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Centralidade do alimento: Acordo de cooperação técnica para Minas Gerais

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O Slow Food Brasil assinou nesta terça-feira (13), em Belo Horizonte, um termo de acordo de cooperação técnica com a Secretaria de Desenvolvimento Agrário de Minas Gerais, que visa fortalecer as cadeias de produção sustentável da Agricultura Familiar no estado, valorizar o trabalho das comunidades e povos tradicionais e incentivar a alimentação saudável, boa, limpa e justa através da educação ao gosto e dos circuitos curtos de comercialização.

O acordo prevê que nos próximos 90 dias será elaborado, em conjunto, um Plano de Ação para o estabelecimento dos objetivos específicos, metas, linhas de atuação e o cronograma de atividade.

Confira na íntegra o texto apresentado durante a cerimônia:

Centralidade do alimento

Hoje é um dia especial, pois essa parceria representa um passo importante na trajetória do Slow Food, e abre caminhos para uma nova perspectiva de trabalho e de atuação. Ela representa um alinhamento conceitual e estratégico.

Para o Slow Food, a agricultura familiar, as comunidades tradicionais, os indígenas, quilombolas, os mestres conhecedores são os detentores da única forma de produzir alimentos de qualidade em respeito ao meio ambiente, de forma socialmente justa e, ainda, a partir de um referencial cultural e identitário compartilhado.

Dizer isso significa evidenciar o contraste que existe entre um modelo industrial de produção mecanizada e em larga escala que, em todo o mundo, se resume em menos de doze espécies de plantas e cinco espécies de animais, centralizados nas mãos de pouquíssimas empresas, e um modelo de produção local e de pequena escala, que reproduz uma imensa diversidade cultural e biológica, adaptadas aos seus contextos originais, que envolve famílias e comunidades inteiras e que compreende que a terra é um bem comum.

Nosso Movimento nasceu a partir de um Manifesto, publicado em 1989, que defende o direito universal ao prazer na alimentação, e que traz a contatação de ritmos e os estilos de vida modernos excluem e ameaçamformas tradicionalmente reconhecidas de produzir boa comida.

Mas garantir o direito a boa comida, significa, antes de tudo pensar: “que boa comida é essa?”

A qualidade do alimento (essa qualidade que queremos que seja acessível a todos) não pode levar em conta só o sabor (as características organolépticas), mas deve considerar também o equilíbrio ambiental e a justa remuneração dos produtores.

Bom, limpo e justo” é a síntese de uma forma de pensar a comida e tudo aquilo com que ela se relaciona. É colocar o alimento no centro da nossa forma de pensar e enxergar o mundo, é propor uma visão holística de gastronomia, sensível a essa relação íntima e fundamental entre a comida e a vida no planeta. Comida boa para o sabor, limpa para o meio ambiente e justa para as pessoas.

Trazer o alimento para o centro de todas as reflexões que tocam o homem, implica vários desdobramentos. Ele nos dá um ponto de partida extraordinário para pensar uma nova política, uma nova economia, uma nova sociabilidade

O alimento em quanto direito primário de todo ser humano é uma delas. Essa é uma convicção compartilhada, pois do alimento depende diretamente a vida no planeta. Mas garantir esse direito significa defender o acesso ao alimento de qualidade, alimento limpo, justo, que satisfaz nutricionalmente, mas também que faz parte cultura, da identidade. O alimento bom não pode ser uma prerrogativa para quem pode pagar por ele.

Nos faz pensar na agricultura e na fertilidade dos solos. O alimento provém da natureza, por meio da terra. O solo se nutre de tudo aquilo que nós oferecemos a ele e, por sua vez, nos fornece a comida em um ciclo contínuo. Nos faz pensar também na qualidade do ar e da água. Se o foco é o alimento e não a economia, imediatamente um sistema agrícola intensivo que desperdiça água, que abusa de substâncias químicas, que polui o ar com o CO2 liberado para fazer viajar os alimentos pelo mundo se torna inviável.

Uma boa alimentação é também o elemento chave de uma boa saúde. E a boa saúde também é um direito. A comida se tornou, hoje, uma mercadoria: ela é vendida, comprada, desperdiçada. Alimentos superprocessados e um estilo de vida cada vez mais sedentário trazem consigo doenças como obesidade, diabetes e outros distúrbios cada vez mais difusos. Deixar que um sistema como esse se reproduza também é um desperdício de saúde.

A partir do alimento também refletimos sobre a biodiversidade. A biodiversidade é o que garante o equilíbrio de todas as formas de vida no planeta, seja ela microscópica que macroscópica. Defender a biodiversidade significa defender as inúmeras espécies vegetais e animais adaptadas aos seus ambientes naturais ou históricos, mas também defender as comunidades tradicionais que lidam de forma sustentável com a terra e com os recursos.

E para a gastronomia, biodiversidade significa a oportunidade de conhecer e explorar novas texturas, novas cores, novos aromas e combinações de sabores.

É essa a forma que pensamos a gastronomia, uma visão aberta e multidisciplinar que compreende de forma profunda a conexão que existe entre o prato e o planeta. Se o pesquisador da comida, o apreciador da boa mesa, o cozinheiro, o consumidor, o comerciante, não se engajam na luta pelo alimento de qualidade, pela defesa das produções sustentáveis, dos modos de fazer tradicionais, dos produtos da biodiversidade, eles colocam em risco a própria oportunidade de prazer na alimentação e a chance de ter acesso a esses produtos.

 

Slow Food Belo HorizonteQuando a comida é boa, limpa e justa, tudo o que estiver ligado a ela faz parte de um sistema que se traduz em beleza. Campos, florestas, hortas, vilarejos, cidades. A paisagem e sua beleza são patrimônios que nos ajudam a viver melhor, que nos fazem sentir bem, que tornam a vida mais agradável, aumentando o orgulho que sentimos por nossa terra. Através da comida temos também a oportunidade de atuar em favor da beleza, para que nos rodeie sempre e para que as futuras gerações também possam aproveitar.

Somente a agricultura limpa, orgânica, de pequena escala, dona das suas próprias sementes, reconhecida pelas suas práticas, conhecimentos, tradições, valorizada pelos seus modos de fazer, pelos seus tempos e ritmos, que recebe o valor justo pelo trabalho e pelo produto, pode garantir o acesso ao alimento de qualidade, o bem-estar e o equilíbrio da vida.

Esse acordo que hoje assinamos, representa um complô, uma união de forças e de ideias em prol dessa agricultura e dessa qualidade da comida.

Queremos espalhar essa convicção de forma capilar, dentro dessa Secretaria e de todos os órgãos e entidades que ela representa, para que ela influencie politicas, projetos e pessoas. E, em troca, nos propomos como parceiros, como braço atuante, como filosofia e como rede para trabalharmos juntos nessa direção.

Longa vida a simplicidade e ao prazer verdadeiro, ao sabor de braços dados como saber, a agricultura iluminada responsável pela fraternidade e pela beleza. Longa vida a economia justa que cuida do futuro dos jovens e do planeta.

 

 *Marcelo de Podestá é Facilitador Slow Food para a região Sudeste


 

 

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