O bovino-pantaneiro é uma raça nativa (autóctone), originada de gados trazidos da Península Ibérica para o Pantanal durante o período de colonização da América do Sul. Sua ancestralidade remete a raças portuguesas (alentejana, algarvia, barrosa, mertolenga, minhota, mirandesa) e espanholas (arouquesa, berrenda negra/vermelha, negra andaluza, retinta, rubia gallega). Ao longo de séculos de seleção natural, desenvolveu-se uma raça rústica, amplamente adaptada às condições ecológicas características do Pantanal brasileiro. Este bioma registra altas temperaturas, com muita chuva e inundações no verão, com inverno seco de temperaturas médias de 16º, com quedas bruscas ocasionais. O clima da região interfere na qualidade e disponibilidade de alimento para o gado, constituído em sua maioria por pastagens nativas, ainda na atualidade.
Os animais são robustos, compactos, de porte pequeno a médio, com altura média das vacas adultas cerca de 1,30 m. Possuem patas mais curtas e cascos capazes de caminhar longas distâncias submersos; não possuem cupim. Possuem cabeça em formato triangular, olhos redondos, orelhas pequenas localizadas acima da linha dos olhos, dorso retilíneo e chifres de diferentes formatos e tamanhos. A pelagem é variada e essa característica indica variabilidade genética. Apresentam boa fertilidade e desenvolvimento sexual precoce, excelente habilidade materna, comportamento gregário e mansidão quando manejados adequadamente. São tolerantes ao calor e resistentes a carrapatos e verminoses, com pouca demanda por cuidado veterinário e insumos. O fato de apresentarem característica de tolerância ao calor semelhante a raça nelore, faz do bovino-pantaneiro, possivelmente, o taurino (Bos taurus) mais adaptado ao ecossistema do Pantanal brasileiro.
Sua presença nessa região é anterior ao desenvolvimento da atividade pecuária, propriamente dita. Esses animais protagonizaram a produção de gado do Pantanal até meados do século XX, por isso são considerados um patrimônio histórico, cultural e genético. Há relatos que mencionam que, no início do século, o bovino-pantaneiro foi preterido nos transporte do rebanho via trens e comitivas, já que os seus chifres prejudicavam a acomodação no trem e suas pernas curtas retardavam as comitivas. Esse processo pode ter sido o desencadeador de tentativas massivas de cruzamento com raças maiores e mais produtivas, como a nelore. Segundo estudos como o levantado por Egito (2007), a população do gado-pantaneiro sofreu um forte processo de erosão genética, fruto do cruzamento com bois da raça nelore, resultando em acentuado risco de extinção. Ainda nos dias de hoje se faz cruzamentos com animais da raça nelore para corte e animais das raças gir e girolando para produção leiteira.
Para evitar a perda deste importante recurso genético, em 1983, o Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) decidiu incluir a conservação dos recursos genéticos animais em seu programa de Pesquisa, Conservação e Utilização de Recursos Genéticos que contemplava, até então, apenas as plantas. Nessa década, dentre outros núcleos de conservação in situ da Embrapa, foi criado o Núcleo de Conservação do Bovino Pantaneiro, na Fazenda Nhumirim, pertencente à Embrapa Pantanal (Corumbá-MS).
Ao longo do tempo pesquisadores de diferentes instituições trabalharam para conhecer melhor esses animais e seu potencial de uso em diferentes modelos pecuários, como oportunidade para produtores rurais. Até 2009, só havia o rebanho da Embrapa Pantanal e da Fazenda Promissão em Poconé-MT. Foi então que a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) em Aquidauana-MS, adquiriu suas primeiras bezerras, vindas da Fazenda Nhumirim, e deu início a criação do Núcleo de Conservação de Bovinos Pantaneiros de Aquidauana (Nubopan), com pesquisas direcionadas, principalmente, ao aspecto desconhecido da aptidão da raça para produção leiteira.
Nesse mesmo ano, a Fundação Pantanal Holding, que trabalhava com conservação de onças-pintadas na região de Porto Jofre-MT, interessou-se em implantar um novo criatório de bovino-pantaneiro e esse rebanho foi a base da criação atual da Estância Dois Irmãos (Rio Negro, MS). Além disso, um criador tradicional na região de Guia Lopes da Laguna, Fazenda São Marcos, se apresentou com animais que vinham sendo utilizados para a produção de leite desde 1975, com um histórico maravilhoso de herança de tradições. As equipes de pesquisa foram fortalecidas com a parceria dos criadores e em 2013 foi criada a Associação Brasileira de Criadores de Bovino Pantaneiro (ABCBP), com a finalidade de valorizar e divulgar as qualidades da raça, incentivando a implantação de novos criatórios e regulamentando as questões relacionadas ao padrão racial e o registro do bovino-pantaneiro junto ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Atualmente a ABCBP possui 22 associados, criadores da raça, estimando existirem aproximadamente 3500 animais.
As perspectivas em relação à raça são promissoras, graças à característica de adaptação e sua dupla vocação, para gado leiteiro e também para gado de corte, com produção de leite com alto teor de gordura e carne saborosa e suculenta, com destaque para o marmoreio (gordura entremeada no músculo), que confere um sabor especial. Ressalta-se que essas características indicam que a raça produz carne e leite com qualidade diferenciada, mesmo sem ter sido selecionada para isso ou fazer parte de programas de melhoramento genético.
Neste contexto, observa-se que as estratégias de conservação para que o gado-pantaneiro deixe o status de em risco de extinção incluem o seu uso em diferentes sistemas produtivos, verificando um alinhamento com demandas importantes para o Pantanal brasileiro e as comunidades locais, tais como: sistemas produtivos pecuários multifuncionais ou sustentáveis (orgânico ou agroecológico), cadeias produtivas relacionadas ao agroecoturismo, turismo histórico e gastronômico ou comercialização de produtos com valor agregado por meio de certificações.
O gado-pantaneiro tem grande importância para a cultura local, já que se relaciona historicamente e ecologicamente com a região, está presente na música, na poesia e na memória gastronômica de pessoas que, como o bovino-pantaneiro, construíram suas tradições nesta planície. Segundo estudo de Sereno, em 2002, se observa forte identidade cultural com os produtores do Mato Grosso, onde se recordam com nostalgia da infância, atrelados a produtos lácteos, principalmente queijos e doce de leite, fortemente associados às vacas desta raça.
Tem forte vínculo com a cultura pantaneira, na qual, além dos usos citados acima, se usa o chifre do gado-pantaneiro para fazer o berrante, que ajuda a conduzir boiadas. A pele espessa e macia dá um couro resistente e flexível, depois de curtido com casca de angico. Com o couro se trança laços de doze tentos, faz “tralha” boa para trabalhar com o cavalo.
É importante opção, como raça local adaptada, para ser criada por comunidades locais indígenas e quilombolas, além de assentamentos rurais. A rusticidade e a adaptabilidade tornam a raça indicada para a agricultura familiar local.
Usos gastronômicos
O gado-pantaneiro é utilizado tanto para a produção de carne quanto para a produção de leite, mas ganha mais destaque na produção de um queijo bem famoso em Mato Grosso do Sul. De cor amarela forte e rico em gordura, o leite da vaca da raça pantaneiro é utilizado para a fabricação do queijo de saco ou queijo nicola, de sabor diferenciado, com características próprias de cor, cheiro, textura e sabor, muito apreciado nas fazendas, para consumo in natura, ou na culinária pantaneira e fronteiriça, na fabricação da sopa paraguaia, do caburé (bolinho), da chipa (biscoito) e do beiju.
Sua carne saborosa é especial para o churrasco e se for pra levar na “matula”, é só fazer a carne soleada que dá um arroz carreteiro e uma paçoca de primeira. No Pantanal, para aliviar o calorão se bebe o tereré numa guampa feita com o chifre.