A força criativa da natureza na origem do mel de aroeira

Fruto da adaptação entre espécies no sertão de Minas Gerais, a produção do mel de aroeira é um exemplo de re-equilíbrio ambiental

Sabor amadeirado, floral e levemente mentolado, com toques de caramelo. Acidez leve e dulçor equilibrado. A descrição sensorial poderia ser de um café ou um vinho, mas é de um alimento líquido e denso, de coloração âmbar escura. Lembra um melado de cana menos intenso, de sabores mais complexos. Por outro lado, tem os aromas florais e a textura típicos de um mel. Esse é o mel de aroeira, uma iguaria, nativa do Brasil. 

Em fevereiro de 2022, o mel de aroeira do norte de Minas recebeu indicação geográfica na forma de uma denominação de origem. Apesar de tal reconhecimento, o mel tem seu potencial gastronômico ainda pouco explorado, sendo quase desconhecido por cozinheiros, chefs de cozinha, e mesmo pesquisadores e ativistas de fora da região produtora. Por anos o alimento foi tido como um mel de menor valor, pela coloração escura e pelo dulçor mais leve quando comparado aos méis puramente florais. 

“O mel de aroeira é produzido por abelhas africanizadas (Apis mellifera), a partir do néctar das flores de aroeira e do melato, uma secreção produzida por pequenos pulgões (Tainaires myracrodruon), que habitam e sugam a seiva das árvores. É encontrado especialmente nos ecossistemas de Matas Secas da região do Norte de Minas, área de transição entre o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica. Um alimento de características sensoriais únicas, propriedades medicinais e funcionais.”

(p.687, Arca do Gosto Minas Gerais)

 A apresentação do mel de aroeira na Arca do Gosto de Minas Gerais, publicada em 2021 pelo Slow Food Brasil é, no mínimo, intrigante e atiça a curiosidade. Além do sabor, esse mel tem outras características que o tornam especial. A aroeira preta ou aroeira do sertão é uma árvore menos conhecida que a aroeira vermelha, cujos frutos são a pimenta-rosa e que é abundante no litoral brasileiro. A aroeira preta é uma árvore interiorana, abundante no ecossistema das Matas Secas do Norte de Minas, no sertão do estado. A espécie é muito resistente à seca e floresce justamente nesse período do ano. Tal situação favorece a atividade da apicultura por camponeses que de outra forma ficariam sem fonte de renda durante a estiagem. Muitos agricultores da região já migraram e, cada vez mais, outros migram para a atividade da apicultura. O retorno financeiro é melhor, o trabalho menos pesado que na roça e a valorização do mel no mercado externo tem permitido uma melhora nas condições de vida. 

A origem biológica do mel de aroeira consiste na adaptação de abelhas africanizadas na região. Diante da escassez de outras flores durante a seca, elas produzem o mel utilizando-se de flores da aroeira e desse melato, que como explicado acima, é um composto originado pela interação de um tipo de pulgão com casca do tronco da aroeira. A complexidade do sabor do mel advém do uso desse melato, como esclarece esse trecho do artigo da Arca do Gosto “O mel de aroeira possui características peculiares, resultado da interação entre a abelha, os insetos e a aroeira: é bastante denso, tem cor escura, baixa acidez e sabor intenso, além de não cristalizar. Mas também, é rico em substâncias conhecidas como compostos fenólicos, que possuem comprovados efeitos preventivos e curativos para a saúde humana, em quantidades ainda não encontradas em nenhum outro mel do mundo.” (Arca do Gosto de Minas Gerais, P.688).

Pesquisas recentes desenvolvidas nas Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e na Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) têm mudado completamente a opinião sobre a pureza do mel de aroeira,  sobretudo depois da comprovação de que ele tem ação antimicrobiana e anti-inflamatória. Além disso, é aliado na conservação do ecossistema das Matas Secas do Norte de Minas. Isso porque sua produção garante o uso e ocupação do solo no semiárido, e ajuda na defesa da aroeira-preta, espécie em risco de extinção. 

Agora, o desafio é fazer da conquista da denominação de origem do mel de aroeira um mecanismo para investir na valorização de toda a cadeia produtiva e do ecossistema que permite o surgimento desse produto. É preciso que os apicultores, suas famílias e a população local sejam beneficiados tanto com o usufruto do mel, como pela tutela e proteção da biodiversidade do ecossistema. Também, é preciso respeitar esse fino equilíbrio costurado pela adaptação entre o cerrado e as abelhas africanizadas não nativas.

Comments:

Wédson dos santos soares
29 de agosto de 2023

Tomara que com os últimos incentivos e a aprovação da lei para apicultores e meliponicultores os criadores de abelhas passem valorizar mais os seus produtos fazendo analise constantes para valorar o mel e preservar as abelhas...

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