Gado Brejeiro

Arca do Gosto // Raças e espécies animais

No interior do município de Pilão Arcado, norte da Bahia, existe uma região com a presença de paisagens exuberantes, formada pela combinação das fitofisionomias de dunas e de brejos de altitude, semelhante às conhecidas veredas. A área faz uma transição entre a Caatinga (savana-estépica) e o Cerrado, recebendo a denominação de Campo de Dunas Inativas do Médio Rio São Francisco (BARRETO et. al, 1999). A região é rica em nascentes de pequenos rios que deságuam no São Francisco e, por isso, possui um potencial natural importantíssimo no contexto do semiárido. A natureza inóspita, a consequente baixa densidade demográfica, bem como a existência da Área de Proteção Ambiental Dunas e Veredas do Baixo Médio São Francisco são fatores que favorecem a conservação da região, e, ao mesmo tempo, resulta no elevado grau de autossuficiência das comunidades brejeiras que ali vivem.

Após o abandono das antigas fazendas pertencentes a coronéis, sobretudo a partir do século XIX, os brejos de altitude foram alvo de povoamento e ocupação do interior do sertão do São Francisco, devido às suas qualidades excepcionais. Nessa região de “terras soltas” constituíram-se comunidades tradicionais de Fundo de Pasto, por meio dos descendentes de escravizados e indígenas, que decidiram fixar suas residências ao longo das planícies de vazantes que margeiam os cursos d’água e afloramentos de lençol freático, as áreas embrejadas, onde passaram a desenvolver o seu modo de vida tradicional brejeiro. São verdadeiros oásis no meio do sertão, onde os camponeses vivem praticamente isolados, a cerca de 120 quilômetros da sede do município de Pilão Arcado, sendo o acesso possível somente com veículos de tração 4×4.

Gado Brejeiro solto na comunidade. Foto: Claricelio Nascimento

Nessas terras, ancestralmente habitadas pelos índios mocoazes e acoroazes, dizimados no período colonial, os camponeses brejeiros conciliam a produção agrícola de subsistência com o extrativismo de buriti e a criação superextensiva de bovinos, relacionados à raça nativa curraleiro-pé-duro, mas com características populacionais próprias. Esses animais são resultantes de séculos de adaptação às condições naturais de secas, calor e outros fatores adversos, como o solo arenoso com baixa fertilidade natural e pastagens nativas de baixo valor nutricional. A vaca brejeira ou gado brejeiro (Bos taurus taurus), é, portanto, um resultado do processo de seleção natural, que conferiu características de rusticidade e resistência e, por isso, extremamente adaptado, resistente e de fácil criação. Alguns criadores tentaram inserir outras raças com maior aptidão comercial, como a nelore, zebu e malabá, porém não conseguiram se adaptar às condições locais, nas quais a vaca brejeira teve mais de um século para se desenvolver. 

Gado brejeiro. Foto: Claricelio Nascimento

Na região em que vivem encontram água em abundância. O animal, que dificilmente adoece, não perde peso durante a estiagem, se alimenta de todo tipo de vegetação nativa e, como é criado solto em vastas áreas da caatinga, costuma andar cerca de 20 quilômetros por dia sem se perder. Tem um porte pequeno e produz pouco leite. A fêmea é considerada boa reprodutora, capaz de parir a partir dos três anos, um bezerro por ano. Possuem pelagens de grossura médias e de cores variadas, sendo as mais comuns o castanho-avermelhado e amarelado, com as extremidades mais escuras nos membros anteriores do corpo e na cabeça. Suas orelhas são pequenas e os focinhos pretos com pelos brancos no entorno. Os chifres são grandes e levantados, com extremidades escuras. A altura média na cernelha varia entre 1,10 e 1,35 metros e o peso adulto entre 250 e 400 quilos. (NASCIMENTO, 2020; CARVALHO et al., 2013).

Quando perguntado sobre as características do animal, o vaqueiro da comunidade, Valdivino Nascimento afirma que costuma ser mais manso, vive em grupo, solto nos brejos e na caatinga. Se alimenta de folhas de árvores e arbustos, com a cabeça levantada, resultado de adaptação a um ambiente pobre em pastagem, e se alimenta também de cana-de-açúcar e frutas como buriti e manga. No sistema produtivo tradicional dessas comunidades brejeiras, como são popularmente conhecidas, os gados se alimentam da vegetação nativa, e descem para os brejos para beber água, geralmente à noite. Estima-se que existam cerca de 1.500 animais criados desta forma, por aproximadamente 300 famílias distribuídas em cinco comunidades brejeiras. Além dessas, existem, pelo menos, outras 20 comunidades pela região, localizadas entre os municípios de Pilão Arcado e da Barra, que também criam esses animais.

Apesar de ser um animal com baixa produção de leite, se comparado a outras raças bovinas, é um hábito das famílias produzirem manteiga e requeijão de corte.  A carne é, normalmente, consumida depois de secagem ao ao sol por dois dias. Essa é uma prática ancestral, ainda utilizada devido ao fato de não possuírem energia elétrica na comunidade. Chamada de “carne do sol”, é muito apreciada pela população local. Apesar de as partes mais nobres serem menos macias do que em raças comerciais, acredita-se que pode ser criado um mercado diferenciado para essa carne, por não serem utilizados produtos químicos e medicamentos na sua criação, gerando agregação de valor econômico aos produtores. 

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Slow Food na defesa da sociobiodiversidade e da cultura alimentar baiana

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