Foi publicada no dia 08 de agosto a Instrução Normativa Nº 30, de 7 de Agosto de 2013, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. Na cerimônia de assinatura Ministros, Governador e outras autoridades entoaram discursos de liberdade. Enfim, o queijo minas artesanal será produzido e vendido sem as autoritárias e descabidas restrições que até agora imperaram. Será? Não quero ser pessimista, mas muito recentemente, assistimos igual filme.
Foi em dezembro de 2011, quando o MAPA publicou a Instrução Normativa 57/2011 e que, aparentemente, viera em atendimento aos apelos dos produtores de Queijo Minas Artesanal. Também houve festa e a imprensa publicou manchetes otimistas. Contudo, não demorou muito para que todos percebessem que a nova norma só complicou a situação dos produtores artesanais e ficou evidente a falta de conhecimento dos legisladores quanto às questões de segurança alimentar. Eles se prenderam ao prazo de maturação e ignoraram estudos acadêmicos que comprovam que a segurança do processo não depende primordialmente do prazo de maturação, de maneira que, se o queijo estiver contaminado não serão os longos 60 dias de maturação que eliminarão a contaminação. Por outro lado, quando o queijo é produzido de forma a eliminar toda possibilidade de contaminação é até desnecessário que seja maturado. Muito mais adequadas e inteligentes são as normas do Instituto Mineiro de Agropecuária – IMA (com destaque para Portaria nº 523/2002) que estabelecem boas práticas de fabricação do queijo Minas artesanal de forma equilibrada com as tradições centenárias.
E agora, quais novidades foram generosamente outorgadas pelos senhores das leis? Algumas poucas e boas, não há como negar. Só a elogiar. E em resumo coloco-as no quadro comparativo abaixo:
COMO ERA: IN 57/2011 | COMO FICOU: IN 30/2013 |
Observações
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Permite que os queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru sejam maturados por um período inferior a 60 dias, quando estudos técnico-científicos comprovarem que a redução do período de maturação não compromete a qualidade e a inocuidade do produto. | Permite que os queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru sejam maturados por um período inferior a 60 dias, quando estudos técnico-científicos comprovarem que a redução do período de maturação não compromete a qualidade e a inocuidade do produto. | – Nada mudou. A regra geral continua sendo o período de maturação de 60 dias, com possibilidade de redução a partir do cumprimento de uma série de requisitos. |
A definição de novo período de maturação dos queijos artesanais será realizada por ato normativo específico, após a avaliação dos estudos por comitê técnico-científico designado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. | A definição de novo período de maturação dos queijos artesanais será realizada após a avaliação dos estudos pelo órgão estadual e/ou municipal de inspeção industrial e sanitária reconhecidos pelo Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal- SISBI/POA. | – Melhorou. Somente o MAPA poderia autorizar a redução do período de maturação. Agora, órgãos municipais e estaduais reconhecidos pelo MAPA, também podem. |
Para efeito de comércio internacional deverão ser atendidos os requisitos sanitários específicos do país importador. | Para efeito de comércio internacional deverão ser atendidos os requisitos sanitários específicos do país importador. | – Nada mudou. |
A produção com período de maturação inferior a 60 dias fica restrita a queijaria situada em região de indicação geográfica certificada ou tradicionalmente reconhecida. | A produção com período de maturação inferior a 60 dias fica restrita a queijaria situada em região de indicação geográfica registrada ou tradicionalmente reconhecida. | – Nada mudou. |
A propriedade deve ser certificada como livre de tuberculose e brucelose. | A propriedade deve ser certificada como livre de tuberculose e brucelose, de acordo com o disposto no Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT), ou controladas para brucelose e tuberculose pelo Órgão Estadual de Defesa Sanitária Animal, no prazo de até 3 anos a partir da publicação desta IN. | – Pouco mudou. Apenas explica como o produtor deverá comprovar que a propriedade está livre da tuberculoso e brucelose. |
As propriedades rurais devem descrever e implementar: I – Programa de Controle de Mastite com a realização de exames para detecção de mastite clínica e subclínica, incluindo uma análise mensal do leite da propriedade em laboratório da Rede Brasileira da Qualidade do Leite – RBQL para composição centesimal, Contagem de Células Somáticas e Contagem Bacteriana Total – CBT; II – Programa de Boas Práticas de Ordenha e de Fabricação, incluindo o controle dos operadores, controle de pragas e transporte adequado do produto até o entreposto; e III – cloração e controle de potabilidade da água utilizada nas atividades. | As propriedades rurais devem descrever e implementar: I – Programa de Controle de Mastite com a realização de exames para detecção de mastite clínica e subclínica, incluindo análise do leite da propriedade em laboratório da Rede Brasileira da Qualidade do Leite – RBQL para composição centesimal, Contagem de Células Somáticas e Contagem Bacteriana Total – CBT; II – Programa de Boas Práticas de Ordenha e de Fabricação, incluindo o controle dos operadores, controle de pragas e transporte adequado do produto até o entreposto; e III – cloração e controle de potabilidade da água utilizada nas atividades. | – Pouco mudou. Apenas excluiu a periodicidade mensal da análise do leite. |
Como demonstrado acima, pouca coisa mudou. Os avanços normativos se limitaram a reduzir os prejuízos decorrentes da ilegal fixação do prazo de 60 dias para maturação do queijo produzido a partir do leite cru, como é o caso do queijo minas artesanal.
Conforme já abordado no trabalho As Leis do Queijo, publicado no site Slow Food Brasil (http://www.slowfoodbrasil.com/textos/queijos-artesanais/619-as-leis-do-queijo) o prazo legal para maturação é de no mínimo 10 dias e está previsto no artigo 928, § 6º, do Decreto Presidencial Nº 30.691/1952, com a redação dada pelo Decreto Nº 1.255/1962;
A recém-publicada IN 30/2013, por questão de lógica, hierarquia legislativa e respeito aos comandos Constitucionais não pode se sobrepor ao Decreto Presidencial Nº 30.691/1952, portanto, não pode estabelecer prazo de maturação do queijo minas artesanal superior a 10 dias. Assim, a ilegalidade continua porque a IN 30/2013 repetiu o mesmo erro da IN 57/2011.
A IN 30/2013, do Ministério da Agricultura e Abastecimento possui legalidade meramente formal, ou aparência de legalidade por ser ato praticado pela Administração Pública responsável por zelar pela segurança do alimento. Ela não tem eficácia plena e para evitar maiores prejuízos sociais deve ser formalmente revogada ou adequada ao Decreto Presidencial e, desta forma, os cidadãos e os agentes da administração não serão induzidos a dar cumprimento a uma norma que afronta o sistema legal brasileiro, seja em seus aspectos formais, seja pelo conteúdo contrário à proteção constitucional do patrimônio cultural.
E fico a imaginar a cerimônia de assinatura da IN 30/2013. Provavelmente políticos e especialistas discursaram, aplaudiram-se uns aos outros e se deliciaram com uma bonita mesa de queijos. Tão branquinhos e tão tenros que certamente tinham menos de 60 dias de maturação. Afinal, as nobres autoridades não comeriam queijos com sabores prejudicados pela teimosia de seus burocratas.