A produção do óleo de dendê tem forte ocorrência geográfica no estado da Bahia, nos territórios do Sul da Bahia e do Recôncavo. O fruto ainda é encontrado em áreas de produção no Amazonas, Pará e Amapá.
O dendezeiro (Elais guineesis) tem origem africana e pertencente, como toda palmeira, à família das Arecáceas. O dendê é o fruto do dendezeiro, que são pequenos cocos, de cerca de quatro centímetros de comprimento por 2,5cm de diâmetro, de polpa avermelhada e semente muito dura, que se aglomeram em grandes cachos. Sua frutificação inicia por volta dos cinco anos de idade e chega aos 20 sua fase de produção mais intensa. Uma palmeira pode dar até quatro cachos por ano, cada qual com cerca de 500 cocos em média.
A chegada do dendê no território do Recôncavo da Bahia se deu nos meados do século XVI quando os primeiros engenhos foram construídos, provocando o desmatamento de grande parte da Mata Atlântica para a utilização do solo para a plantação de cana-de-açúcar e para o estabelecimento de outras intervenções resultantes deste cultivo. Segundo historiadores, as características básicas do Recôncavo por mais de três séculos seriam o tripé: latifúndio – monocultivo – escravidão.
Todo o trabalho da cana-de-açúcar era feito pela exploração da mão de obra escrava pelos negros africanos, que procuravam agregar novos elementos alimentícios a sua pobre dieta. Com a abolição da escravatura e o declínio do ciclo econômico, os ex-escravizados foram abandonados sem nenhum direito ou apoio socioeconômico do Estado, achando no dendezeiro uma saída para sobreviver. Desde então, a comunidade quilombola da Bacia do Iguape vem trabalhando no cultivo e beneficiamento do dendê de forma artesanal pelas famílias afrodescendentes.
Porém, para manter o extrativismo do dendê, a comunidade quilombola passou por vários desafios. Na década de 70 foi instalada no território a primeira agroindústria beneficiadora de dendê do estado, a OPALMA – Óleos de Palma S/A e, a partir de então, surgiram os primeiros plantios de palmeiras de dendê em nível industrial, substituindo o plantio de cana-de-açúcar por um grande plantio de dendê da variedade tenera, ofertando empregos para centenas de pessoas.
A permanência dos 10% do plantio de dendê que restou nessa transição foi preservada através de uma conquista da luta e organização das comunidades quilombolas da Bacia do Iguape, que travou um conflito com a Usina, ganhando na justiça o direito de fazer o extrativismo do dendê mantendo as tradições de seus ancestrais.
A colheita é um trabalho muito importante porque é nesta etapa que se obtém os resultados de todos os esforços com o cultivo. Na execução do trabalho de colheita, a etapa importante a ser observada é o grau de maturação dos frutos – este fator está diretamente relacionado com o conteúdo de óleo na polpa e com a qualidade do óleo obtido.
O azeite de dendê é extraído da parte externa do fruto de maneira artesanal, no pilão, pelas mãos das mulheres quilombolas na Bacia do Iguape, respeitando as seguintes fases em sua cadeia produtiva:
1. Sobe no pé do dendê com um par de peias de aço e uma machada para cortar o cacho ou os cachos;
2. Leva os cachos para casa;
3. Despenca: cuja finalidade é separar os frutos do cacho;
4. Cata;
5. Coloca no fogo;
6. Cozinha e deixa esfriar;
7. Pisa no pilão e logo após coloca em uma vasilha com água pra bater até que toda massa saia dos caroços e bagaços;
8. Tempera com folhas locais e coloca no fogo novamente para apurar;
9. Depois de apurado coloca para esfriar e ser engarrafado;
10. Esta pronto para a venda e degustação dos sabores e saberes locais.
Segundo um historiador português, o azeite de dendê tem o cheiro das violetas, o sabor do azeite de oliva e tinge os alimentos com a cor do açafrão. O azeite de dendê é composto por palmitina, oleína, linolina, estearina e ácido palmítico, de cor avermelhada e sabor adocicado, aroma forte e consistência densa. Com ricas propriedades nutricionais, contém proporções iguais de ácidos graxos saturados (palmítico 44% e esteárico 4%) e é uma fonte natural de vitamina E, que atua como antioxidantes; também é rico em betacaroteno, fonte importante de vitamina A.
A produção artesanal do azeite de dendê requer práticas, tradições e conhecimentos técnicos, desenvolvidos pelos escravos. O processo é completamente braçal, exigido tempo e energia. Por este motivo, os poucos produtores de azeite de dendê existentes na Bahia estão deixando a tradição de produzir artesanalmente no pilão. Este abandono enfraquece e põe em rico toda uma história da cultura afro-brasileira e modo de vida dos escravos africanos e descendentes encontrado nas comunidades quilombola da Bacia do Iguape, levantando a importância de cadastrar na Arca do Gosto.
A comunidade quilombola situada na Bacia do Iguape tem uma culinária de raiz afrodescendente. Em suas receitas o azeite de dendê é um dos principais ingredientes para o preparo de moqueca de ostra, moqueca de peixe, vatapá, quiabada, farofa de dendê (mistura do óleo de dendê com a mandioca), além das receitas cotidianas. O azeite de dendê é usado nas festas comemorativas e religiosas da comunidade, como o caruru de Cosme e Damião e a Festa da Ostra.
O azeite de dendê dos quilombolas da Bacia do Iguape se diferencia da maneira tradicional de beneficiar o dendê, pelo uso de folhas locais, como alfavaca.
Referências:
Dendê – CEPLAC
Dendeicultura na Bahia – CONAB
Dendê III, de Paulo Assis
Correio Gourmand
Cozinhando Ideias – Blog
Clissio Santos Santana – Nas terras da liberdade: a pequena propriedade de terra no Recôncavo Baiano (1850-1890)
Azeite de Dendê dos Quilombos da Bacia e Vale do Iguape – Slow Food na Itália – Por Ananias Viana