Moção em defesa da cultura alimentar de Santa Catarina, contra os excessos da Vigilância Sanitária e do Ministério Público

Os modos de ser, de fazer e de viver de comunidades rurais, bem como a cultura alimentar dos consumidores de Santa Catarina estão seriamente ameaçados por ações da Vigiliância Sanitária e do Ministério Público neste estado. Estas agências estão intervindo violentamente nas feiras, mercados e festas tradicionais das comunidades, aplicando normas de controle sanitário voltadas para grandes indústrias alimentícias.

Estas ações de repressão, desrespeitosas, arbitrárias e excessivas, estão destruindo e impedindo a produção e comercialização de alimentos produzidos de forma artesanal e em pequena escala pela Agricultura Familiar, como embutidos de carne de porco, queijos artesanais de leite cru, assim como a pesca artesanal. Tais processos de produção envolvem saberes e fazeres oralmente transmitidos de geração a geração, com conhecimentos tradicionais construídos, transformados e reiterados ao longo dos tempos, que são expressão da enorme diversidade cultural brasileira.

Da mesma maneira, essas ações vêm dificultando a realização de festas comunitárias e almoços festivos de famílias, amigos e vizinhos, que envolvem churrascos e comidas feitas em casa ou em cozinhas comunitárias, de modo voluntário e coletivo. Têm sido feitas exigências descabidas, como cozinhas industriais, carteira de saúde para churrasqueiros e cozinheiros voluntários, impedimento de consumo de produtos coloniais artesanais. Tais interferências tem causado indignação nas comunidades, que fazem suas festas para estreitar laços sociais e para arrecadar recursos para necessidades coletivas, como forma de expressão de devoções religiosas e para proporcionar lazer e diversão aos visitantes. A culinária está presente como elemento principal ou viabilizador de todas estas manifestações culturais populares, especialmente nas comunidades rurais e inexistem registros de pessoas contaminadas por consumir estes alimentos, pois o zelo pela boa alimentação oferecida aos participantes sempre foi a garantia do sucesso dessas promoções.

Todas essas tradições alimentares fazem parte do patrimônio cultural destas populações, devendo ser respeitadas e apoiadas pelas agências do Estado e não reprimidas e perseguidas com a imposição de normas sanitárias inadequadas. Os processos de produção de alimentos artesanais, tradicionais e da agricultura familiar, assim como pequenos empreendimentos e a pesca artesanal necessitam de uma legislação específica. O zelo e a responsabilidade pela boa alimentação sempre foram observados pelas comunidades, porém os excessos na busca da “sanidade e esterilização” estão penalizando duramente as sociedades locais e pequenos produtores de Santa Catarina, a ponto de interferir seriamente em tradições seculares e salutares. Excessos só impedem o simples e prático que sempre deu certo. É urgente que os órgãos de inspeção considerem as tradições dos pequenos produtores e das suas comunidades e levem em conta o impacto cultural, social e econômico causado por suas exigências.

Pelo exposto, solicitamos junto ao Procurador-Geral de Justiça do Ministerio Publico de Santa Catarina a instalação de uma Audiência Públicapara discutir a atuação da Cidasc e das Vigilâncias Sanitárias, assim como do Programa de Proteção Jurídico-Sanitária dos Consumidores de Produtos de Origem Animal (POA), com a presença de todas as partes interessadas

Obs: Este documento é uma iniciativa de representantes de organizações da sociedade civil no Grupo de Trabalho da ANVISA sobre normas sanitárias para a agricultura  familiar – GT 1.346/2014, a saber: Apaco, FBSSAN, GT Slow Food Queijos artesanais, MMC, Rede Ecovida. Está aberto para recolher a assinaturas de organizações e instituições.

 

ANEXO – Informações adicionais sobre ações realizadas pela Vigilância Sanitária em SC 

 

Ações contra mercados e feiras livres

Uma ação punitiva e desproporcional ocorreu na feira livre das cidade de São Miguel do Oeste em abril de 2010, quando o Ministério Público interditou a feira livre municipal daquela cidade sem qualquer comunicado prévio à administração municipal. A feira tinha apoio da prefeitura e feirantes eram agricultores que vendiam seus produtos coloniais diretamente aos consumidores (queijo, salames, doces e conservas, ovos, etc). Foi montada uma operação policial, semelhante às que visam prender quadrilhas de traficantes, com viaturas e policiais armados, que cercaram a feira e levaram os agricultores presos, na frente de seus clientes, como fossem bandidos. As autoridade municipais e a cidade se mobilizaram e exigiriam que os agricultores fossem soltos, mas manteve-se o impedimento da venda dos produtos na feira. Até hoje há feirantes que precisam tirar na delegacia autorização para poder viajar para fora da região.

Embora o caso de São Miguel do Oeste tenha sido o mais violento e traumático, sabe-se de outras intervenções em feiras municipais que vêm impedindo a venda de produtos locais, como em 2015, em Xanxerê e Chapecó. Estas ações vêm desestimulando a manutenção e fortalecimento desses importantes espaços de comercialização de alimentos, os quais permitem que a população adquira diretamente dos produtores alimentos frescos, muitos produzidos de modo orgânico e respeitando tradições alimentares. As feiras livres contribuem para fortalecer a segurança alimentar e mantêm a diversidade de alimentos ofertados, além de serem importantes espaços de socialização. Tais ações repressivas desestimulam as agroindústrias familiares rurais, importante opção de renda para os agricultores de Santa Catarina, levando-os a abandonar atividades importantes para a renda da família e, em muitos casos, a terem que abandonar suas propriedades e migrar para as cidades.

 

Repressão a festas comunitárias

A vigilância sanitária vem impondo nos últimos anos uma série de exigências para a realização de encontros, eventos ou festas comunitárias no oeste catarinense, como a exigência de estruturas equivalentes às cozinhas industriais, exigindo azulejos até o teto, equipamentos e utensilios de inox, proibição de abate de animais na comunidade, portas especiais anti-incêndio, dentre outras. Obriga as pessoas que trabalham como voluntários nessas festas a usar tocas, luvas e apresentar carteiras de saúde, que precisam ser renovadas a cada seis meses. Tem impedido ainda a compra de produtos produzidos nas comunidades para serem servidos nas festas, como ovos e galinhas caipiras, salames coloniais, entre outros. Também vem proibindo as doações de bolos, cucas, frangos assados, porcos e outras comidas, historicamente feitas nas casas das famílias para serem leiloados para custear as despesas comunitárias. A imposição de normas voltadas para a indústria alimentar não são adequadas a eventos como as festas de comunidades. 

O impedimento do uso dos próprios recursos para realizar estes eventos enfraquecem consideravelmente suas possibilidades econômicas. É dali que vem recursos para atividades que mantêm a comunidade unida e ativa: religião, esporte, lazer, cultura, manutenção de igrejas, cemitários e centros comunitarios, aquisição de máquinas e poços artesianos. Desaparece também as chamadas “trocas de visitas” entre as comunidades.

Para ilustrar a arbitrariedade de tais ações, citamos a recente apreensão e inutilização de embutidos de carne suína de agroindústria familiar rural de um grupo de agricultores do município de Ouro, produção devidamente inspecionada pelo Serviço de Inspeção Municipal (SIM). Tal ação foi feita à revelia dos técnicos responsáveis pela inspeção daquela unidade. Os embutidos haviam sido feitos sob encomenda para serem servidos na “Noite do Queijo e do Vinho” em sua 18a edição, em junho de 2015, da qual participaram aproximadamente 300 pessoas. Toda a produção de embutidos foi  inutilizada dois dias antes do evento, o que comprometeu seriamente a festividade. Tal fato causou indignação na cidade, dada a relevância da festa e a notoriedade e qualidade dos produtos daquela pequena agroindústria. O prefeito Vitor Faccin que se colocou à disposição para prestar os esclarecimentos necessários. Fone: (049) 3555-1300 (prefeitura municipal).

 

Ações contra pescadores artesanais

Ações de teor similar têm ocorrido com relação à pesca artesanal na Ilha de Santa Catarina, à qual vêm sendo impostos padrões e parâmetros voltados para a pesca industrial, resultando em apreensões e destruição de produtos e em dificuldades para a continuidade da pesca e da criação de ostras, bem como do seu processamento e comercialização. Atualmente estão obrigando os pescados a passarem por entreposto com inspeção antes de serem vendidos a restaurantes e peixarias, interferindo nas formas tradicionais de comercialização que garantem vendas mais diretas e um maior frescor aos alimentos. Houve tentativas de proibir a evisceração dos pescados ainda no mar, que causou forte reação dos pescadores e posteriormente teve  comprovada sua importância para melhoria da qualidade do pescado, através de estudo realizado pela Univali. É patente a aplicação de legislações inadequadas e o desrespeito ao saber-fazer e ao modo de vida dos pescadores, que historicamenta abastecem feiras, mercados, restaurantes e consumidores no litoral catarinense.  Ver algumas informações adicionais em:

http://www.avozdonavegante.com.br/75.html

http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/274504-reacao-dos-pescadores-serve-para-esclarecer-novas-normas-de-comercio-de-produtos-de-origem-animal.html

 

Assinam a moção:

– Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense – APACO

– Assossiassion Taliani d’ Ipumirim

– Cooperativa de Crédito Rural de Seara – Cresol/Credi Seara

– Federação das Entidades Ítalo-Brasileiras do Meio-Oeste e Planalto Catarinense – FEIBEMO

– GT Educação Slow Food

– GT Slow Food Queijos Artesanais

– Rede Ecovida

– Rede Catarina Slow Food

– Fórum Estadual de SegurançaAlimentar e Nutricional Sustentável do RS

– Rede de Mulheres Negras para a Segurança Alimentar

– Slow Food Brasil

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