediente no tradicional “doce de taia” (similar ao pé-de-moleque), em paçocas, farofas, bolos, entre outros. Das amêndoas também se extrai um óleo, antigamente utilizado na cozinha, de excelente qualidade para a produção de cosméticos (como cremes, pomadas, sabonetes e hidratantes) e de uso medicinal tradicional (como anti-inflamatório e no auxílio à defesa do organismo). A medicina popular utiliza também as flores, a folha nova e as raízes da guariroba para o tratamento de bronquite, hemorroida e dor de coluna e o óleo do coró (larva branca que se desenvolve dentro da amêndoa do coco), é indicado para curar dor de ouvido e rachaduras no calcanhar dos pés. As larvas também são comestíveis, nutritivas e saborosas7. Do óleo e das cinzas dos cocos, se fazia antigamente um sabão de cinzas, hábito ainda presente em algumas localidades. 

As folhas jovens da gueroba, normalmente trituradas com cana, são usadas para alimentar o gado na época da seca e, em qualquer época do ano, são oferecidas aos animais que ficam doentes e às vacas recém-paridas. Servem para forrar telhados e como fibra para fabricar artesanatos. Vacas, cavalos e porcos consomem também a polpa externa do coco, boa fonte de gorduras e proteínas. A madeira do tronco é utilizada para fabricação de casas, currais, chiqueiros, galinheiros, paióis, telhados, pequenas pontes e móveis e a árvore tem uso ornamental em parques, avenidas e jardins. 

  1. De acordo com Carvalho (1987; p.91), airy-roba é o airi (espécie de palmeira) ou o palmito amargo; enquanto guab-i-r-oba seria, literalmente, “ao comer amargo”.
  2. Alguns estudos indicam que quanto menor o diâmetro da estipe e quanto mais escuro o palmito, maior o sabor amargo, tendencialmente. Já o palmito mais macio, tem relação com as características vegetativas (altura da planta, comprimento médio de folha, número de folhas, diâmetro do estipe) (REIS, PINTO e FALEIRO, 2016). A experiência popular distingue a guariroba “roxa” com palmito muito amargo da guariroba “branca”, com palmito de sabor mais suave (ISPN, 2013). De acordo com Silvio Leonel Côrtes, dono do Bar do Gato, em Frutal – MG, em tempos de lua cheia, o palmito amarga menos e, na lua nova, amarga mais.
  3.  Os guerobais são plantações da palmeira em grande quantidade e bem perto umas das outras (em torno de 2.000 a 2.500 guerobas adultas por hectare), destinadas ao manejo para coleta do palmito e para a coleta das folhas para alimentação animal. Além disso, ajudam a conter a erosão em locais de grande declividade e a recompor a mata ciliar de cursos d’água, principalmente em locais mais acidentados (ISPN, 2013).
  4. Existem, inclusive, diferenças regionais em relação à preferência pelo gosto amargo do palmito, sendo esse sabor considerado característico e desejado em algumas regiões, como em Goiás e pouco apreciado em outras, no próprio Centro-Oeste.
  5. Maritacas, papagaios, periquitos e araras consomem os frutos do alto das palmeiras, enquanto tatus, cachorros do mato, seriemas, perdizes, preás, antas, veados, pacas, ouriços, quatis, macacos, capivaras, cotias se alimentam dos cocos caídos no chão, além de insetos como besouros, formigas e cupins. A copa da gueroba também serve para a construção de ninhos e abrigos para diversas aves, como o tuvi, azulão, jacó e rolinha.
  6.  O amargor do palmito está relacionado à presença de compostos fenólicos com propriedades antioxidantes, que regulam a ação de radicais livres, ajudando a reduzir a incidência de doenças crônicas e degenerativas (REIS, PINTO e FALEIRO, 2016).
  7. A larva do besouro Pachymerus nucleorum, que coloca o seu ovo na polpa do coco maduro caído no chão.

Referências bibliográficas:

CARVALHO, Moacyr Ribeiro de. Dicionário Tupi (antigo) – Português. Salvador, 1987. Dispónível em: <http://etnolinguistica.wdfiles.com/local–files/biblio%3Acarvalho-1987-dicionario/Carvalho_1987_DicTupiAntigo-Port_OCR.pdf>. [Acesso em 18/11/2021]

GUARIROBA. Pirenópolis, portal de turismo (online). S/D. Disponível em: <http://www.pirenopolis.tur.br/turismo/gastronomia/regional/guariroba>. [Acesso em 19/11/2021] 

ISPN (Vários autores). Boas práticas de manejo para o extrativismo sustentável  da  gueroba  /  vários  autores.  –  Brasília:  Instituto Sociedade, População e Natureza, 2013. Disponível em: <https://ispn.org.br/gueroba-boas-praticas-de-manejo-para-o-extrativismo-sustentavel/>. [Acesso em 19/11/2021] 

MARTINS, Renata Corrêa. As palmeiras dos kalungas: guia de identificação e etnobotânica. Ed. Rede de Sementes do Cerrado, 2015. Disponível em: <https://museucerrado.com.br/wp-content/uploads/2020/03/Livro_palmeiras_cerrado_renata.pdf>. [Acesso em 19/11/2021]  

REIS, E. F. dos, PINTO, J. F. N. e FALEIRO, F. G. Syagrus oleracea – Gueroba  in VIEIRA, R. F.; CAMILLO, J.; CORADIN, L. (Ed.). Espécies nativas da flora brasileira de valor econômico atual ou potencial: plantas para o futuro: Região Centro-Oeste. Brasília, DF: MMA, 2016. Disponível em: <https://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/handle/doc/1074710>. [Acesso em 19/11/2021] 

SYAGRUS OLERACEA. Colecionando Frutas (online), 2020. Disponível em: <https://www.colecionandofrutas.com.br/syagrusoleracea.htm>. [Acesso em 19/11/2021] 

Indicação

Sara Almeida Campos e Laíse Carvalho Silva

Pesquisa

Marcelo de Podestá

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